Direitização, modo de usar
Passeatas, participação em eleições, exercício do poder. Esses três tipos de ação política apresentam uma característica comum: as classes populares os ignoram ou são afastadas deles.Serge Halimi
Passeatas, participação em eleições, exercício do poder. Esses três tipos de ação política apresentam uma característica comum: as classes populares os ignoram ou são afastadas deles. Quando, em 11 de janeiro de 2015, milhões de franceses demonstraram sua solidariedade às vítimas dos atentados de Paris, a mobilização das classes médias contrastou, mais uma vez, com a manifestação mais modesta dos operários e da juventude dos bairros pobres. Há tempos que as “ruas” vêm se aburguesando. As urnas também. Praticamente a cada eleição, a taxa de participação cai proporcionalmente à renda. E a “representação nacional” não é mais bem distribuída, pois seu rosto se confunde com o das classes superiores. Será a política um esporte de elite?
Já se vê isso no caso da esquerda europeia. Fundado no início do século XX pelos sindicatos, o Partido Trabalhista britânico tinha por vocação representar o eleitorado operário. Em 1966, 69% dos trabalhadores lhe davam seu voto: esse eleitorado caiu para 45% em 1987 e para 37% no pleito de 7 de maio último. O blairismo acha que é necessário priorizar as classes médias. Missão cumprida: foi com o eleitorado mais burguês de sua história que os trabalhistas amargaram uma derrota retumbante nas urnas.
“O desgosto crescente dos meios populares pelos partidos de esquerda, observável em todas as democracias ocidentais eletivas”, afirma o especialista em política Patrick Lehingue, “não está sem dúvida distante da rarefação dos eleitos que, oriundos de meios desfavorecidos, conhecem suas condições de vida.” Vejamos: em 1945, um quarto dos deputados franceses eram operários ou assalariados antes de serem eleitos; hoje, estes não passam de 2,1%. Em 1983, 78 prefeitos de cidades com mais de 30 mil habitantes ainda provinham dessas duas categorias sociais (que continuam majoritárias na população); trinta anos depois, restavam apenas seis.1
Sistema representativo, este? Mais da metade dos norte-americanos acha que o Estado deveria redistribuir a renda taxando pesadamente os ricos. Destes – é natural –, só 17% pensam assim.2 O funcionamento das democracias ocidentais garante, porém, que sua opinião prevaleça também aí, sem debate real. Quanto mais as táticas de despistamento empregadas pelos meios de comunicação controlados por uma classe consciente de seus interesses continuam a confundir o debate público – e a atirar as classes populares contra as outras –, mais essa classe se torna serena.
Quando esse sistema se desgasta, só resta convocar especialistas muito sábios para nos lembrar que a apatia de uns, como a cólera de outros, se explica pela “direitização” de nossas sociedades…
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).