Brasil: Universidade sem rumo
O maior desafio é vencer a barreira do conhecimento cerrado por fronteiras disciplinares e acentuado pela especialização — o que requer de cada um enorme tolerância para o estranhamento, para ouvir vozes dissonantes, para compreender lógicas que presidem a saberes distintos
É lugar-comum admitir-se a existência de crise nas instituições brasileiras, pouco importando sua natureza ou as finalidades para as quais foram criadas e existem. Esse sentimento é tanto mais acentuado quando em foco estão instituições públicas, em especial aquelas encarregadas de formular e executar políticas sociais, responsáveis pelo acesso universal aos direitos, à justiça social, à proteção e à segurança. Nada parece escapar ao sentimento de que essas instituições não respondem ou respondem de modo inadequado às demandas dos cidadãos e cidadãs.
Nos últimos cinqüenta anos, a sociedade brasileira vem passando por profundas mudanças que afetam os mais distintos aspectos da vida coletiva, tornando cada vez mais complexas as relações sociais, seja no mundo privado, seja no mundo público. Mudaram e vêm mudando as relações entre gerações, entre gêneros, entre etnias, entre classes sociais, em escala jamais conhecida nem mesmo imaginada pelos cientistas sociais. Não é mais possível compreender os rumos das transformações e seu impacto sobre a qualidade da vida democrática sem referência aos novos padrões de produção da riqueza, de mobilização da força de trabalho, de mobilidade espacial e social, sem referências à profunda interferência das novas tecnologias na vida cotidiana ou à reinvenção das formas de participação social e política.
Era de se esperar, portanto, que as universidades não estivessem imunes, quer do sentimento de crise, quer do impacto das mudanças sociais, políticas e institucionais. Mas de que crise se trata e qual a sua natureza? Se há uma crise, quais suas raízes e razões? Que conexões mantêm com a sociedade mais ampla, inclusive em suas dimensões mais propriamente mundializadas e globalizadas? Há saídas possíveis?
À primeira vista, a crise da universidade brasileira é de identidade. Seu sintoma mais evidente comparece com freqüência nas falas de antigos mestres e pesquisadores, nas quais se deixa entrever a nostalgia de um passado que não mais parece ter lugar na atualidade. Os mestres eram respeitados pelos alunos e funcionários. O ensino, não divorciado da pesquisa, era pautado por horas e horas de copiosa preparação. O aprendizado, privilégio daqueles que podiam chegar aos bancos universitários em uma sociedade profundamente atravessada por gritantes desigualdades sociais, era rigoroso, pois que exigia, por sua vez, horas e horas de concentração e estudo solitário. E o que dizer da ciência produzida nas universidades?
Compromisso com a verdade
Os recursos eram parcos, porém a verdadeira ciência dependia muito mais do gênio criador dos cientistas e de seu compromisso com a verdade – por certo, não estava em causa o que se entendia por verdade –, resultado de complexas operações racionais, sustentadas por inquestionáveis procedimentos de verificação e comprovação empíricas. Ciência desinteressada, dizia-se, imune às pressões do mercado, dos movimentos sociais e da política, inclusive do projeto desenvolvimentista que nutriu por anos a imaginação de políticos profissionais na construção de um novo país, afinado com o desenvolvimento econômico-social que tomava lugar nas sociedades que capitanearam o capitalismo ocidental avançado.
Na mesma direção, as manifestações culturais no interior da universidade pretendiam representar tão-somente o que de mais elevado e nobre havia nas artes. O cientista completo não apenas se ocupava de ciência tout curt, mas também versava sobre literatura, artes plásticas, artes cênicas, música, iconografia. Era bom memorialista, quando não menos respeitável poeta, contista, cronista e às vezes até filósofo. Pouco importa se fossem físicos, químicos, biólogos, tecnólogos ou cientistas sociais, todos pareciam movidos pelos mesmos ideais. Seria preciso uma detida investigação histórica nas bibliotecas dos velhos cientistas e mestres para demonstrar quanto ciência e cultura, verdade e filosofia andavam de mãos dadas e se afiguravam indissociáveis.
