Crescimento do populismo de direita
Sob o populismo de direita, a linguagem da violência desfila livremente como linguagem de guerra, com levantamento de muros, trincheiras e crescentes gastos em segurança pública, em detrimento de investimentos em educação ou cultura
Entramos no século XXI em uma era sinistra, em que paixões de um escuro passado estão sendo mobilizadas novamente contra as forças da democracia de um modo diferente de tudo que vimos desde os anos 1930. Presenciamos o suporte crescente para um populismo de direita que vê a democracia liberal como um anacronismo. Os sinais são claros. Ao redor de todo o mundo, indivíduos, grupos e políticos vomitam desordenadas incitações de ódio e intolerância, legitimando e apoiando abertamente o racismo, a homofobia e outras selvagens formas de nacionalismo.
O que tem surgido desse abismo do poder autoritário é uma atualizada versão da política demagógica e a normalização de uma maré de ignorância com naturalização da crueldade. Um resultado direto é o crescente apoio de um populismo de direita, que trata com ódio e desdém tanto os indivíduos privados de necessidades básicas para sua subsistência – incluindo moradia, alimentação e água limpa – como as populações imigrantes deslocadas de sua terra natal por conflitos e expropriações das forças globais do capitalismo.
O populismo de direita oferece uma noção pseudodemocrática de política, em que as decisões informadas por evidências, a agência crítica e a ação coletiva desaparecem diante do simbólico mito de um líder totalitário e poderoso. Nesse discurso, a política torna-se personalizada na imagem de um demagogo sustentada graças à suposta ignorância das massas, tratadas como um verdadeiro “rebanho”. A emergência desses líderes da extrema direita pode ser exemplificada com a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e de Jair Bolsonaro no Brasil. Mas também já podemos notar a capilarização desse fenômeno, com versões regionais e locais dessas figuras na política, como os governadores Doug Ford, em Ontário, Canadá; Wilson Witzel, no Rio de Janeiro; e João Doria, em São Paulo.
O populismo de direita ataca o pensamento crítico, mina os atos de coragem cívica, desmantela a ação coletiva genuína dos movimentos sociais, suprime as formas democráticas de oposição e esmaga os oponentes políticos com perseguições e ameaças. Seu caráter demagógico pode ser observado no uso que faz de uma linguagem simplista, que não considera a complexidade da realidade social, evita o diálogo honesto, mente sobre os fatos, distorce a história e desconsidera as multifacetadas lutas e o árduo trabalho de negociação e partilha de poder necessários nos modos de governo democráticos. A linguagem simplificada do populismo e sua noção de anti-intelectualismo são fortalecidas por uma cultura de medo, insegurança e incerteza. Essa retórica acentua um sentimento de frustração, raiva e impotência política que aprisiona os indivíduos em seus próprios sentimentos, tornando-os cada vez mais incapazes de traduzir questões particulares em problemas sociais mais amplos.
Sob o populismo de direita, a linguagem da violência desfila livremente como linguagem de guerra, com levantamento de muros, trincheiras e crescentes gastos em segurança pública, em detrimento de investimentos em educação ou cultura. É um populismo sem consciência social, que dá suporte ao surgimento de sociedades cada vez mais autoritárias, marcadas por desregulação do capital, desmantelamento do Estado de bem-estar, negação dos problemas ambientais e crescente desigualdade social. Há um profundo desprezo pelas verdades e pelas evidências científicas, esvaziando as palavras de qualquer significado, ao mesmo tempo que as mentiras e as fake news são elevadas ao status de verdade, distorcendo a realidade e a história com argumentos sórdidos que negam todas as evidências concretas sobre o passado da nação.
O populismo de direita prospera sobre o fascínio do espetáculo da violência e redireciona a raiva e a agressão reprimidas em uma forma de prazer e catarse emocional das massas, que se tornam cúmplices do horror de governos autoritários que comprometem moralmente suas vidas. A distinção binária das pessoas como amigos e inimigos tanto alimenta uma política de descartabilidade, que torna supérfluos alguns seres humanos, quanto promove uma cultura de medo e terror, na qual o bizarro e o impensável se normalizam. A distinção simplista entre amigos e inimigos torna-se ainda mais perigosa em um contexto onde a história é apagada e a ignorância fabricada conspira com o poder totalitário, dando origem a novas redes de opressão. Isto é especialmente preocupante em um momento no qual a violência é crescente e passa a ser aceita como um princípio que define e organiza a política.
Qualquer alternativa para combater a ascensão das forças de extrema direita e seu populismo autoritário precisará necessariamente construir uma proposta política que contenha simultaneamente uma linguagem de crítica e de esperança. Isso sugere uma nova forma de fazer política, que energize e desperte as paixões das pessoas para que estejam mais bem informadas e engajadas em movimentos de reação. Também é preciso deixar muito claro que a resistência deve ser uma iniciativa coletiva, em lutas unificadas com o objetivo de recusar um futuro que simplesmente reproduza o estado atual das coisas. É preciso voltar a acreditar que outro mundo é possível e que o neoliberalismo fascista pode ser derrotado.
O populismo não explica sozinho o aumento dos governos fascistas ao redor do mundo nem fornece uma resposta para enfrentá-los. São irmãos siameses na política da direita diante dos desafios do mundo contemporâneo. O que se faz necessário é a articulação de uma poderosa e nova visão de política pelas forças de esquerda, que leve a cultura e a educação mais a sério, que organize, estimule e fomente formas mais participativas de governo e ação dos movimentos sociais e grupos populares. Nosso desafio é unir as forças progressistas capazes de imaginar e lutar por um mundo no qual o fascismo neoliberal não mais exista e onde a promessa de uma democracia socialista se torne mais que um sonho utópico ou um discurso oportunista. Não haverá justiça social sem mobilização popular nem futuro em que valha a pena viver sem luta coletiva. É preciso tratar a questão da democratização do poder a sério, com esforços contínuos para desenvolver uma forte aliança republicana e democrática contra a aliança fascista.
*Henry A. Giroux é professor da McMaster University do Canadá (Chair for Scholarship in the Public Interest/The Paulo Freire Distinguished Scholar in Critical Pedagogy). Artigo traduzido e adaptado por Gustavo O. Figueiredo, doutor em Psicologia da Comunicação e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.