Chega de lutas defensivas
Por toda parte, as conquistas sociais dos últimos dois séculos apresentam a mesma limitação: se, em princípio, as pessoas decidem seu destino político, não há nenhuma soberania popular sobre a economia. Solucionar essa hemiplegia implica, para os progressistas, fazer uma mudança de perspectiva: não apenas se opor às reformas, mas também promover outro modelo
As batalhas conduzidas há décadas pelas forças da reforma liberal consistiram essencialmente em privar a classe operária do que faz sua unidade para além das profissões, origens sociais, sexo, culturas: o status de produtor. O que une fundamentalmente o metalúrgico e o videomaker, o engenheiro e o operário de linha de montagem, a padeira e o professor primário é a faculdade de poder dar à pergunta “Quem produz a riqueza?” a resposta “Nós”.
Contra esse núcleo da consciência de classe, a burguesia francesa conduz desde os anos 1970 uma dupla ofensiva. Primeiro, ideológica: trata-se de fazer esquecer como, em 1946, o movimento operário impôs, com o regime geral de Segurança Social e o estatuto dos trabalhadores de eletricidade e gás, as premissas de uma mudança do modo de produção, pois, a partir dessa data, as somas colossais coletadas pela cotização social e geradas até os anos 1960 pelos próprios trabalhadores1 remuneraram como trabalho atividades antes tidas como “improdutivas”: os serviços de saúde, as atividades dos aposentados, o trabalho de educação das crianças em casa etc. Basta enumerar algumas das conquistas realizadas ao longo desses anos de pós-guerra para compreender a que ponto é importante para os dirigentes apagar os rastros disso na consciência coletiva: o salário perpétuo dos funcionários públicos e dos aposentados, o financiamento do conjunto do sistema hospitalar-universitário francês sem empréstimo bancário nem acionistas nos anos 1960-1970 (a taxa de cotização aumentou), o estatuto não capitalista deste instrumento que é o hospital – aqueles que trabalham nele são coproprietários de uso, mesmo que esse estatuto ainda seja um rascunho.
A grande força do mundo operário foi então combater não pela repartição do valor, mas por outra produção do valor. Assim, Ambroise Croizat, o secretário da Confederação Geral do Trabalho (CGT) da siderurgia que se tornou, em novembro de 1945, ministro encarregado da aplicação das disposições sobre a Segurança Social, estabeleceu na lei de agosto de 1946 a educação das crianças por seus pais na categoria de trabalho produtivo. Ele calcula, inclusive, o valor dos auxílios familiares como um múltiplo do salário horário do operário especializado da metalurgia e vincula o primeiro à progressão do segundo. Uma mãe de dois filhos é assim remunerada com 225 horas de salário operário por mês por um trabalho desconectado do “mercado do emprego” e da subordinação patronal (mas não da dominação masculina…).2 O que institui o regime geral não é a afetação de uma parte do valor para “improdutivos úteis”, é uma produção de valor que tira o trabalho da camisa de força do capital. Trabalhar sem empregadores ou acionistas, receber um salário socializado, gozar da propriedade de uso dos instrumentos: balbucios de uma sociedade comunista.
O que é o trabalho?
A segunda ofensiva conduzida contra este mundo em fabricação consiste em quebrar a unidade social e econômica dos produtores. Trata-se, para os governantes que se sucederam nos últimos cinquenta anos, de multiplicar as medidas que redefinem o trabalho em torno somente de atividades suscetíveis de valorizar o capital. O discurso reformista repete insistentemente que o seguro saúde não cria valor econômico ao produzir cuidados médicos: ele provoca despesas de saúde. Ou que o salário dos cuidadores não retribui realmente seu trabalho: ele provém da “solidariedade” dos outros trabalhadores. Essa iniciativa de desintegração do mundo dos produtores começou tendo como alvo os “jovens”. O objetivo era acabar com a progressão do salário de admissão que levava ao aumento do conjunto das remunerações. As medidas colocadas em ação para desacelerar e depois dividir em dois o salário em 25 anos entre o fim dos anos 1960 e o fim dos anos 19903 conduziram à criação de uma nova categoria das políticas de emprego. Não havia “jovens” no mercado de trabalho até que Raymond Barre os inventou em 1977 sob a figura vitimizada dos 16-18 anos com dificuldades escolares que mereciam solidariedade em vez de um salário normal. Antes, eles recebiam o salário da convenção coletiva, qualquer que fosse a idade.
