Cidades justas e sustentáveis
Em entrevista, Pablo J. Farias, vice-presidente da Fundação Ford e chairman da coalizão Living Cities, que reúne 22 das maiores fundações e instituições financeiras e já investiu mais de US$ 1 bilhão na melhoria da vida nas cidades, fala sobre os desafios para o meio ambiente urbano em escala mundialSilvio Caccia Bava
LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL – Viver em cidades justas e sustentáveis é uma aspiração para a maioria dos cidadãos. Contudo, urbanizações recentes aprofundam as desigualdades e exclusões sociais, e criam ilhas de fartura em mares de pobreza. Como seria possível mudar a lógica segundo a qual os interesses do mercado estão acima do bem-estar da população?
PABLO J. FARIAS – Promover oportunidades, inclusão e mobilidade econômica para todos os habitantes não é apenas a solução ideal: é fundamental para a prosperidade econômica e para a competitividade de uma cidade. Construir cidades justas, a longo prazo, é do interesse de todos, não apenas dos que estão observando de fora. Estamos tentando demonstrar isso para ganhar a atenção global.
Precisamos integrar a necessidade de mobilidade econômica e acesso às oportunidades ao processo mais geral de crescimento e consolidação de uma classe média em economias emergentes.
A urbanização oferece uma grande oportunidade de consolidar avanços econômicos e construir competitividade em países que estão atravessando transformações econômicas e sociais. Mas é preciso transferir o foco: em vez de privilegiar os interesses do mercado, deve-se investir em oportunidades econômicas para as comunidades urbanas e na criação de uma classe média. Em última instância, esse será o aspecto determinante do sucesso das cidades.
Necessitamos desenvolver novas práticas de urbanização que tornem as cidades mais competitivas e fortaleçam as oportunidades para a população de baixa renda. As cidades definem suas oportunidades ao unir comunidades com diferentes fortalezas. Cidades justas carecem de melhores práticas de zoneamento, que permitam o acesso à moradia em áreas onde também estejam presentes oportunidades econômicas, sistemas de transporte, educação e saúde. Além disso, necessitamos de inovações do mercado que possam regularizar postos de trabalho e moradias irregulares.
DIPLOMATIQUE – Planejamento participativo e fortalecimento de lideranças locais têm como objetivo a democratização da administração pública. Mas isso significa que o governo perde poder e há muita resistência para a democratização das decisões. Como criar uma participação dos cidadãos que seja efetiva em processos decisórios que de fato tenham impacto sobre a formulação de políticas públicas?
PABLO J. FARIAS – Poder e responsabilidade andam juntos. Ao expandir governos participativos é possível fomentar a criatividade das comunidades e sua energia, além do seu comprometimento em melhorar as condições. Mobilizar os recursos e as capacidades de diversas comunidades é a chave para enfrentar os complexos desafios das cidades. Se conseguimos um acordo em torno de um plano que reflete as necessidades e aspirações do povo ao qual está direcionado, sua aplicação tende a ser muito mais fácil e bem-sucedida. A principal razão pela qual o planejamento desaponta em termos de resultados é que o processo em si galvaniza oposições que em geral se transformam em grandes impedimentos – diminuindo o progresso e a efetividade do processo.
Observamos muitas vezes que a participação cidadã é essencial para o sucesso de políticas públicas. Dito de forma simples, não é possível construir políticas públicas efetivas sem envolver o público ao qual elas estão destinadas. Em termos pragmáticos, isso é o que funciona.
É certo que alguns problemas superam os limites da municipalidade. Soluções regionais requerem uma nova arquitetura de governança, com novas instituições e fundos que estejam ligados às necessidades regionais. Existem bons exemplos em que essa nova arquitetura é possível e funciona no sentido de construir cidades justas e sustentáveis. Observamos transformações radicais em comunidades que perceberam compartilhar um destino comum; também vemos que as melhores soluções quase sempre transcenderam as fronteiras municipais.
Vários avanços em governança regional surgiram da necessidade de coordenar o desenvolvimento e o funcionamento dos sistemas de transporte. Regiões metropolitanas, como São Francisco e Atlanta, nos Estados Unidos, ou Manchester, Varsóvia e Casablanca, em outros países, converteram seus sistemas de transporte na chave para oportunidades econômicas. A região metropolitana da Cidade do México desenvolveu um programa que une o controle da poluição do ar a mecanismos desenvolvidos para inovações nos sistemas de transporte que podem fazer toda a diferença em comunidades de baixa renda. Ação regional é a chave para a sustentabilidade ambiental; contudo, a prosperidade econômica depende de ações complementares no campo da economia e do orçamento das cidades. Um projeto específico, certeiro, ajuda a desenvolver essa nova arquitetura de governança regional.
DIPLOMATIQUE – Empresas são o motor da economia, e geralmente as relações que estabelecem com o território seguem a lógica de sua reprodução, e não dos interesses da área em questão. Como estabelecer novas e inovadoras parcerias público-privadas quando a finalidade é apenas desenvolver um território justo e sustentável?
PABLO J. FARIAS – Expandimos o uso de ferramentas financeiras para além do desenvolvimento de infraestrutura afinada com os interesses empresariais. Empresas requerem força de trabalho estável e bem treinada. À medida que a economia se tornar integrada globalmente, será impossível para as empresas levar em conta apenas o terreno barato e os subsídios públicos para se estabelecerem em um lugar. A competitividade estará ligada ao sucesso de sua força de trabalho e ao desenvolvimento de comunidades prósperas que consolidarão a demanda do mercado local. Esse modelo requer comunidades bem-sucedidas, onde as famílias e seus bens estejam em segurança, os serviços de educação e saúde contribuam para promover uma força de trabalho competitiva e as riquezas sociais e culturais colaborem para gerar uma identidade mais forte e um comprometimento em compartilhar as riquezas.
Cidades justas não são melhores apenas para os cidadãos, mas também para os negócios. Cidades justas criam ambientes que podem deslanchar o empreendedorismo, expandir os microempreendimentos e tornar o trabalho mais sustentável. Nas cidades justas, os trabalhadores estão mais perto de seu trabalho, e os consumidores, mais perto do comércio.
DIPLOMATIQUE – A experiência brasileira de formulação de políticas urbanas inclusivas e sustentáveis criou uma arquitetura de participação que é um exemplo global de democratização da administração pública. Contudo, grande parte dos programas urbanos foi impulsionado pelo governo sem submetê-los a fóruns participativos, em função dos interesses do mercado. Existem experiências no mundo onde os interesses dos cidadãos prevalecem sobre os interesses do mercado? Como surgiram essas experiências? Ainda funcionam?
PABLO J. FARIAS – O sucesso vem de alinhar os interesses de atores das comunidades aos do setor privado e de estabelecer regulações, ferramentas e processos públicos que facilitem esse alinhamento. Isso requer liderança e visão, mas podemos demonstrar que as cidades que definem seu sucesso pela oportunidade de inclusão e crescimento resultam em espaços melhores que as definidas pela exclusão persistente de grupos de baixa renda e cidadãos novos. Um setor público forte é chave na regulação efetiva, mas é necessário gerar alianças que apoiem as ações regulatórias dos governos e impulsionem inovações. Nova York é um bom exemplo de como parcerias público-privadas podem aumentar a demanda do mercado por força de trabalho estável e competitiva e promover avanços em políticas de moradia e de expansão de oportunidades econômicas para os setores de baixa renda.
Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.