E se o Próximo fosse o Irã?
Serge Halimi
As balas que matam podem ser xiitas ou sunitas, moderadas ou radicais, pró-ocidentais ou “anti-imperialistas”. As populações que morrem, também. Mas os regimes que atiram se parecem entre si. O de Trípoli, aliás, foi capaz de substituir a celebração da magia da revolução mundial por um recrudescimento da vigilância das fronteiras da União Europeia.
As mesmas falsificações também colocam no mesmo saco governos que tudo parece diferenciar. Assim, Teerã afirmou detectar na insurreição democrática árabe as premissas de um “despertar islâmico” inspirado na revolução iraniana de 1979. Israel recuperou essa comparação fantasiosa, só que para fingir alarmar-se com ela. Contudo, quando opositores iranianos quiseram saudar os manifestantes do Cairo, a teocracia no poder mandou atirar neles. O exército israelense, por sua vez, não massacra civis desarmados – exceto quando eles são palestinos. Mas Benjamin Netanyahu execra até mais do que Teerã a exigência de liberdade da juventude árabe. Pois ela poderia privar seu país de excelentes parceiros, autocráticos, porém pró-estadunidenses. Ela também acarreta o risco de impedir Israel de proclamar-se a “única democracia da região” para melhor enfatizar as ameaças que pairam sobre ele. Só lhe restaria então concentrar-se no espantalho iraniano.
Ora, as tensões com Israel e as sanções internacionais fazem com que o regime de Teerã, entusiasmado com a fraqueza de seus grandes rivais regionais – Egito e Arábia Saudita – reative seu discurso nacionalista. Isso lhe é tanto mais útil que o movimento verde de 2009 não foi aniquilado pela repressão ininterrupta que desabou sobre ele. O Guia supremo Ali Khamenei esperava que a “vacina” dos enforcamentos e das torturas tivesse destruído os “germes” da contestação. Infelizmente para ele, as insurreições árabes assim como o contraste humilhante entre uma população instruída e um sistema político arcaico estão minando a legitimidade já abalada do seu regime. Então, apesar de não mandar a força aérea metralhar a multidão dos descontentes, à maneira líbia, o clã religioso no poder não deixa por menos e incentiva os clamores assassinos dos seus seguidores.
Assim, um dia depois de uma forte mobilização da oposição, 222 dos 290 deputados exigiram que fossem processados Mehdi Karroubi e Mir Mussein Moussavi, dois antigos dignitários do regime que vivem em prisão domiciliar desde que eles se posicionaram contra o Guia supremo. Então, em 18 de fevereiro, Teerã foi palco de uma manifestação destinada a “expressar ódio, cólera e nojo diante dos crimes selvagens e repugnantes dos chefes do motim e dos seus aliados hipócritas e monarquistas”. Acusados de serem “agentes sionistas”, “arruaceiros e sediciosos”, eles foram ameaçados de morte.
Ainda que ele careça cruelmente de imaginação e de vocabulário, não faltam apoios ao regime teocrático; as admoestações ocidentais deixam-no indiferente.
Mas a sua existência é frágil, uma vez que, conforme lembrou em 14 de fevereiro o presidente turco Abdulah Gul, durante uma visita em Teerã: “Quando os chefes de Estado não dão ouvidos às demandas da sua nação, são os próprios povos que se encarregam disso”.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).