Desenvolvimento e meio ambiente
Não é verdade, portanto, como afirmam apressadamente alguns, que, na esfera ambiental, os cinco anos e cinco meses do governo Lula resultaram em “redondo fracasso”. Afirmar tal “fracasso” seria dizer que, à frente do Ministério do Meio Ambiente, Marina nada fez pela Amazônia.
A saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente constituiu um episódio dramático da mais importante batalha travada atualmente no país. Falamos do confronto entre dois modelos de desenvolvimento: aquele que não reconhece outra lógica que não seja a da acelerada realização e acumulação do capital; e aquele que, para além da retórica e em prol da sobrevivência no presente e da perspectiva de um futuro, incorpora, com realismo, mas também com firmeza, efetivos parâmetros sociais e ambientais. Marina, com sua trajetória admirável, faz parte do segundo time.
À frente do Ministério, juntamente com seus assessores, elaborou e pôs em prática o que chamou de “política ambiental integrada”. Esta se expressa em quatro diretrizes estratégicas:
1. Participação e controle social na formulação e implementação da política ambiental –que se traduziu na criação das conferências nacionais do meio ambiente;
2. Transversalidade da política ambiental – que conectou os temas ambientais aos temas de política agrícola, política agrária, saúde, educação etc., promovendo a interatividade entre os diferentes ministérios envolvidos;
3. Fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente – que, copiando o modelo do SUS (Sistema Único de Saúde), procurou articular as esferas federal, estadual e municipal no enfrentamento dos diferentes problemas ambientais;
4. Desenvolvimento sustentável – que buscou acoplar a agenda ambiental às agendas social e econômica.
A partir da adoção da “política ambiental integrada”, 13 ministérios passaram a trabalhar juntos em questões cruciais como a oposição ao desmatamento da Amazônia, combinando ações repressivas em relação aos desmatadores com ações estruturantes na promoção do desenvolvimento responsável e sustentável da região.
No âmbito das ações repressivas, para mencionarmos apenas alguns números, 1.600 empresas descumpridoras das normas ambientais foram fechadas na Amazônia nos últimos cinco anos. E cerca de 200 servidores do Ibama respondem agora a processos administrativos por prática ilegal, conivente com a ilegalidade de empresas agropecuárias ou madeireiras1. Em um primeiro momento, essas e outras ações surtiram efeito, pois, como se sabe, a taxa de desmatamento caiu de 27.379 km2, na virada de 2003 para 2004, a 11.240 km2, entre agosto de 2006 e agosto de 20072.
No âmbito das ações estruturantes, as diretrizes da “política ambiental integrada” convergiram na formulação do PAS (Plano Amazônia Sustentável), que abarca cinco linhas de atuação:
• Produção sustentável com inovação e competitividade;
• Gestão ambiental e ordenamento territorial;
• Inclusão social e cidadania;
• Criação de infra-estrutura para o desenvolvimento;
• Estabelecimento de novo padrão de financiamento.
Não é verdade, portanto, como afirmam apressadamente alguns, que, na esfera ambiental, os cinco anos e cinco meses do governo Lula resultaram em “redondo fracasso”3. Afirmar tal “fracasso” seria dizer que, à frente do Ministério do Meio Ambiente, Marina nada fez pela Amazônia.
O relevante – isso sim – é que o necessário aprofundamento das ações repressivas e estruturantes exige toda uma revisão paradigmática acerca da ocupação da Amazônia e do desenvolvimento em geral. E a manutenção ou substituição de um paradigma é uma questão de correlação de forças. Ainda faz parte do pensamento dominante a ideia de que “terra produtiva é terra desmatada” – opinião esposada pelos gigantes do agronegócio4 e seu vasto séquito de representantes políticos e midiáticos. Enquanto o mercado internacional de commodities operava em “condições normais”, os porta-vozes do agronegócio e os ambientalistas conseguiram manter um mínimo de interlocução. Mas, com a crise agrícola mundial e a disparada dos preços das commodities5, os grandes produtores mudaram de tática e partiram para o embate frontal.
O resultado, como sabemos, foi o recrudescimento do desmatamento, que, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), apenas nos meses de agosto a dezembro de 2007, teria somado 7 mil km2 ao montante das terras devastadas6. O que mais preocupa é que a maior parte desse desmatamento ocorreu no período de novembro/dezembro, quando, devido às chuvas, geralmente não se praticam queimadas. Ou seja, a ganância do agronegócio não reconhece sequer os impedimentos naturais. É de se esperar que ceda às ponderações e argumentos?
Diante da ação desenfreada dos desmatadores e sem receber em contrapartida sinais inequívocos de apoio da parte do núcleo central do governo, Marina sentiu-se sem sustentação e renunciou. Disse que o fazia para não comprometer as conquistas – reais – obtidas em seu período à frente do Ministério.
Tais conquistas estarão mais uma vez em jogo nos próximos meses. É bem conhecida a relação entre o acesso ao crédito (público ou privado) e o desmatamento. Aonde mais chega o dinheiro, mais se desmata. No dia 1º de julho, entra em vigor uma medida do governo que praticamente impede o crédito a proprietários rurais que descumpram as normas ambientais. Resta saber se a Presidência e seus círculos mais próximos terão pulso firme para fazer com que essa disposição não fique apenas no papel.
*José Tadeu Arantes é jornalista, foi editor de Le Monde Diplomatique Brasil entre agosto de 2007 e agosto de 2008.
1 Dados disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente.
2 ONG Fase, “Amazônia: sob a ação do fogo e da motosserra”, Le Monde Diplomatique Brasil nº 9, abril de 2008.
3 Clóvis Rossi, “Fracasso na floresta”, Folha de S.Paulo, 28 de maio de 2008.
4 “Não se faz omelete sem quebrar ovos”, afirmou o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, considerado o maior produtor individual de soja do mundo. Ver sua entrevista a Rodrigo Vargas, “Com roupa de policial, garotos acham que vêm salvar o mundo”, Agência Folha, 26 de maio de 2008. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2605200813.htm.
5 Dominique Baillard, “Tumulto na produção mundial de cereais”, Le Monde Diplomatique Brasil nº 10, maio de 2008.
6 ONG Fase, op.cit.