Aumento das denúncias pode significar maior confiança na Justiça
Há margem para uma conclusão otimista: a causa do aumento estatístico das denúncias de violência contra a mulher é o surgimento de uma brasileira melhor informada, segura e confiante na Justiça para denunciar o seu algoz
Levantamentos indicam que na cidade de São Paulo os casos de feminicídios dobraram durante a quarentena. Houve também um aumento significativo de pedidos de medidas protetivas de urgência, prisões em flagrante por violência contra a mulher, denúncias por meio do canal “Ligue 180” e chamadas ao serviço de emergência 190 da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Dentre os principais fatores para esse crescimento intolerável podem ser citados o convívio ininterrupto das vítimas com os seus agressores, dificuldades financeiras, stress e consumo exacerbado de bebidas alcoólicas.
De um lado, as estatísticas oficiais corroboram que a sociedade permanece vigilante; de outro, demonstram que as vítimas estão mais conscientes dos seus direitos e dos meios de proteção à disposição — frutos do avanço legislativo e das políticas públicas e ações governamentais de combate à violência contra a mulher iniciados há mais de uma década.
Nesse contexto, é preciso enaltecer o protagonismo da Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”, em vigor há mais de 13 anos.
Criou-se um rigoroso estatuto repressivo, preventivo e assistencial de resposta à violência contra a mulher, por meio de um vasto rol de medidas protetivas de urgência – com o propósito de se garantir a segurança pessoal e patrimonial da vítima e de sua prole, bem como para deter o agressor –, que vão desde o afastamento do lar, suspensão da posse ou restrição do porte de armas, até a proibição de determinadas condutas como aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas; o contato com estes por qualquer meio de comunicação; prestação de alimentos provisionais ou provisórios etc.

Em reforço à dissuasão dos infratores, recentemente houve a tipificação do crime de descumprimento de medida protetiva (Art. 24-A, incluído pela Lei 13.641/2018). Nesse ponto, aliás, o combativo Ministério Público de São Paulo destacou dias atrás que “ao menos no momento, não houve aumento significativo ou proporcional de descumprimento de medidas protetivas. Ou seja, aparentemente, as medidas protetivas estão sendo cumpridas durante a pandemia”.
A legislação é cada vez mais dura: a Lei nº 13.104/15, conhecida como “Lei do Feminicídio”, em vigor há 5 anos, promoveu significativa alteração no Código Penal Brasileiro para incluir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Além disso, modificou a Lei nº 8072/90, para inserir o feminicídio no rol de crimes considerados hediondos.
Há de se destacar, ainda, que mesmo em meio à atual quarentena, ações emergenciais de natureza administrativa estão no radar. Nesse sentido, no Estado de São Paulo, permitiu-se o registro dos casos de violência doméstica ou familiar contra a mulher pela internet, por intermédio da Delegacia Eletrônica.
Em resumo, há margem para uma conclusão otimista: a causa do aumento estatístico das denúncias de violência contra a mulher é o surgimento de uma brasileira melhor informada, segura e confiante na Justiça para denunciar o seu algoz.
André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico, é sócio fundador do escritório Damiani Sociedade de Advogados. Mayra Carrillo, criminalista especializada em Direito Penal Econômico e Europeu, é sócia no escritório Damiani Sociedade de Advogados