As máscaras de Tony Blair
Que há por trás das novas promessas de redução da dívida dos países mais pobres do continente? Na realidade, a vontade demonstrada pelo G8 de lutar conta a pobreza mascara investidas econômicas e preocupações geoestratégicas
Fazer que a pobreza pertença apenas ao passado da África, e isso graças a um “plano Marshall moderno”: essa foi a ambição demonstrada pela cúpula do G8, realizada em Gleneagles (Escócia) de 6 a 8 de julho de 2005. Nada foi esquecido para pôr em cena tal mudança. O primeiro-ministro britânico Tony Blair, anfitrião da cúpula, recorreu até aos serviços dos músicos Bob Geldof e Bono para organizar concertos gigantes de sensibilização.
Esse barulho não é novidade: depois do lançamento da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (Nepad),1em 2001, discursos similares têm florescido. Melhor, os países do G8 adotaram na cúpula de Kananaskis (Canadá), em 2002, um plano de ação para a África que se tornou praticamente letra morta. Apesar das aparências, a iniciativa de Gleneagles é ainda muito ortodoxa, e a multiplicação de tais operações traduz antes de tudo a vontade dos países do Norte de continuar a ditar os termos do debate sobre o desenvolvimento, a despeito do fracasso patente de suas receitas.2
Há vários anos Blair posa de “campeão da luta contra a pobreza na África”. Com esse espírito, ele instalou em 2004 uma Comissão para a África, cujo relatório, entregue em fevereiro de 2005 e intitulado “Nosso interesse comum”, serviu de base para os trabalhos do G8.3Presidida pelo primeiro-ministro britânico, a comissão reunia sete personalidades, entre as quais o ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) Michel Camdessus, o presidente tanzaniano Benjamin Mkapa, o ministro sul-africano das Finanças Trevor Manuel, o primeiro-ministro etíope Meles Zenawi e… Bob Geldof.
Os fatores escondidos
Depois de algumas frases inconsequentes, do tipo “a pobreza e a estagnação da África são as maiores tragédias de nosso tempo”, o relatório da comissão pretende explicar a miséria do continente por um feixe “complexo” de fatores políticos, estruturais, ambientais e humanos, mas apresenta a geografia e a má governança como os fatores decisivos. Todos os outros − conflitos, dependência dos produtos básicos, baixa produtividade agrícola, degradação da educação e do sistema sanitário, o fardo da dívida externa, fuga de capitais, êxodo de cérebros etc. – desempenhariam apenas um papel secundário.
Essa análise retoma as frases vazias habituais formuladas por “peritos” ocidentais, seus apoios africanos e as instituições multilaterais. Minimiza especialmente os fatores externos: o papel do ambiente internacional (deterioração dos termos de troca e fuga de capitais) é examinado apenas de modo técnico e parcial. Nenhuma menção é feita às relações de poder que caracterizam as relações internacionais e explicam a dominação dos países do Norte sobre as instituições multilaterais que dão as ordens.
O relatório ignora em particular o papel desempenhado pelos programas de ajuste estrutural do Banco Mundial e do FMI na degradação dos indicadores econômicos e sociais.4Mal menciona o legado colonial, apesar de seu impacto sobre a “balcanização” do continente. Atribui inteiramente a “má governança” aos africanos, o que permite escamotear as consequências do sistema neocolonial instaurado depois das independências.
Ao contrário, a crítica da gênese da dívida externa revela uma ligeira inflexão do discurso. De fato, o relatório reconhece que “a dívida, essencialmente, foi contraída por ditadores que enriqueceram graças ao petróleo, aos diamantes e aos outros recursos de seus países e que, durante a Guerra Fria, beneficiaram-se do apoio de países que hoje em dia recebem o pagamento da dívida. Muitos desses dirigentes pilharam bilhões de dólares… servindo-se dos sistemas financeiros dos países desenvolvidos”.
Para remediar o empobrecimento do continente, o relatório formula cinco recomendações clássicas: a instauração da “boa governança”, o restabelecimento da paz e da segurança, o desenvolvimento dos recursos humanos, a aceleração do crescimento econômico e o estímulo às exportações.
Para esse fim, preconiza a duplicação da ajuda anual, para elevá-la a US$ 25 bilhões até 2010. Uma avaliação seria feita nessa data e, a se revelar satisfatória, uma segunda fatia anual de US$ 25 bilhões poderia ser concedida entre 2011 e 2015.
Explorar outros caminhos
Entretanto, na ausência de mudanças fundamentais na concepção e na implementação da ajuda, a eficácia dessa medida parece duvidosa. Segundo a associação britânica Action Aid, os países “doadores” recuperam, sob a forma de compra de bens ou de reembolso de empréstimos, 90% da ajuda.5Além do mais, esta serviu e continua a servir − vários estudos e relatórios mostram isso − aos interesses econômicos, políticos e estratégicos dos países doadores.6Ou seja, a maior parte das condições associadas a esse apoio (liberalização da economia, inserção na mundialização…) tende a anular seus benefícios potenciais − o que, aliás, a Comissão Blair reconhece.
A Grã-Bretanha sugere financiar esse aumento da ajuda por intermédio de somas levantadas nos mercados financeiros graças à implantação da Facilidade de Financiamento Internacional (FFI). Cada país contribuinte se comprometeria a depositar, durante quinze anos, certo montante na FFI em troca de compromissos econômicos ampliados dos países beneficiários. Os fluxos financeiros de ajuda ao desenvolvimento seriam assim previsíveis e estáveis. E a FFI poderia levantar imediatamente essa ajuda nos mercados internacionais de capitais para desembolsá-la em favor dos Estados pobres. Tal mecanismo reforça, todavia, os condicionamentos econômicos que pesam sobre os países do Sul. E concentrando-se no desenvolvimento, a FFI joga para segundo plano a reforma do sistema comercial ou a criação de bens públicos globais. A Grã-Bretanha propõe explorar outros caminhos, como a instauração de impostos sobre os transportes sugerida pela França.