Por sua vez, a administração da universidade, considerada um meio e não um fim em si, estava sob mãos das lideranças acadêmicas, entre as quais aqueles que haviam construído sua carreira à custa do acúmulo de sabedoria, fonte de dignidade pessoal. Certamente, era uma época em que a administração não se resumia à gestão de recursos e de meios, porém à direção do projeto universitário, que enfrentasse desafios presentes, mas também – e principalmente – projetasse a ciência, a cultura e as artes no Brasil para as futuras gerações e para as próximas décadas. Nisso residia o papel político das lideranças acadêmicas: o de decidir bem, com sabedoria e com a ousadia de projetar o futuro, em um misto de imaginação, utopia e possibilidades concretas de êxito.
Não é possível aquilatar quanto essa nostalgia corresponde aos fatos. Como toda nostalgia, ela é parte da memória coletiva e da construção seletiva da história. Tem sua participação na elaboração e na narrativa dos acontecimentos. Contudo, tampouco é menos verdadeiro nela reconhecer seu limite: um modelo elitista e aristocrático, sob férreo controle daqueles que se encontravam à frente das cátedras, fundado em uma concepção hegemônica de ciência e quiçá de cultura e de artes.
Esses limites estimularam o acúmulo de tensões e conflitos, agravados pelo advento da ditadura militar, que impôs silêncio às vozes dissonantes, e afastou, pela aposentadoria compulsória e perseguição política, as lideranças político-acadêmicas mais conseqüentes. Não é o caso de repertoriar esses acontecimentos para revelar quanto intervieram nos rumos posteriores da universidade brasileira. Há vasta literatura a respeito, baseada em insuspeitadas fontes de informação capazes de reconstruir os fatos passo a passo. Convém tão-somente destacar os termos do conflito, pois que, em suas raízes, parece repousar parte da crise atual, ou do que se possa identificar como tal.
Por um lado, havia grupos e movimentos sociais que, a despeito de divergências político-partidárias, associavam a resistência à ditadura às lutas pela reforma universitária. Lutando pela abolição da cátedra e por tudo que ela simbolizasse em termos de concentração de poder e de privilégio, pretendiam a democratização das instâncias decisórias mediante maior participação de todas as categorias docentes e do alargamento do espaço de representação discente. Ao mesmo tempo, cuidavam de assegurar que nenhuma mudança fosse introduzida em alguns pilares que sustentavam a universidade brasileira: ensino público e gratuito, autonomia de ensino e pesquisa, compromisso irrefutável com os valores da ciência e das artes ao lado de objetivos, formulados no calor dos acontecimentos, tais como a ampliação da oferta de vagas e a contratação de novos docentes e pesquisadores. Opunham-se, nessa medida, aos projetos de reforma impostos pelo governo sob a inspiração dos acordos de cooperação com organismos internacionais. Em especial, temia-se a americanização do ensino e da pesquisa.
A reforma dos militares
De outro lado, o governo militar pretendeu e impôs, sem ouvir as lideranças acadêmicas com as quais estavam em resoluto e aberto conflito, seu projeto de reforma, por meio do qual cuidou de “modernizar” a universidade brasileira. Modernizar significava algo ambicioso, já que intervinha arbitrariamente nas atividades-fim e nas atividades-meio. Tinha por horizonte estimular uma outra concepção de organização do trabalho científico, de requalificar as relações entre docentes e discentes e de redirecionar o significado mesmo do processo de ensino-aprendizagem mediante cerrado controle ideológico. Numa palavra, pretendia uma universidade despolitizada, voltada exclusivamente para a profissionalização e para a pesquisa comprometida com o desenvolvimento econômico-social inscrito sob a paleta de tecnocratas e militares. Enfim, uma universidade pensada como sede da intelligentsia estratégica dessa sociedade, um projeto que não admitia crítica, dissenso ou contestação, um projeto que desvirtuava a essência mesma da universidade: a de ser lócus por excelência da liberdade e da autonomia.
A reforma universitária de 1968 produziu não poucos efeitos. Não é o caso de analisá-los, nos limites deste texto. Convém, por ora, destacar seu mais profundo resultado: ela instituiu uma crise de identidade institucional que perdura há três décadas, sem que sintomas de sua superação sejam visíveis.
