Chantagem em Washington
A obsessão de cortar gastos é apenas um dos meios para alcançar o verdadeiro objetivo dos republicanosSerge Halimi
A querela sobre a redução da dívida estadunidense que opõe o presidente Barack Obama e a maioria republicana no Congresso dissimula o essencial: ao ceder à chantagem dos adversários, Obama, imediatamente, concedeu que mais de três quartos do esforço orçamentário dos dez próximos anos – ou seja, US$ 3 trilhões – venham de cortes nas áreas sociais. A direita estadunidense poderia estar satisfeita com essa vitória, mas ela quer sempre mais. Ela quer tudo.
Em dezembro de 2010, ao ceder uma primeira vez à pressão, o presidente dos Estados Unidos prolongou por dois anos a baixa dos impostos inigualitários instituídos por seu predecessor, George W. Bush. Quatro meses mais tarde, dessa vez falando como Ronald Regan,Obama se vangloriou da “redução anual de gastos mais importante de nossa história”. Em seguida, acrescentou um comentário sobre as rodadas de negociações com os parlamentares republicanos e anunciou: “Estou pronto para ser pressionado por meu partido para chegar a um resultado”. O resultado: novos recuos da Casa Branca…
A direita estadunidense se opõe a qualquer redução da dívida pelo aumento dos impostos. Num país em que a avalanche de privilégios fiscais concedidos aos mais ricos faz que o nível global de recolhimento seja o mais baixo dos últimos cinquenta anos, a postura desse setor parece insólita. A obsessão de apenas cortar gastos é, contudo, apenas um dos meios para alcançar o verdadeiro objetivo dos republicanos: “matar a fera”, ou, de acordo com a expressão de seus estrategistas, “reduzir o tamanho do Estado até que ele possa ser afogado numa banheira”.
E como se explica o crescimento recente da dívida pública norte-americana? Em primeiro lugar, pela crise econômica, amplamente provocada pela desregulamentação financeira empreendida nas últimas décadas. Depois, pela redução gradual dos impostos votada em 2001 (US$ 2 trilhões a menos no orçamento). Por fim, pelas guerras pós 11 de setembro no Afeganistão e Iraque (US$ 1,3 trilhão). Com essas medidas, o partido de Reagan e Bush pretendia preservar os mais ricos – chamados de “criadores de empregos” – e, ao mesmo tempo, o orçamento do Pentágono, que havia aumentado (em termos reais) 67% em dez anos.
No dia 5 de abril passado, Paul Ryan, presidente da comissão orçamentária da Câmara de Representantes, detalhou os projetos dos republicanos para as próximas décadas. O plano prevê que os gastos públicos, hoje equivalentes a 24% do Produto Interno Bruto (PIB), passem para apenas 14,75% do PIB em 2050, e que a carga tributária baixe de 35% para 25% (menor índice desde 1931). Todas as brechas fiscais dos privilegiados seriam preservadas, mas os reembolsos da saúde destinados aos idosos e às camadas pobres seriam congelados.
Se Obama continuar a evitar o combate, as missões sociais do Estado norte-americano correm o risco de se transformar num cadáver dentro de uma banheira.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).