Bom senso e bom gosto
Segundo fórum regional de debates sobre o Plano Nacional de Cultura volta a atrair — agora em Fortaleza — centenas de produtores. Participantes sugerem reduzir o peso do eixo Rio-São Paulo, expressam posições divergentes sobre direitos autorais e questionam sentidos da Lei RouanetMarília Arantes
Secretários do ministério da Cultura estiveram na capital do Ceará, entre 10 e 12 de julho, para animar mais um dos fóruns regionais que debatem as diretrizes do Plano Nacional de Cultura (PNC) [1]. A exemplo do primeiro encontro, realizado entre 26 e 28 de junho, em Belo Horizonte, o evento contou com a presença de cerca de trezentas pessoas, cinco grupos de discussão e muita vontade de falar.
Frank Aguiar, deputado federal, discursou na cerimônia de abertura: “Só a nossa Cultura preenche todos os vazios criados por esse ogro chamado mercado, que avança impondo retrocessos e retrocede prometendo avanços”.
“Infelizmente nesse país a Cultura foi muito prejudicada. Portanto, essa plenária tem muito a contribuir ao nosso país”, observou Fátima Mesquita, Secretária de Cultura de Fortaleza. Em voz de incentivo, provocou: “Cultura é identidade, pois ela transforma. Trabalhem, trabalhem que a gente precisa”. A realização de dez plenárias no interior do estado, “mostra a nossa preocupação em interiorizar as atividades culturais”, explicou ela.
Embora tradicionalmente mais conservador no interior, o setor cultural não tombou às divergências político-partidárias, naturais em vésperas de eleições. Pelo contrário, os grupos de trabalho (GTs) reuniram funcionários públicos, sociedade civil, artistas e produtores, revelando a articulação entre os municípios e a capital.
As polêmicas persistiram. Num dos grupos, debateu-se a reformulação da Lei Rouanet, as novas formas de orçamento e financiamento, e a briga dos direitos autorais versus o incentivo à mídia livre
De acordo com a equipe do MinC, Fortaleza não foi aleatoriamente escolhida. Como justificou Gustavo Vidigal, coordenador do Plano Nacional de Cultura, na abertura do evento, “O Ceará é uma referência. Por causa desse pioneirismo e do Plano Nacional que estamos aqui para o segundo seminário”.
No segundo dia de trabalho — árduo — deu-se seqüência à discussão. No caderno em mãos, observações do fórum anterior sobre o PNC estavam registradas. Elas aumentarão ao longo dos encontros. A meta do ministério é revisar (o que inclui suprimir e acrescentar trechos) o texto original das diretrizes a cada encontro realizado nos estados brasileiros, até o fim de 2008. Uma nova versão será apresentada ao Congresso Nacional, onde tramita uma emenda instituindo o PNC. Quando aprovada, começará uma segunda etapa do plano, com o desenho das ações para colocá-lo em prática.
Algumas das preocupações principais manifestadas em Belo Horizonte começaram a se repetir. Principalmente, em relação à concentração das políticas culturais no eixo São Paulo-Rio e em algumas áreas da Cultura, em prejuízo de outras. Consensos e discordâncias de interesses são resultados de uma democracia participativa que aprende a andar. E a idéia é essa mesma: a apatia política, historicamente impregnada, é o que a proposta quer remover
As polêmicas também persistiram. Por exemplo, no quarto grupo, que discutia formas de “Fortalecer a ação do Estado no planejamento e execução das políticas culturais” debateu-se a reformulação da Lei Rouanet, as novas formas de orçamento e financiamento, e a briga dos direitos autorais versus o incentivo à mídia livre. Opiniões variavam:
— É um direito do artista!
— Sem transparência não dá. Ou fiscaliza ou acaba com o ECAD, o símbolo da distribuição excludente!
— É preciso criar um órgão para fiscalizar o ECAD.
— Pessoal, há uma nova geração e o caminho é sem volta: o mercado tem que se reinventar.
O bom senso começava a aparecer. Preocupado com o desleixo com que vêm sendo tratados os documentos históricos, Márcio Porto, diretor do Arquivo Público do Estado do Ceará afirmou: “O papel do Estado é dar estímulo ao domínio público, através de uma política específica para este setor”. Leia aqui a entrevista
Além das transformações na Era Digital e o “novo” papel do Estado, o grupo discutiu os limites da transparência pública e ofereceu propostas para que o MinC trate com mais proximidade as políticas locais, ou mesmo que faça a regionalização de algumas de suas atribuições. Entretanto, é comum que as discussões cheguem perto da ausência de diálogo. Quando o sectarismo aparece, deve assumir o mediador, treinado com a metodologia que acompanha o processo democrático. Quiçá pela firmeza nordestina, uma inovação dos marinheiros de segunda viagem, a delegação de mediadores locais facilitou a discussão.
É preciso que grupos não sejam subestimados frente aos padrões bacharelescos e que o critério não se prenda a certa nostalgia purista, limitando Cultura a folclore
Por exemplo, durante o fechamento do texto do quinto grupo, acerca da “Preservação e Valorização do Patrimônio Artístico e Cultural “, no cair da tarde calorenta, dona Amélia Leite, uma senhora do alto de seus 80 anos — trinta dos quais dedicados ao trabalho com índios Tremebés — era a oposição da oposição. Membro da “Frente Cearense Contra a Transposição do Rio São Francisco”, questionou indicadores nacionais, resultados das pesquisas e condenava políticas desenvolvimentistas. Segundo ela, a intenção dos partidários destas políticas é “integrar para matar”, da mesma forma que fizeram os portugueses colonialistas ou os apoiadores do regime militar. Para ela, os soldados do Progresso ameaçam 26 comunidades indígenas; as culturas mais tradicionais desse país. Dona Amélia ainda reclamou do privilégio dado ao fomento do Cinema nas diretrizes do Plano e obteve alguns simpatizantes. Da maioria, a paciência merecida.
As adaptações do ideal à realidade tomam corpo nesses encontros. O tema Cultura é tão amplo que corre o risco de tornar-se vago, beirando a questão do gosto. Todavia, o repudio em relação ao empobrecimento das artes é comum. O vazio das produções se manifesta desde a música de baixaria sem controle (e cujo controle fica no limiar da censura) até a cantora de MPB que se beneficia da Lei Rouanet, e ao mesmo tempo cobra ingressos exorbitantes. E como fazer para que a Cultura não se restrinja ao entretetimento?
A idéia do Plano, traduzida pelo slogan “Políticas Públicas para a Diversidade”, é fazer da pluralidade cultural a maior riqueza do Brasil. É preciso dar visibilidade aos pequenos em harmonia, que grupos não sejam subestimados frente aos padrões bacharelescos e que o critério não se prenda a certa nostalgia purista, limitando Cultura a folclore.
Da mesma forma, a questão dos recursos. A distribuição de verbas em um tradicional ambiente de corrupção precisa ser acom