Descolonize o sistema, liberte o futuro
O aquecimento global está diretamente ligado à injustiça social, por isso é fundamental englobar a interseccionalidade no debate e nas políticas voltadas ao combate às mudanças climáticas
O colapso climático é evidente e, portanto, a luta para combate-lo é urgente. Nós, enquanto juventude, entendemos que a pauta do clima representa hoje um dos maiores desafios na atualidade. Isso se deve, principalmente, pelo fato de que o aquecimento global está diretamente ligado à injustiça social. Quando pensamos em justiça climática, consequentemente estamos englobando na discussão diversas interseccionalidades, vinculando a defesa dos direitos humanos, as questões relacionadas a gênero, a justiça territorial e o combate ao racismo climático e ambiental.
Ainda que seja um problema partilhado globalmente, a relação entre mudança do clima e opressões estruturais fica escancarada quando observamos que o problema atinge de forma desproporcional determinados grupos sociais. O colapso socioambiental iminente é parte de uma crise estrutural ainda mais profunda. Inúmeros direitos são violados por conta das mudanças climáticas, incluindo o direito à vida, o que ressalta a emergência de discutir intervenções político-institucionais para a mudança do cenário, que devem ser discutidas e tomadas em nível global e implementadas em nível local e com a participação de todos aqueles que têm a sua existência e o seu futuro impactados por tais decisões.
Tais soluções coletivas e globais devem partir não apenas da mobilização da sociedade civil – com a greve mundial pelo clima que acontece neste dia 24 de setembro, como também dos poderes públicos e da iniciativa privada. A desproporcionalidade com que as pessoas são afetadas pelas mudanças climáticas acentuam a faceta social da justiça climática, mostrando que, no final dessa cadeia, três desigualdades ficam explícitas: raça, gênero e classe. Se pensarmos nos povos indígenas, por exemplo, a vulnerabilidade desse grupo, juntamente com o desinteresse do atual governo federal na preservação desses povos e culturas, culminam em diversas ameaças, como a invasão de garimpeiros e do chamado “desenvolvimento”, que não vincula a sua participação livre, prévia e informada, em seus territórios e a proliferação do Covid-19 nas aldeias.
Recentemente, muitas experiências mundo afora de justiça climática estão ganhando destaque pela mídia e pelos governos. Um desses movimentos é o da litigância climática, que atua de forma a provocar os atores públicos e privados, por meio do judiciário, por medidas efetivas contra as mudanças climáticas e seus efeitos. Outro exemplo a ser mencionado é o da decretação de cidades em emergência climática e serve para declarar, em níveis municipais, a calamidade pública quanto à questão ambiental. Também vale mencionar o atual movimento para tornar a emergência do clima um crime contra a humanidade e, assim, buscar respostas rápidas aos seus impactos.
Ao nos debruçarmos de forma sistêmica nas formas em que o racismo age também nas pautas climáticas, analisamos que essas desigualdades são fruto de um sistema político que se cega diante dos desastres ocasionados pelas mudanças climáticas, inclusive desvalidando dados científicos. Isso fica ainda mais evidente pelo fato de que tais grupos mais afetados são normalmente impossibilitados de agir de forma participativa na construção de políticas públicas com o objetivo de frear ou prevenir catástrofes. Dessa maneira, convidamos a todos a descolonizar o sistema, reflorestar seus pensamentos e re-aterrar as estruturas na criação de um mundo possível para toda a sociobiodiversidade e, por conseguinte, a nossa existência nessa Terra. Afinal, como bem disse Célia Xakriabá: “os limites dessa Terra estão em nossa consciência”.
Paloma Costa é conselheira jovem em clima do Secretário-Geral da ONU; Samela Sataré Mawé é indígena e jovem comunicadora da APIB; Marcelo Rocha é diretor do Instituto Ayika e ativista do Fridays For Future Brasil.; Gabriel Mantelli é advogado de direitos humanos e doutorando pela USP.