Desafios do aço brasileiro frente às novas medidas de Trump
O setor siderúrgico brasileiro precisará agir com agilidade e inteligência, além de buscar fortalecer parcerias internacionais
A eleição de Donald Trump como 47º presidente dos Estados Unidos reacendeu as preocupações globais sobre o futuro do comércio internacional. Para o Brasil, um dos maiores exportadores de aço do mundo, as implicações são especialmente significativas. A campanha de Trump, centrada na retórica protecionista e na promessa de impor tarifas sobre as importações, colocou em risco o comércio de aço entre o Brasil e os EUA. Desde março de 2018, foi imposta uma tarifa de 25% sobre as importações de aço e de 10% sobre as importações de alumínio, com base na cláusula de segurança nacional da Seção 232. Embora essas medidas tenham sido introduzidas por Trump durante seu primeiro mandato, seu sucessor, Joe Biden, as manteve.
Canadá, México, Austrália e Reino Unido foram posteriormente isentos dessas tarifas, enquanto outros países, incluindo o Brasil, ficaram sujeitos a um sistema de cotas tarifárias (TRQ). Esse sistema limitou o volume de exportações de aço para os EUA a tarifas preferenciais, com taxas mais rigorosas aplicadas às quantidades que excediam essas cotas. A indústria siderúrgica brasileira, fortemente dependente das exportações para os Estados Unidos, ajustou sua estratégia para se adequar ao sistema de TRQ.
Dados do Comex Stat revelam que as exportações de aço do Brasil para os EUA atingiram 5,35 milhões de toneladas em 2023, representando uma parcela significativa do total de exportações brasileiras de aço semiacabado. No entanto, o retorno de Trump ao poder aumentou os temores de que esses acordos possam ser alterados em favor de medidas protecionistas mais agressivas. Durante sua campanha e logo após sua vitória eleitoral, o atual presidente anunciou planos para impor novas tarifas sobre as importações do Canadá, México e China, citando preocupações com a segurança nacional e a imigração. Em uma série de publicações nas redes sociais, ele prometeu emitir uma ordem executiva impondo uma tarifa de 25% sobre todas as importações do Canadá e do México, além de uma tarifa de 10% sobre as importações chinesas. Embora o foco dessa proposta pareça ser o combate ao tráfico de drogas e à imigração ilegal, o impacto potencial sobre o comércio de aço é inegável. O México, um intermediário importante para as exportações de aço do Brasil para os EUA, já está sentindo o impacto da incerteza. Produtores mexicanos que utilizam tarugos de aço brasileiros para fabricar produtos de aço acabado para exportação para os EUA começaram a agir com cautela, segundo Rijuta Dey, uma repórter sênior da Fastmarkets, uma agência global de relatórios de preços.
Se a proposta de Trump para a regra “derretido e vertido” (melt-and-pour) for implementada — exigindo que os produtos de aço sejam fundidos e moldados no país de origem —, os produtores mexicanos podem evitar os tarugos brasileiros para evitar complicações no desembaraço alfandegário nos EUA. A renovada ameaça de uma tarifa de 100% sobre as importações de países do BRICS adiciona outra camada de complexidade às perspectivas comerciais do Brasil. O bloco, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, tem discutido alternativas ao dólar americano nas transações comerciais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido um defensor da criação de uma moeda comum para reduzir a dependência da moeda norte-americana. Se Trump restabelecer a tarifa de 100% sobre produtos desses países, será um golpe para os siderúrgicos brasileiros, diz Rijuta Dey. Segundo a repórter, as opções do Brasil se limitariam a redirecionar exportações para a América Latina, já com excesso de oferta. Embora a criação da moeda do BRICS ainda seja uma meta de longo prazo, as ameaças do presidente dos Estados Unidos indicam que o setor siderúrgico brasileiro pode enfrentar medidas punitivas, independentemente da implementação real da moeda. No entanto, ainda não se sabe se Trump concretizará as ameaças como política comercial ou se as usará como ferramenta de negociação, conforme aponta Dey. Por exemplo, o principal executivo da Aço Brasil afirmou que as tarifas de Trump podem não prejudicar a indústria siderúrgica brasileira.
