Cultura como motor de desenvolvimento das políticas públicas por meio do Programa Nacional dos Comitês de Cultura
Políticas que incentivam a produção e difusão de manifestações culturais locais garantem que vozes diversas sejam ouvidas e reconhecidas, enriquecendo o panorama cultural do Brasil
A importância do retorno do Ministério da Cultura (MinC) no Brasil é indiscutível, especialmente em um momento em que as expressões artísticas e culturais enfrentam desafios significativos. A reinstauração desse ministério representa não apenas a valorização da cultura como um direito fundamental, mas também um compromisso com a diversidade, a inclusão e a preservação do patrimônio cultural do país.
O MinC trouxe uma novidade empolgante: a criação dos Comitês de Cultura. No último sábado (28), o lançamento do Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC) completou um ano. Em 2023, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, concretizou os planos e assinou a Portaria MinC Nº 64, de 28 de setembro de 2023, com o objetivo de ampliar o acesso às políticas públicas de cultura.
Visando o acesso aos territórios de forma democrática, o programa desenha a implantação dos comitês de Cultura em território nacional a partir do conceito de Regiões Imediatas do IBGE 2017[1]. Partindo deste conceito do IBGE, o Ministério da Cultura realizou um recorte para Regiões Imediatas Prioritárias, que são regiões geográficas denominadas a partir do Índice Territorial dos Comitês de Cultura[2]. O ITCC reúne indicadores secundários de diversas bases de dados agrupados nas dimensões socioeconômica, sociocultural, vulnerabilidade urbana, desenvolvimento regional e acesso às políticas culturais locais. O objetivo é ampliar o acesso às políticas públicas de cultura nas Regiões Imediatas Prioritárias, contribuindo para o alcance de territórios e públicos para os quais o acesso é mais difícil.
Para além de pensar o território, no MinC prevaleceu o trabalho em rede. Consideramos redes como funções no interior das associações humanas e que são essas redes de funções desempenhadas que constituem uma sociedade. Sendo assim, na medida em que são otimizadas as participações comunitárias, há proporção direta do fortalecimento da rede que a envolve.
Quando organizamos atividades considerando interesses coletivos, permitimos que a rede direcione os recursos (humanos e financeiros), ou seja, estabelecemos parcerias significas, além de investimento financeiro e social. Esse posicionamento investe no fortalecimento das relações humanas e institucionais e seu impacto será sua própria existência. Essa perspectiva de atuação em redes de instituições, defendida por Jaílson de Souza 2003[3], idealiza que redes socio-pedagógicas podem auxiliar na ampliação das possibilidades de intervenção, como também pode atender à característica multidisciplinar de atuação. Esse tecido construído proporciona troca de conhecimento e experiência que, em médio prazo, poderá permitir fluxos e contrafluxos de informações.
A estratégia de identificação do território por regiões imediatas e o trabalho em rede faz do Programa Nacional dos Comitês de Cultura um marco de atuação. Perpassando pela educação popular e visando o acesso democrático e de direito, em um tempo em que esses valores precisam ser exaltados, permite-se que “a Política Nacional de Cultura possa ir aonde o artista está” de fato e de direto.
Nesse contexto, as noções de território e territorialização ganham ainda mais relevância social, pois as ações têm a finalidade de promover a descentralização territorial das políticas públicas de cultura ao promover as relações comunitárias. Por meio de ações de mobilização social – formação em direitos e políticas culturais, apoio à elaboração de projetos e parcerias, comunicação social e difusão de informações sobre políticas culturais – promove-se o protagonismo dos artistas dos territórios, sendo a comunicação a mola mestra das ações.
Essa iniciativa visa promover uma gestão mais participativa e descentralizada das políticas culturais no Brasil. Assim, os Comitês de Cultura têm como objetivo envolver diferentes segmentos da sociedade — artistas, gestores, produtores e representantes de comunidades — na formulação e implementação de políticas culturais. Essa abordagem busca garantir que as vozes e demandas locais sejam ouvidas, promovendo uma maior inclusão e diversidade nas ações culturais.
Essa proposta é uma resposta à necessidade de revitalizar e atualizar as políticas culturais, garantindo que elas sejam mais efetivas e representativas. Com os Comitês de Cultura, o MinC reafirma seu compromisso com a diversidade e a inclusão, criando um espaço para que todos possam contribuir para o rico panorama cultural do Brasil.
