Auxílio gás é mais uma estratégia para o governo fingir que contempla a população
É preciso tomar medidas urgentes para amenizar o custo de vida da população. Para onde se olha, somos surpreendidos por aumentos sucessivos, o gás de cozinha acumula alta de 66% e se consolida como vilão do orçamento de famílias mais pobres
Desde o início do governo Jair Bolsonaro, o gás de cozinha acumula alta de 66% e se consolida como vilão do orçamento de famílias mais pobres, que foram obrigadas a cozinhar com lenha ou carvão. Nesta que é a décima quinta alta consecutiva, o produto subiu 20 centavos por quilo, passando para R$ 3,60. No bolso do povo, o botijão de 13 kg custa R$ 130 em diferentes regiões do país.
Os reajustes frequentes são fruto da política de preços adotada pela estatal no governo Michel Temer (PMDB) e mantêm o Brasil refém das variações dos valores das commodities no cenário internacional. Ao invés de enfrentar o tema com a seriedade e o compromisso que um governo deve ter, Bolsonaro propõe ‘trabalho comunitário’ para baixar preço do gás de cozinha, responsabiliza governadores ou, ainda, espalha mais fake news, afirmando que o aumento no Brasil está relacionado às refinarias da Venezuela.
Esse aumento dificulta ainda mais a sobrevivência do povo brasileiro que está sofrendo com a pandemia, a falta de emprego e a inflação dos itens básicos e necessários para a sobrevivência. Para tomar café da manhã com um litro de leite e três pãezinhos, uma família com três pessoas gastaria o equivalente a R$ 240 por mês.
Após muita pressão da sociedade e repercussão do empobrecimento da população, Bolsonaro anuncia o auxílio gás – a ser implementado junto com o Auxílio Brasil. Assim como a ainda nebulosa Medida Provisória, que cria o novo benefício, não há definição clara dos critérios, quantidade de famílias contempladas ou o valor.
Retrocedemos ao ano de 2001 quando, também diante da alta do preço do combustível, o governo Fernando Henrique Cardoso criou o benefício. Assim como nas décadas passadas, deverá ser um bônus para subsidiar a compra de um botijão, mas não cobrirá todo o custo e será temporário.
Mesmo assim não está assegurado. Primeiro porque a Medida Provisória precisa ser aprovada, segundo porque Bolsonaro contava com recursos da Petrobras e já foi desmentido pelo então presidente da estatal afirmando, em nota, que “não há definição quanto a programas do tipo e que qualquer projeto dependerá da aprovação pela área de governança da companhia”. Enquanto isso, Bolsonaro brinca com o desespero do povo ao afirmar sua intenção de antecipar o anúncio do benefício para setembro de 2021.
Acredito que ninguém tenha mais dúvidas de que é preciso tomar medidas urgentes para amenizar o custo de vida da população. Para onde se olha, somos surpreendidos por aumentos sucessivos. Vale olhar para o custo médio da cesta básica que, apenas em julho, aumentou em 15 capitais brasileiras, conforme levantamento realizado pelo Dieese.
Durante todo o período de pandemia, repetimos, como um mantra, exemplo de caminhos que o mundo vem adotando para o enfrentamento à crise sanitária e seus efeitos no campo da saúde e da economia. Se demoramos tanto para retornar à “normalidade”, é porque as vacinas foram negociadas com atraso, sem considerar as reais necessidades do brasileiro. Se vemos a fome e o desemprego atingirem mais da metade da população, é porque o governo vem impondo redução de valores e desligamentos arbitrários no auxílio emergencial.
Para avançar nas políticas de proteção social, deveríamos ter um governo que empurrasse menos sua responsabilidade para os outros, cumprisse seu papel desvinculado de fake news e não estivesse unicamente de olho nas eleições de 2022, mesmo com uma desaprovação que alcança 51% da população (Dataprev).
Temos ainda um campo importante de luta. Uma das frentes é derrotar a destruição do Bolsa Família e ampliar cada vez mais o debate sobre as irresponsabilidades e as perversidades de Jair Bolsonaro e seus asseclas à frente do comando deste país. É hora de darmos visibilidade, por exemplo, à decisão de abril de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF) que, reconhecendo a importância de garantir direitos fundamentais e liberdades individuais, reafirma a necessidade de avançar na implementação da Lei 10.835/04, que propõe a Renda Básica Cidadã.
Ao estabelecer que seja em etapas, poderia dar um passo adiante no Programa Bolsa Família, ampliar a inclusão de pessoas, fortalecer a rede de atendimento, unificar benefícios e ampliar valores. Quando conseguirmos avançar na política de uma renda básica cidadã permitiremos que milhões de pessoas vivam a realidade da segurança alimentar, não mais da fome.
Não queremos voltar a 1991. Queremos 2022 com direitos sociais e esperança.
Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, uma das organizações que integram a campanha Renda Básica que Queremos.