Desconfiança em relação ao Estado
Longe de ser realmente disputada em todo o país, as eleições de 6 de novembro se decidirão em um punhado de estados. Os demais, com domínio já consolidado por um dos campos, são negligenciados pelos candidatos. É o que se vê na Carolina do Norte e na GeórgiaSerge Halimi
As chances de eleição à Casa Branca de um candidato que fez fortuna no mercado financeiro teriam sido nulas quatro anos depois de uma crise provocada pelos bancos privados que os contribuintes salvaram do desastre. Mas a incerteza das eleições norte-americanas até o último momento se explica, sem dúvida, pela crescente desconfiança em relação às intervenções do Estado. E há razões para isso.
Em primeiro lugar, a alta dos déficits orçamentários – gerada pelos gastos de duas guerras simultâneas (Afeganistão e Iraque), pelo refluxo dos bancos e pela redução dos impostos tanto colossais como desiguais – colocou a questão da dívida pública na ordem do dia da vida política.1 Mas, agora, àqueles que suspiram “gostaríamos, mas não dispomos mais dos meios”, se misturam os que pensam nas relações incestuosas entre governos e empresas privadas e no caráter provocador da reconversão de ex-chefes de Estado em executivos, lobistas ou conferencistas de luxo. A antiga noção de desperdício burocrático, intermediários parasitas e grandes projetos inúteis ampliou-se para a suspeita de venalidade.2
O temível “isso custa caro e não funciona” já era uma arma de dissuasão contra qualquer medida social do Estado. Então, o que dizer quando a esse argumento se soma a convicção de que os eleitos se tornaram por demais distantes, corruptos e ligados aos interesses de uma oligarquia para servir ao bem comum? Mostrando-se liberal, a direita tira partido desse descrédito. E deixa cada um pensar que, para governar um país, é desejável que o candidato tenha administrado previamente uma empresa ou fundo especulativo.
No setor privado, contudo, as fraudes e pilhagens também abundam. Quem sabe o número de engenheiros, contadores e sociólogos formados à custa da coletividade que, todos os dias, desperdiçam seus talentos retocando o design de um carro, o brilho de uma embalagem, o filtro de um cigarro ou inventam contratos de seguros exóticos e se dedicam a encontrar brechas no fisco. O sucesso financeiro das empresas quase sempre é priorizado em detrimento da utilidade daquilo que produzem.
Às vezes, um escândalo respinga sobre algum patrão, elimina outro, mas sem colocar em questão as estruturas que originaram o problema e da qual eles tiram seu poder. Por outro lado, a prevaricação de um prefeito ou ministro, as submissões de um governo a um lobby e o financiamento duvidoso de uma campanha eleitoral afetam o Estado como um todo – enfraquecendo sua legitimidade de elevar um imposto, organizar o território, mobilizar uma nação.
Um pouco por todos os lados, as populações se inclinam em direção à mudança. Mas, diante da falta de ferramentas, antigas ou novas, para realizar seus anseios, tateiam, patinam e às vezes dão um passo para trás, contradizendo assim suas esperanças.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).