Economia digital como caminho para a reindustrialização do Brasil
País perde oportunidade de diversificar sua indústria ao priorizar setores defasados
As novas tecnologias servem como propulsores de inovação e transformação digital. Há anos, um caminho vem sendo pavimentado para promover, fortalecida pela economia digital, uma nova indústria de impacto global. Nesse cenário, o Brasil está em desvantagem em relação aos outros países e pode perder a oportunidade de se desenvolver de forma eficaz.
O Brasil enfrenta um processo de desindustrialização que foi intensificado entre os anos 2017 e 2022. Na década de 1980, a indústria representava, praticamente, metade do PIB brasileiro e em 2022 fechou em pouco mais de 20%. Isso é reflexo de ausência de políticas públicas e investimentos em prol do setor. Ao observar a indústria de transformação brasileira, o cenário também é desfavorável: em 1985 ele representava 36% do PIB e em 2021 ficou em 11%.
Um importante artigo escrito pela professora Carmem Feijó, da Universidade Federal Fluminense, em parceria com o professor José Luis Oreiro aponta que um dos fatores que induz a desindustrialização é o chamado processo de “globalização”, onde diferentes países podem se especializar em bens (China) e serviços (Estados Unidos). Assim, alguns países podem desenvolver suas economias em indústrias específicas em diferentes graus de complexidade. Por outro lado, o processo de desindustrialização é um fenômeno que terá um impacto negativo em relação ao crescimento em longo prazo. Como consequência, terá queda no progresso técnico e um aumento na restrição externa ao crescimento.
O Brasil ensaiou ser um protagonista em alguns setores – talvez o principal tenha sido o petróleo, com a Petrobras sendo uma importante empresa focada em investimentos em inovação na extração, refino e distribuição de derivados. Porém, a extrema-direita e sua agenda liberal preferiu derreter a companhia e tornar o país em uma grande fazenda, focando no agronegócio.
Nota-se um movimento inverso de outras economias que buscaram a utilização de novas tecnologias e criaram políticas públicas e investimentos nesse sentido. Assim, o Brasil perde uma oportunidade de diversificar sua indústria ao priorizar setores defasados.
A “economia de plataforma” apresentou um crescimento exponencial em diferentes países. Claramente, utilizando a estrutura de algoritmização do capitalismo, há um domínio dos Estados Unidos e da China enquanto o Brasil tem menos empresas desse segmento que cidades como Nova York, Londres e Tóquio. Aliás, San Francisco, San Jose, Los Angeles, Irvine, Sunnyvale, Santa Clara, Santa Monica, Wilmington, San Mateo, San Diego, Palo Alto e Redwood concentram 17% das companhias de plataformas nos Estados Unidos.
A indústria algorítmica está em franca expansão e traz diferentes propostas em diversos segmentos. Claramente, o setor da comunicação e informação é o que possui maior participação na Economia de Plataformas (54%) e há crescimento em diferentes setores, tais como atividades técnicas e qualificadas (9,7%), financeiro (5,8%) e entretenimento (2,6%), segundo dados de artigo escrito por três pesquisadores de economia industrial.
É evidente que o uso da algoritmização está presente e em expansão na economia digital. Cabe salientar que no atual arcabouço capitalista, a algoritmização é imprescindível tanto na exploração do trabalho como na extração de informações de consumidores para aumentar lucros.
A indústria digital converge para a exploração de emoções. Assim, não cabe apenas o monopólio da atenção, é necessário que o capitalismo expanda seus tentáculos para obter mais lucro por meio do rompimento da privacidade com uso de algoritmos. Os vícios em redes sociais ou em jogos de apostas por plataformas são exemplos claros de como o capitalismo algoritmizado avança para ser um explorador de emoções e faz seus usuários ficarem plugados o máximo de tempo possível em seus aplicativos.
Contudo, a economia digital pode ser direcionada para fora dos muros da algoritmização que, como dito anteriormente, arrefece aquilo que entendemos como privacidade. É possível e necessário a criação de empresas que sejam socialmente responsáveis e que entendam os limites éticos de uma sociedade conectada. Assim como vemos hoje um movimento para que a indústria seja sustentável e limpa, a economia digital terá pressões para que seja responsável socialmente e garanta o direito à privacidade.
Há, assim, um caminho para que o Brasil avance em uma agenda da economia digital. Primeiro, que não crie um ecossistema de exploração de indivíduos em uma estrutura de trabalho sem formalização e regulação, como é observado atualmente. Segundo, é necessário que sejam criadas políticas públicas de investimento na indústria digital em diferentes setores.
A indústria digital não precisa, necessariamente, de grandes espaços físicos para desenvolver seus serviços e produtos. Muitos profissionais, inclusive, podem trabalhar de forma remota, o que permite a abertura de vagas em diferentes cidades sem que haja a necessidade de locomoção de pessoas. Assim, há um grande potencial de geração de empregos em diferentes regiões do país.
Desse modo, a reindustrialização a partir de um modelo digital permite que cidades e estados encontrem soluções para reduzir taxas de desemprego e melhorar a arrecadação a partir da instalação de empresas em seus territórios.