Essa crise vem sendo agravada, em parte, por pressões da sociedade inclusiva; e em parte, devido a movimentos internos próprios da universidade, inclusive poderosos mecanismos de resistência à mudança que afetam sua capacidade de oferecer respostas rápidas e competentes aos problemas que diante de si se colocam.
Desde o início, convém qualificar o que se está chamando de universidade brasileira. No passado recente, salvo exceções e alguns institutos de ensino superior, a universidade brasileira havia sido constituída pelo poder público, em níveis federal e estadual e, mais raramente, municipal. Embora nos últimos trinta anos a rede pública tenha se expandido, o campo do ensino superior é presentemente caracterizado, ao menos, por três modalidades de organização: privadas; comunitárias (entidades privadas, porém com personalidade jurídica assemelhada às públicas, como são, por exemplo, as universidades confessionais); e públicas (mantidas pelo poder público e sujeitas a estatutos que regem os negócios públicos e estatais). Em tese, a existência dessas modalidades não é problema, não fossem as enormes dificuldades em sedimentar um terreno comum que as identifique enquanto universidade.
Desde sua criação, há mais de dez séculos, o que singulariza a vida das universidades é o exercício irrefutável da liberdade de criação intelectual e da autonomia de ensino e pesquisa. Liberdade significa inexistência de constrangimentos ao pensamento e às suas formas de manifestação, respeitados aqueles ditados pela ética científica e profissional. Autonomia significa capacidade de agir independentemente dos interesses privados de quaisquer ordens, provenham do mercado, da política ou da sociedade mais ampla. Nessa medida, embora criações sociais, as universidades se caracterizam por produzir conhecimento desinteressado, autodeterminado pelos rumos da ciência e da razão e, antes de tudo, completamente distinto do senso comum. Certamente, tais características podem ser encontradas, aqui e acolá, em outras instituições da sociedade civil ou da sociedade política. Todavia, é na universidade que a reunião dessas características encontra sua forma mais elaborada e articulada.
A par da liberdade e da autonomia, há outras singularidades não menos importantes. Desde suas origens, a vida universitária assenta-se na indivisibilidade entre ensino e pesquisa. A formação de novos profissionais e de novos pesquisadores ganha densidade sempre que cursos, aulas, orientações estejam fundamentados em regular e metódico trabalho de investigação e divulgação de conhecimento científico que resulte em acumulação de descobertas e debate público de idéias. Em contrapartida, é no ato de ensinar, na dialética docente-discente que, não raro, hipóteses são formuladas e experimentos intelectuais são projetados. Igualmente, desde suas origens na Europa medieval, as universidades constituem o centro do conhecimento transversal possível. A despeito da crescente especialização, a universidade é uma complexa rede de conhecimento e de produção da cultura que atravessa os mais distintos campos. Não sem motivos, o mesmo espaço reúne laboratórios, museus, salas de exposição, áreas abertas à conversação e à comunicação intersubjetiva.
Em que medida a universidade brasileira, em sua nova configuração institucional, vem cumprindo esses desígnios históricos? Não poucos fatos sugerem que esses desígnios não vêm sendo cumpridos ou, ao menos, preenchidos satisfatoriamente. E mais: o não cumprimento parece acentuar a crise de identidade em que se encontra imersa a universidade brasileira.
Dicotomia entre ensino e pesquisa
Embora não se possam fazer generalizações, nas universidades privadas instalou-se profunda dicotomia entre ensino e pesquisa. Poucas são aquelas que investem em programas de investigação científica, que compõem corpos de docentes e pesquisadores estáveis com prerrogativas de trabalho científico autônomo e livre e que estimulam vida cultural própria para além das salas de aula. Nesse contexto, é difícil, senão impossível, assegurar liberdade e autonomia. Agrava ainda o cenário a composição mesma dessas universidades, quase sempre uma reunião de escolas isoladas sem vínculos e articulações entre si, de modo que a transversalidade do conhecimento não encontra ali condições favoráveis para se desenvolver. Não sem razões, o projeto de reforma universitária em curso pretende atacar esse problema, diferenciando universidades de centros universitários.