Ao acompanhar as ações territoriais propostas pelo PNCC, observa-se um compromisso com a promoção de uma cultura de diálogo e colaboração. Isso é especialmente relevante em um cenário em que as forças progressistas buscam resgatar a concepção de Direitos Humanos para reinventar a linguagem da emancipação. A integração de Direitos Humanos nas políticas públicas culturais destaca a importância de abordar questões de gênero, sexualidade, etnia e outras identidades e discriminações de forma mais aprofundada e sensível.
É notório que o PNCC atua em várias frentes na qual esteve sem atenção nos últimos anos. A ampliação do acesso às políticas públicas culturais e o fortalecimento da democracia participativa são aspectos fundamentais do programa. Ao promover um diálogo aberto e inclusivo, o PNCC contribui para a construção de um ambiente cultural mais rico e diverso, que reflete a pluralidade da sociedade brasileira.
Além disso, a ênfase em Direitos Humanos e na abordagem das questões de identidade e discriminação fortalece o papel da cultura como um meio para a promoção da justiça e da igualdade. As ações do PNCC, portanto, não só ampliam o acesso à cultura, mas também contribuem para a criação de uma sociedade mais equitativa e respeitosa das diferenças.
A continuidade e a expansão das iniciativas do PNCC serão cruciais para garantir que os objetivos de democratização e inclusão sejam plenamente alcançados. O programa estabelece um modelo de como as políticas culturais podem ser utilizadas para promover a participação cidadã e a justiça social, servindo como um exemplo valioso para outras iniciativas e programas ao redor do país e do mundo.
O Programa Nacional dos Comitês de Cultura representa uma oportunidade significativa para reimaginar a cultura e a democracia em nosso país. Ao promover a participação ativa e a integração dos Direitos Humanos nas políticas públicas, o PNCC fortalece a conexão entre cultura, educação e justiça social, abrindo novas possibilidades para a emancipação e a inclusão.
Assim, vemos que a retomada do Ministério da Cultura também visou a valorização de culturas regionais e a promoção da diversidade cultural, essencial para o fortalecimento da identidade nacional. Políticas que incentivam a produção e difusão de manifestações culturais locais garantem que vozes diversas sejam ouvidas e reconhecidas, enriquecendo o panorama cultural do Brasil.
Beatriz Brandão é Antropóloga e escritora. Professora dos Programas de Pós-graduação em Humanidades, Cultura e Artes (PPGHCA) em Ensino de Ciências e Saúde (PPGECS) da Unigranrio Afya. Coordenadora Executiva e Geral do Comitê de Cultura do Estado do Rio de Janeiro na Política Nacional dos Comitês de Cultura do Ministério da Cultura – MinC. Possui Pós-Doutorado em Sociologia da Cultura pela Universidade de São Paulo, USP (2019-2022). Doutorado em Ciências Sociais pela PUC-RIO (2013-2017). Mestrado em Ciências Sociais pela UERJ (2011-2013).
Simone Monteiro é Mestre em Desenvolvimento Humano- UTL- Portugal. Fundadora do Instituto Usina Social, CEO do Centro de Atividades Físicas Nadar, Ex-Secretária de Esporte e Lazer de São Gonçalo/ RJ e Ex-Presidente da FAESG -SG. Gestora de Projetos do Instituto Usina Social
Elis Regina é Pós-graduanda em MBA Gestão Pública e Sustentabilidade USP. Pós-graduada em Gestão de Projetos Esportivos – UCB. Profissional de Educação Física Diretora -Presidente do Instituto Usina Social
[1] É um recorte regional que tem na rede urbana o seu principal elemento de referência. É definida a partir de Centros Urbanos próximos para a satisfação das necessidades imediatas das populações, tais como: compra de bens de consumo duráveis e não duráveis; busca de trabalho; procura por serviços de saúde e educação; e prestação de serviços públicos, como postos de atendimento do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, do Ministério do Trabalho, e de serviços judiciários, entre outros. Em regra, possuem entre 5 e 25 municípios, além de ter uma população mínima aproximada de 50 mil habitantes.
[2] é um indicador síntese composto por 22 indicadores agrupados em 5 dimensões, que possibilita a comparação entre regiões geográficas brasileiras e a identificação de regiões prioritárias para o direcionamento das ações do Programa Nacional dos Comitês de Cultura. Elaborado pela Coordenação dos Comitês de Cultura para subsidiar as ações do PNCC
[3] SOUZA E SILVA, Jailson de. ―Por que uns e não outros? Caminhada de jovens pobres para a universidade. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2003.