É necessário, ainda, que o Estado envolva a universidade na expansão da economia digital. O Rio de Janeiro é um exemplo claro dos impactos da desindustrialização, com o derretimento da Petrobras que pôs fim a milhares de empregos diretos e indiretos, e de como é possível potencializar a relação Estado-universidade com o foco em inovação. Atualmente, quatro universidades federais (UFF, UNIRIO, UFRJ e UFFRJ), duas estaduais (UERJ e UENF) e centros de pesquisa como o IMPA e Fiocruz e institutos de tecnologia (CEFET e IFRJ) podem ser locais com grande potencial para produção de novas tecnologias e auxílio para capacitação na economia digital.
A cidade do Rio de Janeiro vem buscando se tornar uma capital da inovação no Brasil, contudo, não basta apenas boa vontade, é preciso criar um arcabouço estratégico para que, de fato, isso ocorra. As Naves do Conhecimento, que são equipamentos da Prefeitura do Rio de Janeiro que têm o objetivo de capacitação de jovens para o meio digital, devem ser vistas como bons equipamentos públicos para a capacitação de profissionais, contudo, atualmente há cursos que necessitam de mais módulos, bem como, é necessário construir mais polos espalhados pela cidade e oferecer cursos mais específicos para a capacitação profissional para a economia digital. Ainda, ser uma capital da inovação não é apenas atrair empresas para a cidade e sim, ser um polo capaz de potencializar empreendimentos locais. Ou seja, o foco não deve ser atrair as big techs para abrirem escritórios e sim, criar mecanismos para que startups e empresas de tecnologia locais possam se desenvolver.
Percebe-se que o Brasil é mais consumidor que produtor de tecnologia, como é observado nos relatórios da SensorTower. Dentre os vinte aplicativos mais baixados no mundo em 2022, nenhum é brasileiro. Apenas na categoria de saúde e medicina, o Conecte SUS apareceu, justamente, por conta da necessidade de apresentação de comprovantes de vacina. Ao fazer um recorte só com aplicativos baixados no Brasil, há um destaque para empresas públicas como Caixa e Gov.br.
É notório que o setor financeiro brasileiro se destaca em inovação, mas ainda dependem de outras empresas estrangeiras de tecnologia para suas operações. A dependência de tecnologias de outros países também é observada em diversos setores, como o e-commerce, por exemplo. Assim, o Brasil não consegue ser tecnologicamente autônomo e precisa de tecnologia de fora para que possa desenvolver seus negócios.
No segmento de mídia e entretenimento, o Brasil também perde espaço para empresas estrangeiras. De acordo com o relatório do IAB Brasil, em 2022 a publicidade digital brasileira movimentou mais de R$ 32 bilhões e maior parte desse montante foi para Meta (Facebook), Alphabet (Google) e ByteDance (TikTok).
A maior parte dos trabalhadores envolvidos com alguma tecnologia no Brasil está em atividades algoritmizadas, utilizando plataformas como Uber e iFood. Ou seja, a maioria dos profissionais trabalhando para empresas de tecnologia está na informalidade, sem direitos e explorada pelos algoritmos. Não são programadores e nem estão inseridos em alguma atividade de construção de novas tecnologias – por mais que alguns deles possam ter alguma qualificação para tal – e sim, fazendo corridas ou realizando entregas.
Assim, a economia digital brasileira está ancorada no consumo ou no trabalho informal e com baixa produção tecnológica, mesmo que tenhamos uma estrutura acadêmica com diversas universidades públicas capazes de formar profissionais com habilidades necessárias para desenvolver tecnologias e inovação.
O terceiro governo Lula tem a oportunidade de reindustrializar o país a partir da economia digital, buscando crescimento em diferentes setores. A agenda econômica brasileira ainda está presa no século XX e propõe soluções obsoletas para demandas atuais, basta observar as políticas monetárias do Banco Central. É sabido que Campos Neto não é uma indicação do atual governo, porém, Haddad não vem dando sinais claros para o desenvolvimento nesse novo modelo econômico.
Outro ponto a se destacar é como o governo pode regulamentar o trabalho algoritmizado e, principalmente, regular os algoritmos que atuam no mercado. Assim, é preciso garantir que trabalhadores e trabalhadoras tenham direitos garantidos de seus ofícios na economia digital.
Percebe-se que a economia digital tem potencial de reconfigurar a estrutura geopolítica atual. Logo, é preciso refletir como o Brasil irá se inserir nesse contexto e, principalmente, como ser um agente relevante na indústria tecnológica, inclusive, na América do Sul, onde o Brasil tem a capacidade de ser o líder e construir um grande bloco econômico.
Portanto, é necessário construir um projeto de Estado em que a economia digital esteja no centro de uma agenda de desenvolvimento tecnológico-industrial. É importante frear a desindustrialização que ocorre por décadas a partir de uma nova perspectiva econômica que priorize as demandas no século XXI. O Brasil é capaz de se reindustrializar a partir do modelo econômico digital. Para isso é preciso que o Estado invista em políticas públicas que sejam capazes de construir uma estrutura sólida para que profissionais sejam capacitados para desenvolver empresas digitais.
Herbert Salles é doutorando em Economia pela UFF.
Não foi a extrema direita quem desindustrializou o Brasil. Esse fenômeno começou com Collor, mas teve seu ápice com FHC e Lula, que destruíram a indústria naval, a militar, de transportes – aéreos principalmente e muito mais. Basta ver o que aconteceu com a Villares, a Ishibras, a Elebra, a Engesa, a Vasp, a Varig, a Mafersa, etc, etc, etc…