Nas universidades comunitárias confessionais e nas universidades públicas, o recrutamento profissional e as condições de realização do trabalho acadêmico são mais adequados, ainda que venham experimentando deterioração. A liberdade de ensino e de investigação científica está formalmente assegurada, conquanto constrangimentos externos e alheios à autonomia já possam ser observáveis. A dicotomia entre ensino e pesquisa, embora possa até existir, é menos pronunciada. O conhecimento transversal ainda é possível, a despeito da acentuada especialização disciplinar. A vida cultural não se encontra completamente estagnada. Não obstante, é flagrante o esforço das universidades comunitárias e públicas em perseguir seus desígnios históricos, o que vem afetando a realização de suas atividades-fim, em especial pesquisa e ensino.
A ciência contemporânea vem conhecendo acentuado processo de especialização. Na sociedade brasileira, não tem sido diferente. Basta examinar o perfil dos grupos de pesquisa inseridos no diretório do CNPq. A especialização vem sendo acompanhada de mudanças na organização do trabalho científico.
Cada vez mais, firma-se como modelo legítimo de produção de conhecimento científico o laboratório, com sua divisão social e hierárquica de trabalho coletivo, com sua autoridade centralizada e monopolizada pelos mais titulados, com sua disciplina rigorosa e sujeita a padrões altamente formalizados. Mais pronunciado e fortemente presente em algumas áreas do conhecimento, começa a espraiar-se com rapidez pelas ciências humanas e sociais.
É certo que a divisão do trabalho científico e a especialização constituem forças sociais inexoráveis. Tentar detê-las, per se, somente pode resultar em posições regressivas e até mesmo reacionárias. Não há dúvidas quanto aos ganhos conquistados com esse modelo, entre os quais: democratização da formação científica, maior controle sobre a qualidade do conhecimento produzido, aumento da produtividade do trabalho científico, mensurado, por exemplo, pelo aumento do número de publicações científicas com impacto inclusive internacional, tudo isso contribuindo para que seja mais veloz a apropriação social do conhecimento, ainda que não haja efetivas garantias de que seus resultados contribuam de fato para maior justiça social e bem-estar coletivo. No entanto, os perigos da excessiva especialização e da divisão do trabalho não podem ser negligenciados, ainda que suas evidências não estejam presentes nem sequer no imaginário de experimentados cientistas.
O primeiro perigo é o da construção mítica de que a única ciência possível é experimental e sujeita à verificação laboratorial. Tendências ao estabelecimento de modelo hegemônico de organização do trabalho e de produção de conhecimento científico podem levar à deslegitimação de formas alternativas, distintas do modelo experimental, freqüentemente fonte de invenção e criatividade sem precedentes. Aceito o modelo hegemônico, é como se as demais formas produzissem “cultura”, em oposição a ciência. Aquela imbuída de valores; esta caracterizada pela neutralidade e isenta de pré-noções. Tudo se passaria como se ciência não fosse cultura. Essa dicotomia, quando acentuada e levada quase até suas últimas conseqüências, potencializa conflitos entre grupos de pesquisadores no interior da universidade, cujo desfecho caminha em um sentido que não o da convivência negociada, enfraquecendo a capacidade da universidade de assegurar a transversalidade do conhecimento.
Há outro efeito, talvez menos abstrato. Diz respeito à burocratização da ciência. O acentuado processo de especialização disciplinar e de organização do trabalho científico coletivo tem exigido, mais e mais, vultosos investimentos em equipamentos, serviços e pessoal qualificado. Em decorrência, a competição entre grupos pela captação de recursos, públicos e mesmo privados, tem-se tornado acirrada.
Conquanto a competição possa ser salutar e desejável para manter conquistas, ganhos em escala, em economia de tempo e em impacto científico e social, ela produz também efeitos perversos: induz a uma espécie de especialização interna ao laboratório.
Os mais titulados, aqueles cujas carreiras acadêmico-científicas granjeiam maior prestígio e maior respeitabilidade institucional, são igualmente aqueles com maior capacidade para captação de recursos.