Marco Polo de Mello Lopes, presidente da Aço Brasil, afirmou durante uma coletiva de imprensa realizada em São Paulo no dia 16 de dezembro que Trump durante seu primeiro mandato fez um acordo para que Brasil, Argentina e Coreia do Sul ficassem sujeitos ao sistema de “cota rígida” para exportações de aço: “Desde 2018, quando Trump, implementou as tarifas da Seção 232, ele fechou o mercado americano com 25% de tarifas, e apenas três países — Brasil, Argentina e Coreia do Sul— fizeram um acordo na época da ‘cota rígida’”, afirmou Marco Polo durante a coletiva de imprensa. “Então, posso tentar melhorar minha posição nos EUA, porque após o acordo com o Brasil, os EUA fizeram novos acordos com o Japão, com a União Europeia e usando o sistema de cota flexível. Então, se eu sou um parceiro comercial importante para os americanos, posso tentar […] passar da condição de cota rígida para a cota flexível”, destacou o presidente da Aço Brasil. A partir desse novo sistema, os materiais podem temporariamente exceder a cota e ainda entrar no país sem pagar tarifas. Marco também comentou que o setor siderúrgico brasileiro pode buscar exceções semelhantes, caso as tarifas ameaçadas sejam implementadas.
“Vocês têm acompanhado de perto todos os comentários que foram feitos sobre a chegada de Trump ao governo e me perguntaram se isso será o inferno [para o setor siderúrgico]. Da perspectiva brasileira, não”, disse Marco Polo em 16 de dezembro.

Alteração no fluxo de tarugos de aço brasileiros
Como o tarugo de aço é uma das principais exportações do Brasil para os EUA, uma tarifa de 100% sobre produtos de origem dos BRICS poderia interromper esse fluxo comercial. Os siderúrgicos brasileiros seriam forçados a buscar mercados alternativos, o que poderia desencadear um excesso de oferta na América Latina, potencialmente levando à queda de preços na região.
O mercado siderúrgico doméstico do Brasil já enfrenta uma concorrência crescente das importações chinesas, e os produtores locais têm pedido medidas de defesa comercial mais rigorosas. O atual sistema de cota-tarifa do Brasil, que impõe uma tarifa de 25% sobre as importações de aço que excedem as cotas estabelecidas, tem sido criticado por sua ineficácia. Produtores nacionais argumentam que brechas permitem que importadores contornem as restrições ao importar materiais não explicitamente listados nas medidas tarifárias. Se as tarifas dos EUA sobre as exportações de aço do Brasil forem intensificadas, os siderúrgicos brasileiros podem enfrentar um golpe duplo: acesso reduzido ao mercado dos EUA e um influxo de importações de aço chinês no mercado brasileiro. O setor siderúrgico brasileiro expressou admiração pelo sucesso das tarifas da Seção 232 dos EUA como ferramenta protecionista e tem solicitado medidas semelhantes no Brasil.
O Alacero Summit 20242 revelou crescentes preocupações entre os participantes do mercado latino-americano sobre o potencial de aumento do fluxo de aço da China.
Portanto, a volta de Donald Trump à presidência dos EUA traz turbulência ao horizonte do aço brasileiro. Com novas ameaças de tarifas à espreita, o acesso ao mercado norte-americano — um dos mais estratégicos para o Brasil — pode se tornar um jogo de alto risco. Para enfrentar esse desafio, o setor siderúrgico brasileiro precisará agir com agilidade e inteligência. Fortalecer parcerias internacionais, explorar novos mercados e adotar defesas comerciais mais robustas estão no centro da estratégia. Por outro lado, o tempo corre contra o Brasil. Como alerta Rijuta Dey, os próximos meses serão cruciais. Sem uma resposta rápida, o setor pode ver suas receitas encolherem e suas rotas de exportação se fecharem. Agora, mais do que nunca, a indústria do aço precisa sair da defensiva e assumir o controle do tabuleiro global.
Georgia Rodrigues é economista e doutoranda no curso de Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária da UFRRJ.
2 Desde 1962, o Congresso da Alacero se consagrou como o maior e mais influente ponto de encontro para toda a cadeia de valor da indústria do aço na América Latina.