Cooperação entre países amazônicos avança, mas ainda enfrenta desafios
Após anos de estagnação política em função de divergências entre os países-membros, a Declaração de Belém busca revitalizar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica como espaço para a articulação de respostas aos desafios sociais, econômicos e ambientais da região
O dia 9 de agosto de 2024 marcou o primeiro ano da Declaração de Belém, documento assinado durante a Cúpula da Amazônia por Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Esses oito países compartilham a floresta amazônica e juntos compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) — a única organização internacional sediada no Brasil — que se dedica a promover o desenvolvimento sustentável da região.
Após anos de estagnação no nível político em função de divergências entre os países-membros, a Declaração de Belém busca revitalizar a OTCA como espaço privilegiado para a articulação de respostas conjuntas aos desafios sociais, econômicos e ambientais que afetam a região. O documento contém 113 compromissos concretos para evitar o ponto de não retorno da Amazônia — que ocorre quando um ecossistema sofre mudanças tão profundas que perde a capacidade de se recuperar e retornar ao seu estado original —, e inclui iniciativas de cooperação policial, judicial e de inteligência, voltadas ao combate de atividades ilícitas que vêm causando destruição ambiental e altos níveis de violência. Não à toa mais de 20% dos assassinatos de defensores ambientais registrados no mundo em 2022 ocorreram na Amazônia.
Parte desses esforços já se encontra em andamento. Em novembro de 2023, a XIV Reunião de Ministros de Relações Exteriores dos países da OTCA resultou na aprovação de 29 resoluções. Entre as iniciativas anunciadas estão o estabelecimento do Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia, voltado a promover a troca de conhecimentos e estudos direcionados à redução do desmatamento e à promoção do desenvolvimento sustentável, e do Mecanismo Amazônico dos Povos Indígenas, destinado a facilitar o diálogo entre governos e comunidades indígenas. Outra importante medida acordada em novembro, foi a incorporação do Fórum de Cidades Amazônicas à estrutura da OTCA, assegurando um espaço permanente de cooperação entre os governos locais. Somam-se a essas iniciativas a criação da Comissão Especial de Segurança Pública e Atividades Ilícitas Transfronteiriças na Região Amazônica e da Rede Amazônica de Autoridades da Água.
Além disso, o Observatório Regional da Amazônia (ORA), responsável pelo monitoramento de dados científicos sobre recursos da flora e da fauna, está em processo de modernização para facilitar o acesso à informação e orientar a gestão pública nessas áreas. Paralelamente, os sistemas integrados de monitoramento e alerta hidrometeorológico da região amazônica estão sendo aprimorados. Exemplo disso é o estudo hidrogeológico binacional conduzido por Brasil e Colômbia, que visa desenvolver políticas para a proteção das águas subterrâneas nas cidades de Tabatinga e Letícia, na região de fronteira.
No entanto, outros compromissos estabelecidos pela Declaração avançaram de forma tímida ou se mantiveram estagnados. Entre esses, destaca-se a criação do Centro de Cooperação Policial Internacional (CCPI-Amazônia), que visa fortalecer a cooperação entre as forças policiais dos oito países da região. Com sede planejada para Manaus e contando com um financiamento de R$ 9 milhões do Fundo Amazônia, a previsão era que o centro tivesse sido inaugurado no primeiro trimestre deste ano, o que não aconteceu. Além disso, o diálogo para a criação do Sistema Integrado de Controle de Tráfego Aéreo, voltado ao combate de atividades ilícitas associadas ao desmatamento e à exploração ilegal de recursos, também permanece estagnado.
O atraso na implementação de alguns dos compromissos estabelecidos pela Declaração de Belém decorre de entraves orçamentários, políticos e institucionais. Embora a OTCA conte com contribuições financeiras dos países-membros, os recursos são insuficientes para endereçar todas as necessidades da região. Ademais, o entrave entre os governos da Colômbia e do Peru tem impedido a nomeação de um novo Secretário-Geral para a OTCA. Na prática, a vacância em seu mais alto cargo, que persiste desde janeiro deste ano, prejudica a capacidade de executar projetos.
Além da resolução do impasse relacionado à Secretaria-Geral, a implementação efetiva da Declaração de Belém requer três ações fundamentais: a garantia de participação social, assegurando voz ativa às populações locais; o estabelecimento de um mecanismo financeiro próprio, condizente com as funções atribuídas à OTCA; e a ampliação dos recursos humanos da organização. Somente a partir desses esforços será possível promover o desenvolvimento equitativo, sustentável e duradouro da região amazônica.
Beatriz Mattos é coordenadora de pesquisa da Plataforma CIPÓ. Marília Closs é coordenadora de projetos da Plataforma CIPÓ. Viviana Porto e Nycolas Candido são pesquisadores da Plataforma CIPÓ.