Desafios na identificação racial no Brasil
O racismo opera na alienação, e o aumento da informação tem fortalecido a afirmação da identidade negra, refletindo no aumento da autodeclaração de pessoas negras, uma fusão das categorias pretas e pardas pelo IBGE
No Censo de 2022, conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 92,1 milhões de cidadãos brasileiros se autodeclararam pardos, representando 45,3% da população total do Brasil, estimada em 203 milhões de pessoas durante o período do estudo. Esse censo assume um caráter histórico ao marcar a primeira vez, desde a implementação do quesito “raça/cor” em 1991, que a população parda se autodeclara como maioria.
Os dados revelam uma rica tapeçaria de identidades, com 88,2 milhões de pessoas se identificando como brancas (43,5%), 20,6 milhões como pretas (10,2%), 1,7 milhão como indígenas (0,8%), e 850,1 mil como amarelas (0,4%). Estes números, divulgados em 22 de dezembro de 2022, fornecem uma visão abrangente da composição racial do país.
De maneira positiva, o ativismo do movimento negro, aliado à expansão das políticas de cotas nas universidades, tem promovido o empoderamento e a autodeclaração. Parafraseando Steve Biko, ativista Anti-Apartheid africano, reconhecemos que a mente do oprimido é a arma mais poderosa nas mãos do opressor. O racismo opera na alienação, e o aumento da informação tem fortalecido a afirmação da identidade negra, refletindo no aumento da autodeclaração de pessoas negras, uma fusão das categorias pretas e pardas pelo IBGE.
Apesar dos avanços, o tema da raça, racismo e antirracismo permanece subexplorado no Brasil. O movimento negro tem desempenhado uma batalha árdua, mas a questão ainda não atingiu um nível de conscientização uniforme nas camadas populares e na maioria da classe média brasileira. Isso resulta em distorções, oportunismo e superficialidade no debate sobre identidade racial.
Nas últimas décadas, pesquisas genéticas revelaram que todos os seres humanos são geneticamente inter-relacionados, compartilhando uma ancestralidade africana comum. Essa constatação destaca que, do ponto de vista genético, somos todos mestiços. Contudo, é imperativo reconhecer que, na prática social, apenas aqueles que são brancos desfrutam plenamente de uma vida livre de humilhação e violência. Isso define o critério raça como um condicionante social.
Você se considera pardo?
Ao analisar a maneira como as políticas foram estabelecidas e as implicações que tiveram na sociedade, é imperativo compreender seus antecedentes sociais e históricos. Nesse contexto, com a redemocratização do país, alguns movimentos sociais começaram a exigir uma postura mais ativa do Poder Público diante de questões como raça, gênero e etnia, resultando na adoção de medidas específicas, como as ações afirmativas.
Em 2000, o Brasil vivenciou a implementação das primeiras cotas. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou uma lei que reservava metade das vagas das universidades estaduais para estudantes de escolas públicas. Um ano depois, uma nova lei determinou que 40% dessas vagas fossem destinadas a autodeclarados negros e pardos.
Contudo, com o surgimento das políticas de cotas, uma lamentável prática se instaurou: parte da população branca passou a “reconhecer-se” como parda para usufruir de programas e vagas públicas. Os brancos, que desejam manter seus acessos privilegiados, se camuflam de pardos para tirar vantagem da expansão das políticas de ações afirmativas.
Esse óbvio problema se dá porque, diferente do que o racismo fez com os negros, atribuindo mais violência às pessoas de pele com tom mais escuro, no caso brasileiro, não se aprofundou na construção da tipificação dos brancos, erro que bagunça o sentido e a efetividade das políticas públicas no Brasil, já que alguns brancos – por má fé ou ignorância – passaram a se autodeclararem pardos.
A questão que se coloca é: como definir quem é pardo/negro no Brasil?
A definição reside no fenótipo. Para o movimento negro, o pardo é aquela pessoa que, visualmente, apresenta um tom de pele mais claro, mas possui traços marcantes, como boca, cabelo ou nariz de características negroides. Definição de “negroide”: relacionado com ou semelhante às pessoas negras, especialmente quanto a traços físicos.
Uma maneira prática de responder a essa pergunta é imaginar-se em um jantar comemorativo exclusivo para médicos e médicas. Se você se sente comum nesse contexto, provavelmente não se identifica como negro. No entanto, se surgir uma dúvida sobre essa diferenciação e você se perceber como um corpo estranho nesse ambiente, é provável que você se veja como negro/pardo.
A triste realidade que une pretos e pardos no Brasil é evidenciada pelos alarmantes números da violência, que os colocam lado a lado nas estatísticas da população carcerária, da fome, da falta de emprego e das humilhações cotidianas. Essa convergência de desafios destaca a urgência de abordar as disparidades sociais profundamente enraizadas que perpetuam a marginalização desses grupos. É fundamental não apenas reconhecer a existência dessas desigualdades, mas também promover ações concretas para enfrentar as raízes estruturais do problema.
Herlon Miguel é bacharel em administração e mestrando em gestão de tecnologia aplicada à educação pela Universidade do Estado da Bahia, destaca-se como criador da plataforma “Ative a Cidadania”, dedicada à formação, capacitação e lançamento de autores e autoras negras. Além disso, é fundador da plataforma de comunicação “Negrito Lab”. Como escritor, ele também é autor do livro “Amar pode ser perigoso”.
O autor rotulou os pardos… somente isso diante do que poderia usar o termo miscigenação. Mas entendo….