Além do aumento da ajuda, o G8 preconiza a anulação de 100% da dívida de alguns Estados, no âmbito da iniciativa em favor dos Países Pobres Muito Endividados (PPME). Mas essa anulação refere-se apenas a dezoito países, entre os sessenta indicados pela ONU no conjunto dos Objetivos do Milênio para o Desenvolvimento (OMD) − e é escalonada ao longo de quarenta anos. É por isso que, segundo a Eurodad, uma coalizão de associações europeias de luta contra a pobreza, situada em Bruxelas, o valor real das anulações será de 17 bilhões de euros, e não de 40 bilhões.7Além do mais, para cada dólar de dívida anulado corresponde um dólar de ajuda a menos. A decisão do G8 parece assim muito insuficiente em relação aos Objetivos do Milênio.8
Mas a condição principal da anulação da dívida é a aceleração das políticas de liberalização e privatização. O essencial dos recursos para o desenvolvimento deveria vir do setor privado − daí a ênfase dada à “boa governança”, que deve criar as condições favoráveis aos investimentos estrangeiros. Retomando por sua conta uma das recomendações da Comissão Blair, o G8 sublinha que “a empresa privada é o principal motor do crescimento e do desenvolvimento”. Nenhuma palavra sobre o papel do Estado na redistribuição das riquezas, o acesso aos bens e serviços de primeira necessidade como a água e a eletricidade e a luta contra as desigualdades.
Sob essa ótica, os países africanos devem liberalizar mais ainda suas políticas comerciais, apoiando-se no G8, no Banco Mundial e no FMI para construir “a capacidade física, humana e institucional necessária ao comércio, incluindo as medidas de facilitação” deste. Essas receitas lembram aquelas fixadas há 25 anos pelas instituições multilaterais e pelas financiadoras internacionais, das quais a associação Christian Aid quantificou um custo social e econômico extremamente elevado (perda de empregos, ruína das pequenas empresas etc.): desde 1985, a liberação do comércio teria feito os países africanos perder US$ 270 bilhões.
O G8 evita cuidadosamente abordar a questão dos subsídios agrícolas nos países ricos, os quais explicam parcialmente a pobreza nos países africanos. Em 2002, por exemplo, os subsídios maciços concedidos pelos Estados Unidos a seus 25 mil produtores de algodão fizeram cair 25% o preço do produto no mercado mundial e custaram cerca de US$ 300 milhões de receitas de exportação para o Benin, a Burkina Faso e o Mali − todos classificados como países menos avançados. No entanto, a Comissão Blair observa que um crescimento de 1% das exportações africanas levaria seu valor anual a US$ 70 bilhões, ou seja, mais de quatro vezes o montante da ajuda pública ao desenvolvimento.
Um bom teste de sinceridade
Uma originalidade, talvez a única, do relatório da Comissão para a África, soberbamente ignorada pelo G8, é o apelo lançado pelo repatriamento dos fundos subtraídos aos povos africanos por regimes não democráticos e depositados nos países desenvolvidos. Segundo o relatório, esses fundos chegam quase à metade do montante da dívida externa do continente, ou seja, centenas de bilhões de dólares. A implantação dessa medida pelo governo Blair seria, aliás, um bom teste de sinceridade do primeiro-ministro britânico.
Na realidade, a vontade demonstrada pelo G8 de lutar conta a pobreza mascara investidas econômicas e preocupações geoestratégicas. O controle dos enormes recursos naturais que abundam na África poderia de fato conferir uma vantagem considerável na guerra econômica travada pelos países ocidentais. Como a Comissão Blair deixa entender, “à medida que o mundo mudar e se desenvolver, é provável que os vastos recursos naturais da África sejam vitais para a prosperidade”. Sob o pretexto da luta contra o terrorismo, os Estados Unidos já começaram a “tornar seguros” os países africanos ricos em petróleo.
Paralelamente, Washington e a União Europeia aumentam sua pressão comercial e econômica sobre o continente. Em 2000, Washington colocou em prática um instrumento de penetração nas economias africanas, o African Growth e Opportunity Act (AGOA), que tem por objetivo suspender todas as barreiras tarifárias e não tarifárias relativas aos produtos norte-americanos. Por sua vez, a União Europeia quer impor à África acordos de “livre-comércio” conhecidos pelo nome de parceria econômica (APE).9
Os Estados Unidos e o Reino Unido também compreenderam que uma África “pobre”, com os Estados em falência, constituiria um terreno fértil ou um santuário para grupos terroristas.
Um dos autores dos atentados fracassados de 21 de julho de 2005, em Londres, foi preso no Zâmbia. George W. Bush, citado no relatório da Comissão Blair, não esconde a preocupação: “A pobreza e a opressão persistentes podem resultar no sentimento de impotência ou desespero. E quando os governos não respondem às necessidades mais elementares de seus cidadãos, esses Estados em situação de fracasso podem tornar-se refúgio para terroristas”.
Apesar do barulho dos meios de comunicação e das esperanças suscitadas antes da cúpula do G8, esta foi um fracasso. E com razão: como se pode fazer a pobreza pertencer ao passado sem enterrar também as políticas e instituições que criam e espalham a pobreza pelo planeta?