China e a chegada da nova economia global
A transição global para uma economia de carbono zero não tem volta e a América Latina não pode ficar parada apostando nos combustíveis fósseis. Mas, com compromissos de redução de emissões considerados insuficientes pela comunidade internacional, a maioria dos países da região nem mesmo está tomando as decisões necessárias para cumpri-los
O anúncio do presidente da China, Xi Jinping, na Assembleia Geral das Nações Unidas, minutos após o discurso de Trump, marca a nova trajetória econômica global. A China garantirá que seu pico de emissão de gases de efeito estufa seja antes de 2030 e se compromete com a neutralidade de carbono antes de 2060. É o sinal mais poderoso para os mercados internacionais desde a assinatura do Acordo de Paris. A transição global para uma economia de carbono zero não tem volta e a América Latina não pode ficar parada apostando nos combustíveis fósseis.
As crescentes tensões entre a China e os Estados Unidos em questões comerciais e diplomáticas são uma tendência de longo prazo que deixou muitos analistas temerosos de um possível movimento do gigante asiático sobre as mudanças climáticas. No entanto, o xadrez multilateral está mudando rapidamente e, em meio a ajustes, a relação entre a União Europeia e a China, a pressão de outros países e a transição de milhares de empresas para ciclos de produção sustentáveis ao longo de suas cadeias produtivas começaram a dar frutos. A China fez um movimento estratégico com um anúncio ambicioso que, após o recente intercâmbio bilateral entre Pequim e Bruxelas, deu o tom econômico para a próxima década.
O anúncio segue os passos da União Europeia, que recentemente anunciou reduções de gases de efeito estufa em pelo menos 55% até 2030 e neutralidade de carbono em 2050. Antes das eleições que definirão o futuro do Casa Branca, a cooperação sobre mudança climática entre a Europa e a China está cristalizando novas alianças que podem isolar ainda mais os Estados Unidos (no caso de uma vitória republicana) ou preparar o terreno para uma nova aliança global que acelera, conforme necessário, a corrida contra o relógio para evitar o desastre planetário. É incerto se Washington seguirá ou não a tendência, mas sabemos que o setor privado nos Estados Unidos e em muitos países já a está seguindo.
As implicações para a América Latina não tardarão. Os países que esperam continuar exportando hidrocarbonetos no médio e longo prazo encontrarão mercados cada vez menos favoráveis e maior volatilidade, enquanto aqueles que assumem o desafio da competitividade encontrarão um novo impulso em torno das energias renováveis não convencionais.
Nossas empresas e setores estão preparados? Temos as estruturas regulatórias adequadas? Estamos planejando e preparando nossa entrada em novos mercados, por meio de produtos e processos de baixo carbono? Obviamente não. Enquanto países como Colômbia e Argentina continuam apostando no fracking, o México faz investimentos bilionários em refinarias e oleodutos, e o Brasil é liderado por um governo que nega o problema, a economia regional perde a oportunidade que se abre com a crise econômica acelerada pela pandemia de Covid-19.
A China é hoje o principal parceiro comercial em quase toda a região. Se ela e a UE avançarem conforme anunciado, é previsível que comecem a tomar medidas para que suas indústrias não sofram na competição com países que não possuem requisitos de neutralidade de carbono, adotando tarifas e blocos de importação que podem nos afetar. Os vencedores da vantagem competitiva serão aqueles que embarcarem no trem da descarbonização na hora certa. A ciência é clara: as emissões globais precisam ser cortadas pela metade em termos absolutos até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2050 ou antes para evitar ultrapassar o limite trágico do aumento da temperatura além de 1,5°C.
Enquanto isso, a Colômbia mantém uma meta insuficiente e aprova longas listas de usinas termelétricas. O Brasil tem uma meta absoluta de redução de emissões, mas ainda insuficiente, e enfrenta uma catástrofe de proporções planetárias com o aumento indiscriminado do desmatamento. A Argentina tem um alvo criticamente insuficiente e põe todos os ovos na cesta dos campos de gás de Vacamuerta. O Equador está se preparando para explorar o campo de Yasuní. Com compromissos de redução de emissões considerados insuficientes pela comunidade internacional, a maioria dos países da região nem mesmo está tomando as decisões necessárias para cumpri-los.
Os investimentos que a maioria dos governos está planejando como medidas de recuperação econômica são uma oportunidade única – certamente a última que pode ser feita a tempo de construir uma trajetória de desenvolvimento consistente com os objetivos comuns do Acordo de Paris. Desperdiçá-lo ou, o que é pior, tomar decisões que nos levam na direção oposta seria a pior tragédia que já vimos.
A China terá que mostrar um plano de aplicação concreto e anunciar precisamente até que ponto antes de 2030 atingirá o pico e o declínio de emissões. Porém, o sinal está dado e os mercados farão o mesmo. A América Latina deve dar uma guinada com políticas de recuperação que promovam indústrias verdes, sejam justas e ambiciosas e nos ajudem a nos adaptar à economia global e aos mercados internacionais do futuro. Devem ser políticas e programas que favoreçam os setores de baixa emissão, diversificando as economias e preparando o desaparecimento gradual e ordenado das exportações de hidrocarbonetos. Os governos de hoje, quase sem exceção, não parecem estar à altura do desafio.
Andrea Guerrero García é cofundadora da Transforma, consultora sênior da Mission2020 e da equipe de mudança climática do Secretário-Geral das Nações Unidas.
Isabel Cavelier Adarve é cofundadora da Transforma, consultora sênior da Mission2020 e diretora de estratégia do International Climate Politics Hub.
Maria Laura Rojas é cofundadora e diretora executiva da Transforma.