“Bombons de manhã, napalm à tarde”
Ainda que cerca de 35 mil soldados britânicos, alemães, franceses e italianos estejam combatendo os insurgentes em parceria com militares americanos, todas essas questões parecem não dizer respeito aos dirigentes europeus. Mais que nunca, as decisões da Otan são tomadas em Washington
Após ter apresentado os combates no Afeganistão como uma “guerra necessária”, o presidente Barack Obama está sendo pressionado pelo general Stanley McChrystal, que ele mesmo nomeou para comandar as forças americanas nesse país, para enviar mais 40 mil soldados. Esta guerra perdura há oito anos.
Na Indochina, os Estados Unidos apoiaram um grande número de governos corruptos, ilegítimos, considerados como fantoches pela população. Sem sucesso. No Afeganistão, nem os britânicos nem os soviéticos foram capazes de se impor, apesar dos meios que haviam empregado em suas respectivas guerras.
Hoje, ainda que as baixas militares americanas permaneçam relativamente modestas (850 mortos desde 2001, contra 1.200 por mês no Vietnã, em 1968), e o movimento antiguerra se mostre débil, com quais perspectivas de “vitória” podem contar os exércitos ocidentais, perdidos nas montanhas afegãs, impotentes diante do tráfico de drogas1 e suspeitos de estar guerreando, de fato, contra o Islã?
O ministro francês das relações exteriores, Bernard Kouchner, espera, apesar de tudo, “conquistar os corações com um colete à prova de balas”2. Por sua vez, o general McChrystal afirma: “A nossa meta não é matar o maior número possível de talibãs, mas sim proteger a população”3. Uma ideia comum está na base de tais proclamações, muito além do cinismo: que o desenvolvimento social e as operações de guerra podem ser conduzidos simultaneamente num território onde, no entanto, é impossível distinguir os insurretos dos civis. No Vietnã, o jornalista americano Andrew Kopkind havia resumido, em uma fórmula assassina, esse tipo de “contrainsurreição”: “bombons de manhã, napalm à tarde”.
Na falta de esperar vencer um dia, combatentes nacionalistas e religiosos, dos quais Washington pôde conferir a capacidade de luta quando, contando com a sua ajuda, eles se dedicavam a sangrar a União Soviética, os Estados Unidos gostariam de ver afrouxar os laços, já frágeis, entre os talibãs e os militantes da Al Qaeda.4
Foi com o objetivo de aniquilar esses militantes da Al Qaeda que Washington, nos dias que se seguiram aos atentados de 11 de setembro de 2001, enviou para a Ásia Central seus soldados e seus navios, e não com a preocupação de escolarizar as criancinhas afegãs ou defender os direitos humanos.
Ainda que se recuse a permitir a escalada militar que vem sendo exigida pelos neoconservadores, o novo Prêmio Nobel da Paz deverá em breve explicar à opinião pública que raramente se ajuda os povos a alcançar a felicidade bombardeando-os e submetendo-os a uma ocupação armada; que os discípulos de Osama Bin Laden não passam de um pequeno grupo de sobreviventes no Afeganistão; e, por fim, que um eventual compromisso com talibãs dispostos a colocar panos quentes no seu fanatismo do passado não constituiria uma ameaça para a segurança nacional dos Estados Unidos.
Rússia, China, Índia e Paquistão, aos quais não interessa nem um pouco que esse foco de tensão regional permaneça tão purulento, poderiam agir no sentido de promover um acordo negociado. O fato de arriscar a vida em prol da “democracia” em terra estrangeira já constitui uma aposta singular; será o caso realmente de morrer por Hamid Karzai? E de tomar tal decisão quando se sabe que, conforme reconheceu o próprio general McChrystal, o “prefeito de Cabul”, mantido no poder graças a fraude eleitoral, conseguiu a façanha de tornar uma parte do povo afegão “nostálgica da segurança e da justiça do regime talibã”…
Ainda que cerca de 35 mil soldados britânicos, alemães, franceses, italianos etc. estejam combatendo os insurretos em parceria com militares americanos, todas essas questões parecem não dizer respeito aos dirigentes europeus. Mais que nunca, as decisões da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) são tomadas em Washington. Em Paris, o presidente Nicolas Sarkozy acaba de anunciar que não enviará “nem mais um soldado” para combater os talibãs. Mas acrescentou: “Será o caso de permanecer no Afeganistão? Eu respondo que sim. E permanecer para ganhar”5. Perdida em meio a uma entrevista de duas páginas, a sua declaração não suscitou comentário algum. Era a maneira mais generosa de reagir…
*Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).