As ruínas do palácio de Bolsonaro
O isolamento político de Bolsonaro não deve ser observado apenas como elemento externo ao Palácio, mas interno a ele.
As relações de Bolsonaro com o Congresso nunca foram amistosas, porém, nas últimas semanas, o caos se instaurou no Planalto. Os motivos? Falta de articulação política, apoio a manifestações antidemocráticas, ataques a governadores, a grande mídia, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal, incapacidade do presidente em lidar com a crise do novo coronavírus e, principalmente, as sequentes rupturas políticas do governo.
Como esperado, a atenção midiática e da sociedade civil voltou-se estritamente para o isolamento político do chefe do Executivo Federal; no entanto, um lado importante dessa história foi esquecido: as rupturas internas do próprio governo. O isolamento político não deve ser observado apenas como elemento externo ao Palácio, mas interno a ele.

Após diversos fracassos da “ala ideológica” em 2019, a troca de cadeiras em 2020 priorizou o fortalecimento da “ala militar”; que possui seu núcleo duro em três nomes: Fernando Azevedo (Ministério da Defesa); Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil); todos egressos do Comando Militar do Leste. Duas tarefas principais de assessoramento lhes foram designadas: articulação e aconselhamento. No dia a dia do Planalto, é notório que os três nomes supracitados ganham cada vez mais poderes de articulação política com o Congresso, assim como a crescente necessidade de aconselhamento presidencial em suas falas e posições.
Por mais contraditório que pareça, a “cúpula militar” tem se mostrado muito mais democrática do que a “ideológica olavista”. Um dia após as manifestações antidemocráticas que pediam o fechamento do Congresso e do STF, o Ministério da Defesa, chefiado por Fernando Azevedo e Silva, divulgou uma nota afirmando o compromisso das Forças Armadas com a Constituição Federal. O vice-presidente Hamilton Mourão buscou apaziguar os ânimos com a China, construindo um diálogo direto com Pequim. Edson Leal Pujol, comandante do Exército, pediu seriedade no enfrentamento da Covid-19. Braga Netto aconselhou o presidente a baixar o tom nos discursos em rede nacional. Percebe-se, portanto, que o contrapeso da retórica antidemocrática repousa justamente nos defensores do golpe de 1964.
O governo Bolsonaro sempre foi instável, nunca houve coordenação ministerial, porém, com a saída de Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro, as ruínas do palácio entraram em destaque. Em 15 meses, oito ministros já deixaram o governo.
Rogério Marinho (ministro do Desenvolvimento Regional) e Tarcísio Gomes de Freitas (ministro da Infraestrutura) encontraram no ministro da Casa Civil, Braga Netto, o impulsionador do “Programa Pró-Brasil”, algo que era de extrema preocupação dos chefes do Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura; assim, Paulo Guedes, ministro da Economia, vê sua pasta sendo esvaziada mais uma vez.
O conflito dos militares com o ministro da Economia possui bifurcação entre aqueles que apoiam uma retomada econômica com investimentos públicos, como Ramos (Secretaria de Governo), e os que são mais maleáveis, como Hamilton Mourão. Portanto, o poderio de Guedes vai depender exclusivamente de qual grupo militar palaciano irá se sobressair na influência das decisões presidenciais.
O afastamento do presidente e o DEM, após a demissão do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pode indicar que Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, também está com os dias contatos. Um possível substituto para a pasta é Nabhan Garcia, ex-presidente da UDR e intenso defensor da renegociação da dívida do Funrural, o que também desagrada Guedes e a Frente Parlamentar ruralista. Por mais que o presidente tenha buscado acalmar os ânimos de Tereza Cristina e Guedes, a instabilidade desses Ministérios continua.
Onyx Lorenzoni já vinha sendo “fritado” pela máquina militar, principalmente, com sua ida para o Ministério da Cidadania; agora, após o presidente “desmentir” o anúncio da antecipação do auxílio emergencial, ele se encontra, mais uma vez, entre a cruz e a espada.
O recente pedido de demissão de Sergio Moro fez com que os próprios togados lava-jatistas tecessem críticas contundentes ao presidente. Além disso, a base empresarial de apoio a Bolsonaro também foi afetada, conforme afirmou Gabriel Kanner, presidente do Brasil 200.
Ao somarmos o isolamento de Bolsonaro em uma perspectiva externa e interna, percebemos que a paralisia institucional já está ocorrendo. Como dito em recente artigo escrito para o Le Monde Diplomatique Brasil, o presidencialismo de coalizão brasileiro garante que o Executivo possa ditar o ritmo de interação com o Legislativo, mas, quando isso não acontece, a tendência é de confronto e crise institucional, já que o Congresso não possui a capacidade de formar um governo paralelo para ditar as regras do jogo, pois as prerrogativas para garantir uma articulação não são fatos meramente políticos, mas institucionalizados em nosso ordenamento, o qual coloca o presidente como principal figura da República.
Nesse contexto de isolamento político, houve uma inflação considerável de pedidos de impeachment. Assim, o poder de barganha se encontra, novamente, com o Congresso, principalmente no “Centrão”. E, de acordo com o Palácio do Planalto, o governo irá finalmente destravar as nomeações e buscar uma coalizão, não para criar governabilidade, mas para barrar a abertura de impeachment, afinal, a maior preocupação de Bolsonaro está na manutenção de seu poder como chefe da nação, e, por mais que a adoção de práticas da “velha política” possa representar um custo político alto com seu nicho eleitoral menos extremista.
Leonardo Parizotto Gomes é graduando em direito pela UFRJ, membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ), pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Direito Administrativo e estagiário pesquisador do Laboratório de Regulação Econômica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ Reg.).