Brasil: Operação Matar
O jovem Cristian Andrade, de 12 anos, está inerte no chão frio e úmido da Favela de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Está morto diante do choque de familiares e amigosJandira Feghali
O jovem Cristian Andrade, de 12 anos, está inerte no chão frio e úmido da Favela de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Está morto diante do choque de familiares e amigos. Esta é uma das áreas mais carentes da cidade e, não por acaso, palco de chacinas silenciosas contra jovens pobres e, quase sempre, negros. Tem sido a bala da polícia que mata sem perguntar, que encerra sonhos sem questionar, que veda o futuro de inocentes ou alternativas aos que fazem parte do mundo do crime. É o fim e pronto.
Este é um debate que mora no coração do Rio. Calado no silêncio dos jovens que tombaram no asfalto pela morte ou na dor e angústia das famílias despedaçadas. Parece coincidência a morte de Cristian durante operação da polícia militar fluminense, mas tem se tornado mais uma estatística galopante junto a de tantas outras. É o extermínio revestido de legalidade.
A letalidade policial é melhor entendida por meio de pesquisas como a da Anistia Internacional, que aponta o Brasil como detentor do maior número geral de homicídios no planeta. Somente ano passado 15,6% desses crimes foram praticados por estes agentes públicos. Ou seja, a segunda polícia que mais mata no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos.
A prática em serviço estudada pela entidade é chocante: costumam atirar em pessoas que já se renderam, que estão feridas ou sem uma advertência que permitisse que o suspeito se entregasse. É mórbido e atroz. É injustificável.
Essa face violenta se revela também pelo relatório do ISP (Instituto de Segurança Pública) do Rio, somente em julho deste ano 61 pessoas morreram em decorrência de autos de resistência. Segundo a Anistia, desde 2011, esses homicídios praticados por policiais representam 16% das mortes violentas em todo o estado.
Num cenário crítico como este, é dever do Congresso Nacional debater a desmilitarização das polícias e medidas de investigação e punição das más condutas policiais. O Estado precisa romper com o espírito militar de confronto bélico que ronda as corporações desde a Ditadura. Uma série de propostas de emendas constitucionais e projetos de lei estão no Parlamento e nenhum legislador deve se omitir.
Continuar perpetuando as mortes de jovens pobres é atuar velozmente pelo fim do futuro, ceifando vidas mais rápido que o ritmo dos gatilhos.
Jandira Feghali é médica, deputada federal (RJ) e líder do PCdoB na Câmara.