As mãos sujas do general Geisel
Aos napoleões de hospício que insistem em dizer que o regime militar foi, na verdade, uma “ditabranda”, é importante lembrar ainda que as prisões, as torturas e a repressão às lideranças de esquerda começaram já no primeiro dia do golpe que solapou o governo Jango.
O memorando revelado recentemente pelo professor Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reafirma e comprova que todos nós já sabíamos: que a ordem de matar vinha de cima, da presidência. Não é exatamente uma novidade. Geisel, pouco antes de morrer, declarou-se favorável à tortura, em depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação da FGV do Rio de Janeiro. O documento, que aponta que Geisel sabia da execução de pelo menos 104 presos políticos da ditadura militar (1964-1985), traz, segundo Spektor, a “evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos”.
Geisel não estava sozinho. O seu irmão mais velho, Orlando Geisel, que à época era ministro do Exército do general Emílio Garrastazu Médici, determinou a criação da “Casa da Morte”, o famigerado aparelho de tortura em Petrópolis, com o objetivo de eliminar os opositores do regime. O aparelho, mais que um local de tortura, funcionava como um “laboratório” e servia de modelo para outros centros idênticos em pelo menos nove outros estados, de acordo com o depoimento do coronel Paulo Malhães à Comissão Nacional da Verdade (CNV). Estima-se que ao menos 22 pessoas tenham sido assassinadas na casa, entre elas o ex-deputado Rubens Paiva e o sociólogo Carlos Alberto Soares de Freitas (cuja trajetória de vida foi reunida e publicada no livro “Seu amigo esteve aqui”, de Cristina Chacel).
Para o ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias, que prepara uma reunião dos integrantes da Comissão da Verdade para a próxima semana, Geisel foi co-autor dos homicídios praticados. Disse ainda que “ficou demonstrado que a tortura era uma política de Estado, comandada pela Presidência” e que “neste momento em que corremos o risco de voltarmos à ditadura pelo voto, é importante demonstrar o que ela foi no Brasil”. E é mesmo.
Aos napoleões de hospício que insistem em dizer que o regime militar foi, na verdade, uma “ditabranda”, é importante lembrar ainda que as prisões, as torturas e a repressão às lideranças de esquerda começaram já no primeiro dia do golpe que solapou o governo Jango. Como aconteceu com jornalista e crítico literário Astrojildo Pereira, preso e torturado em 1964. Astrojildo, na época com mais de 70 anos de idade, faleceu em decorrência da violência que sofreu nos porões da ditadura.
O rei está nu. E o general, com as mãos sujas de sangue.
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Em tempo: Michel Temer desdenhou das informações sobre os assassinatos autorizados por Geisel e fez ainda elogios ao ditador, que ele admira. Temer sabe bem qual é o seu lugar na História. Por sua vez, Jair Bolsonaro, que já defendeu publicamente a tortura, comparou as execuções do regime militar a um “tapa no bumbum do filho”. Pergunto ao leitor: é isso que você quer na Presidência do país?
* André Rosa é jornalista e tradutor