De onde vem a diferença
No Brasil, a realidade é outra. A atividade parlamentar é vista como uma profissão
“Somos cidadãos comuns”, disse à BBC News Brasil o deputado sueco Per-Arne Håkansson, do Partido Operário Social-Democrata da Suécia. “Não tem sentido conceder privilégios especiais a parlamentares, uma vez que nossa tarefa é representar os cidadãos e conhecer a realidade em que as pessoas vivem. Também se pode dizer que é um privilégio em si representar os cidadãos, uma vez que temos a oportunidade de influenciar os rumos do país”.[1]
Na Suécia, um deputado federal ganha como salário o correspondente a R$ 27 mil. Deduzidos os impostos, são R$ 16 mil. Não tem assessores nem secretária, tampouco carro e motorista. Os gabinetes variam de 7 a 31 m2. No início do mandato, recebe um cartão anual para uso dos transportes públicos; para os que não moram em Estocolmo, são oferecidos apartamentos de 16 a 46 m2. A diária para alimentação corresponde a R$ 45. Não existe imunidade parlamentar.[2]

Dos deputados regionais, 94% não recebem salário. Vereadores não são remunerados, ganham apenas uma ajuda de custo para estarem presentes nas sessões do parlamento municipal. Não têm assessores, secretária, gabinete ou carro. Trabalham em casa e comparecem às sessões. Segundo Christina Elffors-Sjödin, vereadora de Estocolmo pelo Partido Moderado, “ser vereador é um trabalho voluntário, que pode ser perfeitamente realizado nas horas vagas”.
No Brasil, a realidade é outra. A atividade parlamentar é vista como uma profissão. Há deputados, como Átila Lins (PSD-AM), que já cumpriram oito mandatos, ou 32 anos consecutivos como parlamentar. Os partidos políticos, em sua grande maioria desprovidos de programa, são máquinas voltadas para a manutenção de seu espaço político e a reeleição de suas lideranças.
Para azeitar essas máquinas partidárias foi criado o Fundo Partidário, que conta este ano com R$ 1,3 bilhão. Mas os vultosos recursos não param por aí! A reeleição das lideranças e os controles políticos de territórios se asseguram com outro fundo, o Fundo Eleitoral (criado em 2017), que este ano é de R$ 4,9 bilhões, e será dividido proporcionalmente pelo número de deputados federais de cada partido. Outros R$ 50 bilhões serão repassados a prefeituras por meio das emendas parlamentares – deputados e senadores irrigarão seus redutos eleitorais para assegurar sua continuidade e o controle político do território. Não há paralelo no mundo para uma situação como essa, em que o Legislativo se apropria de parte expressiva do orçamento público para atender aos interesses paroquiais de seus integrantes. Para não falar do desvio de recursos públicos, da corrupção que campeia no Parlamento.
As emendas impositivas da parte de parlamentares fragilizaram os comandos dos partidos. A isso se soma a presença cada vez mais importante de bancadas corporativas, como a do agronegócio, a das construtoras de obras públicas, a farmacêutica, a do aço, que mobilizam seus parlamentares para a defesa de seus interesses.
O mundo da res publica democrática, do espaço público como arena do encontro, da colaboração, das negociações, das trocas culturais, da diversidade, do múltiplo, da construção do interesse comum, tudo isso vai se distanciando como objetivo, dando lugar a um imediatismo predador, cujo ethos é a destruição da natureza e a transformação de tudo em mercadoria. Os inúmeros agentes de lobbies que atuam no Congresso estão aí para fazer negócios, não para defender o interesse público.
O conflito distributivo, sempre presente, torna-se mais evidente e articula a maioria dos parlamentares em seu polo conservador, que partilha muitos dos privilégios contra os quais um governo democrático deve se insurgir. É o recente veto ao aumento do IOF, é a resistência a pagar impostos. Uma elite dona do dinheiro não quer dividir seus ganhos; quer manter seus privilégios mesmo que ao custo da democracia. E a desigualdade e a exclusão social se aprofundam.
Em 2025, um deputado federal brasileiro recebe como salário R$ 46.366. Tem 25 assessores, ao custo mensal de R$ 133.170; carro com motorista; uma cota mensal para o exercício da atividade parlamentar de R$ 30 mil a R$ 45 mil, dependendo da região do país. Além disso, tem R$ 37 milhões este ano para gastar com emendas parlamentares de sua autoria. Os que ocupam posições em comissões ou na mesa diretora contam com mais assessores e recursos. Apenas para registro, todo senador este ano tem R$ 68 milhões para gastar com suas emendas impositivas.
Hoje, os setores democráticos não ultrapassam 30% do número de congressistas. Os demais gostariam de ver o PT e Lula fora do governo – o confronto é porque não querem perder privilégios, obtidos de forma legal e ilegal.
O Judiciário também está eivado de ilicitudes – os salários e os “penduricalhos” são absurdos; remunerações mensais de mais de R$ 100 mil são comuns. São eles também parte dessa elite que não quer abrir mão de seus privilégios. Neste momento, o Judiciário busca conter o avanço do Parlamento sobre as funções do Executivo, exigindo transparência nas emendas e o fim do chamado “orçamento secreto”, emendas impositivas que ocultam o proponente e a destinação. Mas não nos iludamos: eles também fazem parte da elite que prendeu ilegalmente o presidente Lula e depôs com um golpe parlamentar a presidenta Dilma Rousseff.
Retomando a questão da comparação, para os suecos o mandato parlamentar é uma responsabilidade cívica, uma contribuição voluntária para a defesa e a ampliação do bem comum; para os brasileiros é o espaço de disputa e de controle do aparelho do Estado, dos recursos públicos, para orientá-los em favor de seus negócios, em prol de seus interesses particulares.
A diferença vem das marcas inscritas na história do Brasil, de um colonialismo escravocrata que impõe a espoliação das maiorias, de uma elite que não respeita direitos, de uma apropriação dos fundos públicos para garantir a continuidade no poder.
[1] blog.inteligov.com.br/politica-suecia.
[2] bbc.com/portuguese/internacional-47198240.