Com os desempregados, as mães que criam seus filhos sozinhas, os não ou pouco diplomados, os moradores de territórios em conversão etc., o mesmo roteiro se repete há quarenta anos, visando tirar da categoria o estatuto comum de produtor: vitimização de um grupo social, chamado à solidariedade capitalista, substituição do salário por benefício fiscal. Esse grande corte continua, apesar dos protestos impotentes das organizações políticas, associativas ou sindicais que deslocaram seu combate social para a solidariedade às vítimas. Vencer Emmanuel Macron e o mundo que ele encarna impõe aos contestatários uma mudança radical de estratégia. Primeiro, o importante é colocar a batalha no bom terreno. Não o das vítimas, mas o dos produtores que todos e todas somos; não o dinheiro, mas o trabalho; não a repartição da riqueza, mas sua produção.
O que vale, o que é considerado trabalho no espaço infinito das atividades humanas, não é nada além de uma convenção decidida pelas relações sociais. A atividade “levar as crianças para a escola” não tem valor econômico se é feita pelos pais, mas adquire um quando é confiada a uma assistente maternal. Trata-se, portanto, do mesmo trabalho concreto. O discurso capitalista não nega a utilidade dos pais que educam, dos aposentados que se ativam, dos cuidadores que salvam, mas identifica a produção apenas com as atividades realizadas dentro de um enquadramento de subordinação a um empregador proprietário do instrumento de trabalho, em vista da valoração de um capital. Qualquer atividade poderia ser validada socialmente como trabalho, mas essa validação é objeto de uma irredutível luta de classes: aqueles que determinam se tal ou tal atividade constituem ou não um trabalho detêm o poder sobre a produção. Eles decidem quem produz, o que é produzido, onde, como e por quanto. A classe dirigente tira seu poder apenas do controle do trabalho. Conservar esse controle é sua obsessão: sem ele não há lucro.
Trata-se então, para vencer essa classe, de transformar a recusa popular desarmada que se expressa nos movimentos sociais em adesão a uma prática de mudança da produção, da pesquisa, da empresa e do trabalho, e, para isso, apoiar-se nas poderosas instituições impostas no pós-guerra pelo mundo operário. Apesar do ardor dos reformadores liberais, a socialização salarial do valor cresce tendencialmente em potência: relacionada ao salário bruto, a taxa de cotizações e de impostos vinculados à Segurança Social mais do que dobrou desde 1945; as prestações sociais, que representavam 15% do PIB em 1959, passaram para 32%. Já o salário vitalício hoje diz respeito a um terço dos maiores de 18 anos (funcionários públicos, assalariados de alguns ramos, metade dos aposentados), contra somente 500 mil pessoas em 1946 e alguns aposentados. Um dos principais limites disso se deve ao fato de que ele se restringe à produção não mercantil: mesmo no pós-guerra, o capital soube conservar sua hegemonia na área mercantil. Acabar com isso é prioridade.
Classe outrora revolucionária, a burguesia unificou no final do século XVIII o estatuto jurídico das pessoas, até então divididas no nascimento: os humanos “nascem e permanecem livres e iguais em direitos”. Crispada sobre seus privilégios, ela se revela agora incapaz de organizar a produção de valor sobre bases antropológicas, territoriais e ecologicamente aceitáveis. Desde então, a missão do assalariado consiste em unificar o estatuto econômico das pessoas ao proclamar sua liberdade e sua igualdade de direitos no campo do valor.
