A menos de um mês das eleições, a discussão sobre projetos de educação que abrangem a complexidade do território nacional se torna cada vez mais latente. Nesse contexto, a programação do primeiro dia do 6º Congresso Internacional de Educação da Jeduca contou com a contribuição de educadores fora do eixo sudeste-sul para levantar essa pauta.
“É preciso tornar familiar o que é estranho”, comenta a professora e ex-secretária municipal de educação, Kátia Schweickardt. Esse foi um conselho endereçado aos jornalistas presentes na mesa “Educação na Amazônia: os desafios do ensino público na maior floresta tropical do mundo”. Para cobrir a educação na Amazônia é fundamental que se abandone uma imagem cristalizada de que sua totalidade se traduz somente na vasta vegetação “Há muito mais sob as copas das árvores”, complementa a educadora, que hoje é professora na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Segundo Kátia, causas ambientais, muitas vezes trazidas por pessoas de fora, não conseguem envolver as populações locais, sobretudo as que se encontram em situação de vulnerabilidade social. A educação como direito básico tem o papel de engajar essas pessoas em causas que as envolvem diretamente e seu território.
Ao lado dela, Raimundo Kambeba, gestor da escola indígena Kanata T-Ykua, também fala sobre a desconstrução de uma ideia pré-estabelecida do que é a educação na Amazônia. Além do problema da generalização das etnias presentes no território, desconsiderando suas especificidades culturais, também é controverso ir até lá para avaliar a situação com métricas baseadas em um modelo de educação do sul do país.
Às vésperas da publicação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que revelará os impactos da pandemia na educação básica do país nos últimos dois anos, os palestrantes questionam sua eficiência em avaliar escolas brasileiras em regiões mais afastadas do centro-sul. O modelo desse índice e de outras avaliações de educação em larga escala ainda se pautam somente em projetos pedagógicos do sudeste, e são incapazes de avaliar o ensino de todo o território amazônico.
Pedagogia intercultural indígena
Raimundo Kambeba é mestre em educação pela UFAM e um “indígena professor”, como ele mesmo se apresenta. “Eu nasci indígena, e estudei para ser educador”. Na escola indígena onde atua, na zona rural de Manaus, conta que o desafio de unir o saber universal e o saber multicultural etnico é superado através de projetos pedagógicos que incentivem os alunos a valorizar a própria cultura. Em uma escola indígena, os mais velhos são chamados para compartilhar conhecimentos tradicionais, e também para aprender. O papel do indígena professor é sistematizar esses conhecimentos e transmitir para os mais jovens. “Toda pedagogia deve ser intercultural”.
Quando questionado sobre como as dificuldades – falta de infraestrutura, distância e a atenção do poder público – podem desmotivar os e as estudantes a dar continuidade aos estudos, tanto na educação básica como a nível superior, Raimundo rebate com sua própria experiência. Conta que sua motivação para tornar-se professor veio do entendimento de que as comunidades precisam de representantes que entendam sua linguagem e cultura e que permitam que essa comunidade fale por si. Essa visão compartilhada por ele é valiosa para jornalistas que pretendem cobrir e retratar a educação indígena, sem se tornarem reféns de estereótipos e “síndromes de salvador”.
Kátia complementa que as políticas públicas de educação para a região amazônica, sobretudo nas áreas mais afastadas dos grandes centros, devem ser pensadas a partir de novas metodologias, que não se baseiam em análises quantitativas. “Se a métrica usada para elaborar um novo projeto de educação for baseada em número de alunos, as metas educacionais não serão atingidas”. O Ideb, por exemplo, tem como uma de suas bases o Sistema de avaliação de educação básica (Saeb), que não é aplicado em 805 escolas do município de Manaus. De acordo com a professora, apesar de importantes para a elaboração de um projeto de educação para 2023, as avaliações em larga escala são insuficientes.

Cobertura da imprensa e o uso das tecnologias nas comunidades
Raimundo e Kátia também comentam sobre a importância da parceria entre a comunicação e a educação para desestigmatizar o ensino básico na região amazônica. “Os jornalistas são nosso potencial para melhorar a educação”, comenta Kátia. Para ambos, a comunicação é uma ferramenta fundamental para entender como se articulam os saberes tradicionais em determinadas regiões.
No entanto, durante a pandemia, o Ministério da Educação (MEC) enfrentou um “apagão” de dados e sua atuação foi prejudicada pela constante troca de gestão: foram cinco ministros em quatro anos de governo. Essa desorganização, segundo Kátia, não permitiu que se tenha bases confiáveis de dados para dimensionar, com precisão, as defasagens no aprendizado nesse período. Além disso, a fiscalização da implementação de novas tecnologias no território amazônico não foi feita pelo Ministério das Comunicações, que deveria atuar em parceria com o MEC. Durante a quarentena, houve uma ascensão das chamadas Edutechs, que pouco contribuíram para sanar as dificuldades na área da educação, sobretudo pela falta de capilaridade de suas ações e a desconsideração com outras formas de conhecimento. “Tecnologia não é só computador”, comenta ela.
Para Raimundo, também é preciso cautela ao inserir essas novas ferramentas em comunidades tradicionais. Ele conta que, sobretudo entre os jovens, há uma tendência de predileção de conhecimentos digitais em detrimento dos conhecimentos tradicionais que estão ligados a suas etnias, e que são transmitidos pela família e pela comunidade em que vivem. Por outro lado, o equilíbrio no uso dessas tecnologias pode ser importante para a manutenção desses conhecimentos tradicionais. Hoje, o contato de jovens e crianças indígenas com as mídia digitais pode ser um canal para ampliar a potência dos saberes de seus povos, preservar a memória e permitir que eles sejam porta-vozes de sua própria cultura, atuando como influenciadores.
O educador também comenta que acredita que assim como os não indígenas devem aprender com os indígenas, o contrário também precisa acontecer. Ao falar sobre os indígenas professores de sua comunidade, ressalta que eles devem saber educar em escolas indígenas, mas também não indígenas e que a formação desses profissionais só é possível através de um projeto de educação à longo prazo, indissociável de uma lógica coletiva. ele cita Paulo Freire e conclui sua fala ressaltando a importância de qualquer conhecimento: “É preciso proporcionar um encontro dos saberes, e não uma hierarquização”.
Laura Toyama é estudante de jornalismo da USP.