Como as eleições nos EUA moldam o futuro, as inovações e os desafios globais?
Quem saiu vitorioso com o segundo mandato de Trump na Casa branca, na verdade, foi o pacote conservador, misógino, racista e fundamentalista da sociedade
A vitória de Donald Trump reflete o descontentamento de muitos eleitores com o status quo e a desconexão percebida entre o sistema político e a classe trabalhadora. Trump, branco e rico, atraiu eleitores brancos sem diploma universitário, que se sentem marginalizados pelas políticas progressistas e pela sua elitização. Sua retórica populista e nacionalista, focada em imigração, segurança e economia, ressoou com força em oposição aos democratas, especialmente entre aqueles que se sentem inseguros economicamente e nostálgicos por uma estabilidade passada.
Considerando o resultado da eleição, a América elegeu quem mais soube criar identidade e pertencimento com a população em seu discurso, promovendo fortes conexões com valores contemporâneos e sob a perspectiva da realidade social dos americanos. Se é assim que funciona a democracia, Trump foi um mestre na comunicação, por mais que eu ou você discordemos de suas propostas. Ele dialogou democraticamente com diferentes tribos e ofereceu a elas o que queriam ouvir. Kamala, por sua vez, carregou à exaustão todo o peso e significado da rejeição ao atual governo. Sua imagem não se descolou de Biden, que ainda lhe emprestou a crise imigratória e a inflação, âncoras que impediram a conquista de estados fundamentais, alguns deles tradicionalmente democratas.
Além disso, a relação polarizadora de Trump com a mídia fortaleceu a imagem de “anti-establishment” e consolidou-o como o “defensor dos interesses do povo comum”. Se foi esse povo que promoveu sua vitória em estados-chave e se o voto do homem branco, mais velho e sem formação superior, o levou até a linha de chegada, quem saiu vitorioso, na verdade, foi o pacote conservador, misógino, racista e fundamentalista. A caixa de Pandora foi aberta e isso não é nada bom, porque uma pequena minoria de grandes grupos (aqueles que, de fato, mandam no mundo) com muito poder financeiro investe forte para garantir seus privilégios. A caixa pertence a eles, mas as mazelas ficam para os habitantes do planeta.
O resultado das eleições nos EUA também deve redefinir o futuro do ecossistema de inovação, afetando áreas como tecnologia, energia limpa e biotecnologia. Uma administração de Kamala provavelmente priorizaria investimentos em sustentabilidade, com foco em energias renováveis e infraestrutura verde, além de uma regulamentação robusta para a inteligência artificial, visando à transparência e à segurança. Em contraste, com a vitória de Trump, deve ser favorecida a desregulamentação e fortalecidas as indústrias tradicionais, como energia convencional e mineração de criptomoedas, promovendo um ambiente menos restritivo para o setor tecnológico, mas com menos supervisão em segurança e privacidade, e com traços de uma política de controle das massas pela manutenção da miséria, seja ela qual for.
Diante disso, gosto muito da ideia de um mundo multipolar. Por exemplo, uma aproximação entre o Brasil e a China, e a adesão à Nova Rota da Seda, como parte de uma estratégia para fortalecer o Sul Global e contrabalançar a influência dos EUA, pode ser um caminho, pois oferece oportunidades de investimento e diversificação de parcerias econômicas. Outro caminho seria apostar no fortalecimento dos BRICS, o que talvez promovesse maior independência econômica e política para os países emergentes. Enfim, essa visão reflete uma tendência global de buscar um sistema mais equilibrado e menos centralizado nas potências ocidentais, o que ressoa não somente com as aspirações de muitas nações.
Em relação ao Brasil, é de se esperar um esfriamento nas relações bilaterais, mesmo com a forte tradição diplomática e comercial entre os dois países. Não há afinidade alguma entre Trump e Lula. Ambos estão em margens opostas de um oceano ideológico cada vez mais extremo e agudo. As personalidades são díspares, o que pode prejudicar ainda mais o diálogo. Os imigrantes certamente sofrerão um forte abalo, e, com ideias tão divergentes, não há meios para chegar a uma conclusão que seja suficiente para ambos. Também não podemos nos esquecer de que o lado dependente da economia é o nosso, o que piora ainda mais a situação.
As eleições nos Estados Unidos afetam o mundo todo. As políticas republicanas prometem um impacto profundo. A resposta dos democratas ao avanço da extrema direita foi, como no Brasil, pífia, mas ainda é decisiva para o futuro do país. Nos próximos dias, todas as nações serão espectadoras das primeiras ações de Trump e, para muitas delas, será inevitável ficar chocados, assim como tantos líderes globais, diante desse novo episódio histórico.
Edmar Bulla é designer de futuros e fundador do Grupo Croma