Como? Atribuindo três novos direitos a todo e qualquer indivíduo no dia em que se torna maior de idade: um salário perpétuo, que valida para cada um o status de produtor de valor; a propriedade de uso dos instrumentos de trabalho que ele terá de utilizar; e a participação nas instâncias de coordenação da atividade econômica. A esses direitos corresponde a instauração de duas novas cotizações específicas descontadas do valor acrescido e transferidas, dentro do modelo da Segurança Social, para caixas dedicadas a isto: caixa de salário e caixa de investimento.4
Organizado em torno de uma qualificação associada a cada indivíduo e chamada a evoluir ao longo da carreira em função do tempo de casa e de provas de qualificação, o salário perpétuo não seria mais pago pelo empregador, mas pelas caixas de salário; ele não dependeria mais do emprego e se tornaria um atributo pessoal. Seria a mesma coisa para a propriedade de uso: os assalariados dirigiriam efetivamente a produção em seu local de trabalho (composição do coletivo, definição dos investimentos, do produto, das entradas, dos mercados, das relações com os parceiros, do espaço na divisão internacional do trabalho). Mas o exercício efetivo da propriedade de uso não pode se limitar aos instrumentos de trabalho utilizados. Ele deve se estender para as decisões a respeito das grandes orientações econômicas por meio da participação dos trabalhadores nas deliberações das caixas de investimento. Estes substituiriam os acionistas para decidir sobre os investimentos, resolveriam como empregar as cotizações econômicas e criariam dinheiro no lugar dos bancos tanto para o financiamento de novos projetos como para o das despesas de funcionamento dos serviços públicos de acesso gratuito.5
Esses três direitos fundariam a soberania popular sobre a economia e dariam ao status de produtor a força política que possui o status de proprietário no artigo que encerra a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão de 1789: “Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser privado dela”. Todos titulares de nosso salário e de nosso instrumento de trabalho: essa conquista deveria constituir o cerne da ação dos oponentes ao Movimento das Empresas da França (Medef) e às decisões de Macron.
Realizar essa batalha implica um trabalho de convicção em direção não apenas dos trabalhadores assalariados, mas também dos camponeses, dos autônomos e dos pequenos empresários. É preciso mostrar que essas categorias têm interesse em estender a soberania popular para a área da economia mercantil.
Da mesma forma que a intervenção dos trabalhadores em sua empresa supõe que eles não temem perder seu salário, a emancipação do trabalho dos autônomos supõe que sua renda não depende dos riscos econômicos sob os quais eles não têm nenhum controle. Deveria ser também possível convencer os pequenos trabalhadores rurais de que os 10 bilhões de euros em supostas ajudas à agricultura devem ser direcionados à pessoa, e não ao hectare ou ao produto: essa mudança garantiria 20 mil euros de salário anual para cada um dos 500 mil trabalhadores e constituiria o início de uma lógica de salário perpétuo. Sem dúvida será difícil persuadir os pequenos e médios empresários a se “suicidarem” enquanto proprietários de suas empresas. No entanto, sua adesão ideológica ao regime atual se encontra atingida por sua experiência concreta da obrigação, que os faz se maltratarem, assim como a seus funcionários, para pagar a renda dos empréstimos ou dos proprietários dos locais. No novo regime, a empresa não seria mais “deles” no sentido de que não seria mais seu patrimônio, mas eles seriam coproprietários de uso, da mesma forma que os outros funcionários (que não seriam mais “seus” funcionários), de um instrumento de trabalho que se tornaria patrimônio coletivo.
O projeto e o caminho
Muitas questões permanecem, entre elas a da exportação de tal organização econômica para outros países, assim como a compatibilidade com o livre-comércio e as regras europeias. Mas uma coisa é certa: qualquer procrastinação desarma um pouco mais os produtores. Como, depois de quarenta anos de batalhas perdidas porque realizadas nos termos impostos pelos adversários, nós podemos continuar a refletir em dois tempos desconectados um do outro: o do curto prazo, em que nos ajeitamos no capitalismo, e o do longo prazo, em que este teria desaparecido? Mas por qual milagre ele desapareceria? Uma adição de curtos prazos coerentes com o regime atual só conduziria ao status quo. A classe dos produtores se construiu no presente na conquista da responsabilidade econômica. É preciso manter a exigência da identidade do projeto e do caminho. Nenhum lirismo no projeto, nenhum prosaísmo no caminho: a revolução é uma proposta perfeitamente audível se se trata de honrar os combates de nossos predecessores.
*Bernard Friot é sociólogo. Este texto sintetiza as ideias expostas em sua última obra, Vaincre Macron [Vencer Macron], La Dispute, Paris, 2017.