No auge da maturidade científica, não raro distanciam-se pouco a pouco dos laboratórios e de seus grupos de pesquisa para se tornarem gestores de recursos. As perdas são evidentes em todos os domínios, em especial para a evolução de campos científicos e para a formação de novos pesquisadores que prescindem do contato cotidiano com experimentados pesquisadores.
No domínio do ensino, os problemas são igualmente inquietantes, quer em grau de graduação, quer de pós-graduação. Como se sabe, o aumento da escolaridade média da população brasileira, com conseqüências no aumento de egressos do ensino secundário — conquista certamente desejável para os avanços da justiça social e da democracia –, tem exercido pressões para o aumento da oferta de vagas no ensino superior. O poder público, por meio de programas especiais, e a universidade pública têm procurado responder ao aumento da demanda. Muito se tem discutido a respeito dos efeitos desse crescimento para a qualidade do ensino. Não são poucos aqueles que denunciam que a oferta de novas vagas não foi acompanhada do crescimento de recursos para a melhoria das condições de trabalho, em especial as inerentes ao processo de ensino-aprendizagem. Certo ou não, o desafio de oferecer ensino de qualidade, contribuindo para a formação de profissionais e pesquisadores dotados de competência técnica e científica autônomas, não é de fácil solução, até porque não parece haver projetos pedagógicos capazes de oferecer respostas satisfatórias.
Não há uma reflexão detida, entre docentes e discentes, a respeito do que é ensinar e aprender na contemporaneidade. Como equilibrar informação – hoje acessível por meio da rede mundial de computadores – com formação crítica e autônoma é equação para a qual não parece haver boas respostas. Como lidar com o texto e a linguagem escrita em uma época dominada pelas imagens e pelo conhecimento virtual? Como recuperar o gosto pela leitura e pelo contato com o livro, em espaços de comunicação saturados por blogs? Se o processo de ensino-aprendizagem é, antes de tudo, processo de interação e comunicação marcado pela conversa com o outro, como vencer a barreira do Orkut, esta modalidade contemporânea de conversa de si consigo mesmo, a despeito da referência a um suposto outro?
Todavia, nas salas de aulas e nos cursos, o maior desafio é vencer a barreira do conhecimento cerrado nas fronteiras disciplinares e acentuado pela especialização. Cada vez mais, impõe-se a transversalidade do conhecimento, o que requer de cada um enorme tolerância e paciência para o estranhamento, para ouvir vozes dissonantes, para compreender as lógicas que presidem campos de saber tão distintos e mesmo díspares. Hoje, não mais é possível esperar que sociólogos não se interessem pelas conquistas na nanotecnologia, na biotecnologia e em tantos outros campos de ponta da ciência contemporânea.
Mas, igualmente, é esperado dos operadores científicos desses campos maior responsabilidade ética em suas descobertas, o que requer conhecimento mínimo a respeito da sociedade em que produzem seu conhecimento. A era está aberta ao permanente intercâmbio de experiências e de saberes.
Tradição e contemporaneidade
Sair da crise de identidade institucional em que se encontra imersa a universidade brasileira é, sem dúvida, uma delicada operação política que visa atualizar seus desígnios históricos. Impõe-se, seguramente, não abrir mão de seus eixos fundadores: liberdade e autonomia, indissolubilidade entre ensino e pesquisa, transversalidade do conhecimento. Esse propósito é estéril se não reconhecida a inexorabilidade dos processos históricos em curso que impõem imensos desafios para a organização do trabalho científico, para os propósitos mesmos da ciência, para a produção do conhecimento com impacto e relevância sociais, para a formação de novos profissionais e novos cientistas.
Produzir a síntese entre tradição e contemporaneidade enseja sabedoria política, tecida no interior de uma universidade pluralista que acolhe a diversidade dos modos de produção da ciência e da cultura, vê com suspeição a imposição de modelos hegemônicos de investigação e de ensino e recusa abdicar de suas funções de consciência crítica da sociedade.
*Sérgio Adorno é professor titular de sociologia da FFLCH/USP, coordenador do NEV-Cepid/USP e da Cátedra da Unesco para a Paz, Tolerância e Direitos Humanos da USP. Foi representante da área de sociologia na Capes (2005-2007).