Centrão sai fortalecido e aposta na competitividade de Bolsonaro
A debandada do União Brasil, assim como a movimentação “para o lado” de partidos do Centrão, reforça a base do presidente Bolsonaro
Diferentes mídias têm se dedicado a retratar a movimentação recente de parlamentares entre partidos no que se convencionou chamar de “janela partidária” – período de trinta dias, seis meses antes da eleição para cargos proporcionais, em que se abre a possibilidade para que os eleitos para esse tipo de cargo mudem de partido sem perda de mandato.
No Brasil, desde 2007, os cargos obtidos por meio de eleições proporcionais (deputados e vereadores) pertencem ao partido e não aos eleitos. Até 2015, quando houve a reforma eleitoral que criou a janela partidária, a saída de um partido, a qualquer tempo, que não fosse justificada por fim ou fusão do partido, criação de um novo, desvio do programa partidário e grave discriminação pessoal, implicava a perda do mandato. As motivações para essa exigência de fidelidade foram várias: expectativa de aumento da responsividade e da accountability do eleito, desejo de diminuição da fragmentação partidária nos parlamentos, mas fundamentalmente, a ideia de que o desempenho individual do candidato para os cargos proporcionais é dependente do desempenho global do partido, não cabendo exclusivamente ao eleito o mérito de sua eleição. Isso porque o cálculo eleitoral exige que os partidos atinjam certo número de votos frente ao total de eleitores de determinado distrito (quociente eleitoral) para que possam obter cadeiras e distribuí-las aos seus candidatos mais votados, respeitadas as regras de barreira e distribuição de sobras.
Em 2015, contudo, por demanda inclusive da classe política, que naturalmente busca partidos que lhe sejam mais favoráveis do ponto de vista de recursos e votos, viu-se a necessidade de atenuação da nova regra, com permissão de um curto período de migração partidária sem punição para o parlamentar. Embora a exceção tenha sofrido inúmeras críticas por ferir o princípio do monopólio partidário sobre os cargos obtidos via sistema proporcional, ela carrega o benefício de não enrijecer o sistema político, sem grandes perdas para conexão entre eleitores e partidos, na medida em que só podem mudar de legenda os parlamentares que estiverem no fim de seus mandatos. Vereadores, por exemplo, não puderam usufruir dessa janela agora em 2022, visto que estão investidos no cargo até 2024. Deputados estaduais e federais não poderão usufruir da janela em 2024.

A janela partidária de 2022, iniciada em 3 de março, foi encerrada em 1º de abril e teve efeitos sobre a correlação de forças no Congresso, especialmente na Câmara, que será mais afetada pela disputa eleitoral de outubro do que o Senado, que só renova um terço das suas cadeiras. O partido do presidente Bolsonaro foi o mais beneficiado na janela, aumentando sua bancada em cerca de 70% (43 para 73 deputados), quando comparada entre fim de fevereiro e início de abril.[1] Republicanos e PP também cresceram as suas bancadas de forma expressiva, aproximadamente 45% (31 para 45) e 19% (42 para 50), respectivamente. Os três partidos são pivotais na coalizão (um tanto instável) montada pelo presidente em 2020, a partir da entrada formal do Centrão no governo. Seu crescimento responde a um cálculo eleitoral fundado na expectativa de que o presidente puxe votos para as legendas. Dialoga, no entanto, também com outros dois fatores: a inconsistência programática desses partidos, que, embora posicionados à direita do campo político, prestam apoio a diferentes governos desde a redemocratização (isso facilita a absorção de quadros), e a força política do próprio Centrão na Câmara – o poder de articulação desse grupo cresceu a partir de 2021, com impacto positivo na sua capacidade de controlar recursos e aprovar projetos de sua própria autoria.
Perderam cadeiras, por outro lado, partidos tradicionais como PDT (25 para 20) e PSB (30 para 25) e outros já com baixa representação na Câmara, a exemplo do PTB (10 para 6), Podemos (11 para 8) e Solidariedade (13 para 11), integrantes do Centrão, mas cujos quadros, em grande parte, migraram para partidos do mesmo bloco. Já era esperado que o fim das coligações para cargos proporcionais e o aumento da cláusula de barreira ensejassem uma movimentação nos pequenos partidos durante a janela partidária, apesar da possibilidade de criação das federações. Alguns partidos também do Centrão, contudo, mostraram maior resiliência, tal qual o PSC e o Avante. Os dois correm o risco de perder acesso ao fundo partidário em função da cláusula de barreira que vigorará em 2022, mas não sofreram baixas nas suas bancadas.
O grande perdedor de cadeiras, no entanto, foi o recém-criado União Brasil, resultado da fusão entre Democratas (DEM) e PSL, que nasceu grande, mas já encolheu (de 81 para 47 parlamentares), ainda que se mantenha como um dos partidos de maior representação da legislatura. A debandada do União Brasil, assim como a movimentação “para o lado” de partidos do Centrão, reforça a base do presidente Bolsonaro.

Do ponto de vista do Congresso, portanto, pode-se esperar depois da janela partidária um bloco de parlamentares mais afinado com o Planalto, sob o comando de Arthur Lira (PP). É bom lembrar que PP e Republicanos aumentaram suas taxas de apoio ao governo na gestão de Lira. Esse cenário tende a persistir, mas com as bancadas desses partidos ainda maiores. Ou seja, por mais que o ano eleitoral seja, em geral, um fator limitador da produção legislativa, isso pode impactar positivamente a agenda do presidente.
Do ponto de vista das eleições nacionais, as movimentações partidárias na Câmara expressam uma aposta na competitividade da candidatura à reeleição de Bolsonaro que tem a “máquina” nas mãos, a despeito do favoritismo de Lula. Esse quadro, todavia, acrescenta pouco ao que já se sabia muito antes da janela. Em 2023, o governo eleito enfrentará, muito provavelmente, um Centrão mais robusto, fortalecido em torno de três partidos estruturados – PL, PP e Republicanos. Já o apoio desse grupo ao governo de plantão, seja ele qual for, permanecerá como objeto de ampla negociação, mesmo se assumirmos que a atual legislatura terá alto grau de sucesso no pleito deste ano. Não há nada no comportamento pregresso dos partidos do Centrão que autorize predizer um novo governo Bolsonaro com maior trânsito na Câmara comparativamente a um governo comandado por Lula. Muito pelo contrário. As taxas de apoio do Centrão aos diferentes governos, desde 2003, são idênticas ano a ano, sem inflexão positiva na gestão de Bolsonaro. É pouco provável que 2023 seja uma exceção.
Debora Gershon é cientista política, doutora (IESP/UERJ), mestre em Ciência Política (IUPERJ), com pós doutorado pela University of California, San Diego (UCSD), e pesquisadora do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB).
Júlio Canello é doutor e mestre em Ciência Política pelo IESP-UERJ e pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). É especialista em Pensamento Político Brasileiro pela UFSM, onde cursou Ciências Sociais e Direito e foi pesquisador visitante no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e aluno na Universidade de Harvard.
*Artigo produzido no âmbito do projeto Ciências Sociais Articuladas, que integra as iniciativas promovidas pela articulação entre a Associação Brasileira de Antropologia, Associação Brasileira de Ciência Política, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais e Sociedade Brasileira de Sociologia em defesa das Ciências Sociais brasileiras, e é desenvolvido em parceria com o Observatório do Legislativo Brasileiro.
[1] Esse levantamento compara o tamanho das bancadas partidárias em 23 de fevereiro de 2022, antes do início da janela partidária, com 3 de abril de 2022, após o fim do prazo, utilizando as informações oficiais da Câmara dos Deputados.