Apesar da ameaça à sobrevivência humana, avanços na COP27 são tímidos
Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, afirmou que os relatórios científicos do IPCC são um catalogar de fracassos – e que continuamos no caminho do “inferno pisando fundo no acelerador”
Sharm-el-Sheikh, na península do Sinai, sediou a COP27. A região é repleta de história. Segundo a Bíblia, Moisés vagou com o povo hebreu por quarenta anos para livrá-lo das influências do bezerro de ouro, o falso ídolo, uma espécie de Deus do dinheiro.
A riqueza da sociedade contemporânea ainda é lastreada no petrodólar. Essa riqueza traz duríssimas consequências. Enquanto garotos abastados dos países produtores de petróleo cobrem seus carros de ouro e os transportam em aviões para passar as férias em Londres, a humilde população de Tuvalu (Estado da Polinésia) segue sendo submersa pela elevação das águas do Pacífico.
A tentativa de tratar de forma vigorosa e mais imediata o banimento do bezerro de petrodólares fracassou novamente na COP27, seguindo o ritmo da COP26 de Glasgow. Menos barulhenta e debaixo de repressão política, o brilho da sociedade civil na Escócia não se repetiu em Sharm-el-Sheikh.
Contando os resultados a partir de sua instalação em 1995, as COPs climáticas devem perseverar bem mais que quarenta anos para exorcizar o petróleo. Indignado, Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, afirmou que os relatórios científicos do IPCC são um catalogar de fracassos – e que continuamos no caminho do “inferno pisando fundo no acelerador”. Sheakespeare não diria melhor: prever o pior é uma forma de evitá-lo.
Está difícil evitar o pior. O IPCC tem revelado cenários desastrosos em dados contundentes. Como resultado, os avanços são tímidos. Para não dizer que nada foi feito, a COP27 referiu-se ao banimento do carvão e ao aprimoramento de alertas meteorológicos.
Os fracassos constantes das COPs nos remetem a uma avaliação da capacidade da humanidade em fazer política para sua sobrevivência. No atual contexto turbulento e de perda do multilateralismo colaborativo, revela-se o enfraquecimento da ONU, cuja capacidade indutora de paz e da diplomacia internacional vem submergindo juntamente com Tuvalu.
Por trás da panaceia de deuses da economia e da torre de Babel da disputa por hegemonia econômica, revela-se o prognóstico que Darwin vaticinou: sobrevivem os que possuem maior capacidade de adaptação. Sem recursos para adaptação, a humanidade corre o risco de naufragar em um mar de refugiados ambientais, fortes migrações entre países, impulsionadas pela perda de condições de sobrevivência e especialmente da segurança alimentar.
Ao final da COP, ao estilo de Guterrez, Franz Timmermans, representante da Comunidade Europeia, disparou: “É preferível nenhum acordo a uma decisão ruim”. Isso sacudiu os ânimos nos bastidores. Na última hora, chegou-se ao rascunho sobre o Fundo Financeiro dos Países Vulneráveis, que foi aprovado.
Tuvalu e outros países vulneráveis às tragédias ambientais climáticas agora contam com promessa de apoio para reparar perdas e danos, mas o fundo ainda não tem fundos. Isso só será decidido por uma comissão e voltará à pauta em 2023, na COP28, com resultados incertos.
O Brasil não será contemplado pelo fundo dos vulneráveis. Faz parte do G-20, as nações mais ricas do planeta. É o quinto maior emissor de Gases Efeito Estufa (GEE) e metade das emissões decorrem do desmatamento. Enfrenta prognósticos de alterações climáticas altamente preocupantes, especialmente perda de sustentabilidade hídrica e avanços dos processos de desertização. Isso poderá apresentar um cenário intenso de migrações internas e perdas na geração de emprego e renda.
Mesmo diante do cenário climático adverso, a participação formal do governo do Brasil em Sharm-el-Sheikh foi insípida. O ministro do Meio Ambiente gazeteou a conferência e foi mergulhar. Segundo observadores, o Brasil literalmente submergiu. Os representantes do Itamaraty assumiram a representação brasileira, sem protagonismo. Por outro lado, a delegação do Brasil apoiou a proposta da Opep das Florestas, na linha da criação de um cartel dos países que mais destroem as florestas tropicais, visando estimular mais stock market, desta vez para o bezerro do carbono.
Na informalidade dos debates com a sociedade civil, Lula, o novo presidente eleito, assumiu novamente os compromissos de campanha com a questão climática, reiterando a priorização da agenda e a proteção da Amazônia, inclusive como sede da COP30, em 2025. A sinalização, mesmo de forma extraoficial, repercutiu na imprensa internacional e junto aos demais países, salvando a presença do Brasil na COP27.
Há uma precariedade no resultado dos esforços globais. O cenário nos leva a refletir sobre dois ritmos distintos para a humanidade: o econômico e o biológico. O ritmo do bezerro econômico é imediatista e exclui o futuro, oposto da realidade biológica, que na emergência atual dispara o instinto para adaptação e sobrevivência.
Não é para menos que jovens estão sendo diagnosticados com perda de segurança, em estado de ansiedade climática, atormentados por sentimento de culpa por fazerem parte do processo de degradação. Outros se declaram aterrorizados diante dos efeitos das mudanças do clima.
Mas os principais países poluidores não têm ansiedade nem pressa. Ao contrário, sentam-se à mesa de negociações em defesa de seu PIB baseado em combustíveis fósseis, enquanto se recusam a pôr a mão no bolso.
O mundo não será salvo com promessas. Guterrez afirmou que é preciso banir os combustíveis fósseis, já que focar apenas em perdas e danos não resolverá o essencial, pois não impedirá de apagar Tuvalu do mapa ou que um país africano se transforme em deserto.
A falta de investimento para a transição energética e controle das emissões é um descalabro. É incompreensível que um planeta que gastou US$ 2,1 trilhões em 2021 com armamentos e aparato militar se recuse a aportar anualmente 0,5% deste valor (US$ 4 bilhões por ano até 2030 em energia renovável e US$ 6 bilhões na economia para reduzir emissões) e salvar bilhões de pessoas de um futuro que promete ser trágico.
Por quanto tempo continuaremos a vagar pelo deserto para nos livrar do bezerro dos petrodólares? Moisés visava uma depuração de valores para adentrar o que estava no horizonte, uma terra de leite e mel. Para Guterrez, a humanidade continua veloz pelo descaminho – e no horizonte desenha-se o inferno climático.
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).