Eleições 2022: polarização e nacionalização de todas as disputas
O mapa eleitoral demonstra que o futuro próximo da política seguirá polarizado entre o campo progressista no governo com Lula e a extrema-direita bolsonarista na oposição. O modo como cada um desses campos vai se configurar está em aberto e depende de muitas variáveis
Às vésperas do 2º turno presidencial, as pesquisas eleitorais convergem para uma consolidação da vantagem de Lula sobre Bolsonaro. Todos os levantamentos têm mostrado o petista na faixa dos 53% dos votos válidos contra 47% do líder da extrema-direita.
Tal cenário sinaliza uma recuperação de Lula quanto ao clima do momento imediato pós votação no 1º turno, quando Bolsonaro teve um resultado maior que o apontado pelas pesquisas e conseguiu criar uma “onda” a seu favor. Os levantamentos de opinião de voto do começo do 2º turno apontaram que a vantagem do ex-presidente Lula estava sendo corroída lentamente e o que se via era uma redução para um patamar de 52% a 48%.
Três eventos serviram para mudar isso, permitindo que Lula retomasse a vantagem eleitoral: o abjeto relato de Bolsonaro que afirmou “ter pintado um clima” com meninas venezuelanas de 14 anos, em 14 de outubro; a declaração de Guedes sobre a proposta do futuro governo Bolsonaro de desindexar o salário mínimo e a aposentadoria da inflação, produzindo perdas na renda dos mais pobres, em 19 de outubro; e o episódio de resistência fascista de Roberto Jefferson, aliado do presidente que disparou três granadas e cinquenta tiros de fuzil contra a Policia Federal em 23 de outubro.
Em paralelo a esses eventos, a campanha de Lula foi capaz de retomar a dianteira nas ruas, fazendo atos massivos nas duas regiões com maior número de eleitores, o Nordeste e o Sudeste, aqui com indiscutível protagonismo de Simone Tebet; e de disputar de igual para igual com o bolsonarismo, a partir do protagonismo do deputado federal André Janones, que utiliza os mesmos métodos de gestão das redes sociais que os bolsonaristas. A ação de Alexandre de Moraes na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também foi muito importante, endurecendo o cerco contra as plataformas e contra a campanha de Bolsonaro quanto às fake news.
Para completar o quadro, Bolsonaro iniciou uma mobilização contra a lisura das eleições a partir de uma denúncia feita no dia 25 de outubro sobre uma suposta não inserção de materiais da campanha de Bolsonaro em rádios no Nordeste. Mais uma vez sem apresentar provas, Bolsonaro já reagiu ao arquivamento do processo pelo TSE, ameaçando “ir às últimas consequências”. Seus aliados bolsonaristas falam em adiar a eleição, enquanto os políticos do Centrão que o apoiam seguem se recusando a aderir ao caminho golpista.
Para além do que vai acontecer no domingo, dia 30 de outubro, com a provável vitória de Lula e o não reconhecimento do resultado por Bolsonaro, as eleições de 2022 também organizaram o quadro político institucional brasileiro para os próximos quatro anos. Vamos aqui analisar duas dimensões: a do parlamento e dos governadores. Em ambos o resultado foi uma polarização e uma nacionalização inédita das disputas que reproduz o quadro presidencial: não apenas entre esquerda e direita, mas entre democracia e autoritarismo.
A polarização na Câmara dos Deputados e nacionalização nas Assembleias Legislativas
Na Câmara dos Deputados, os partidos de Bolsonaro e Lula saíram com as duas maiores bancadas parlamentares. O PL elegeu 99 deputados enquanto a federação do PT, Pc do B e PV obteve 80 parlamentares. Quando se somam os campos políticos, os três partidos considerados Bolsonaristas chegam a 187 deputados e o bloco de esquerda, incluindo a federação PSOL e Rede e também o PDT e o PSB, somam 125 congressistas. Por fim, o total de deputados dos partidos de direita tradicional chega a 201. Ocorre que estes não formam um bloco coeso. O cenário então é de polarização entre esquerda e o bolsonarismo, com a ressalva que cerca de ⅓ dos deputados eleitos pelos partidos bolsonaristas são oriundos da política tradicional e dificilmente farão oposição radical a um futuro governo Lula.
Um futuro governo Lula terá o desafio de, mais uma vez, atrair setores da direita tradicional, como é o caso do MDB que já se aliou a Lula no Nordeste, Rio de Janeiro e Pará e que agora se soma integralmente com Simone Tebet. A novidade é que pela primeira vez será preciso enfrentar uma oposição de extrema-direita radical com pelo menos o mesmo tamanho do bloco de esquerda, isso porque projetamos saídas de políticos pragmáticos dos partidos bolsonaristas que deve chegar a um terço dessas bancadas.
O mais interessante é que, de maneira também inédita, essa polarização se reproduziu nas Assembleias Legislativas estaduais, demonstrando que as disputas nacionais se impuseram às locais. Os partidos de Bolsonaro e Lula conquistaram as maiores bancadas: o PL foi o mais votado e somou ao todo 126 deputados estaduais. Já o PT foi o segundo, chegando em 117 parlamentares estaduais. O MDB que havia sido o partido com mais deputados estaduais em 2018, caiu para a terceira posição; e o PSDB, que era o quarto, caiu para a oitava posição.
É interessante notar também que, enquanto as federações da esquerda que apostaram em colar sua imagem com Lula cresceram, não só do PT, PC do B e PV mas também PSOL e REDE, os partidos de esquerda que buscaram um afastamento – como o PDT – ou uma independência – caso do PSB – viram seu tamanho diminuir no plano estadual assim como no plano federal.
A polarização e a nacionalização nas disputas para os governos estaduais
Dos 27 executivos estaduais que estavam em disputa, 15 já foram resolvidas no 1º turno: Acre, Amapá, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins. E em 11 desses estados o que se viu foi uma disputa polarizada e nacionalizada entre um candidato bolsonarista e um lulista: Acre, Amapá, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro.
As exceções foram Goiás, Roraima e Tocantins, em que as disputas se deram entre candidatos bolsonaristas; e Rio Grande do Norte, em que os dois primeiros colocados no pleito apoiaram Lula. Isto significa dizer que mesmo nesses casos, a nacionalização foi a regra, embora sem polarização pelo tamanho da hegemonia de um dos lados. Ou seja, nenhum candidato da chamada terceira via venceu um governo estadual no 1º turno.
Em 12 estados teremos 2º turno para governador. São eles: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo. Em cinco desses as disputas se dão entre um candidato bolsonarista e um candidato lulista: Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Santa Catarina e São Paulo.
Novamente, as exceções se concentram em estados nos quais um dos campos tem tanta força que inviabiliza a polarização. É o que ocorre no Mato Grosso do Sul e Rondônia, em que os dois candidatos no 2º turno são bolsonaristas.
E também em quatro estados da região Nordeste, cuja força do presidente Lula levou ACM Neto (UB), na Bahia, Pedro Cunha Lima (PSDB), na Paraíba, e Raquel Lyra (PSDB), em Pernambuco, a declararem neutralidade; e Fábio Mitidieri (PSB), em Sergipe, a declarar apoio a Lula. Todos disputam ou com candidatos petistas (Bahia, Paraíba e Sergipe) ou com uma figura que recém saiu do PT, e que mantém fortes laços com Lula, como é o caso de Marília Arraes, em Pernambuco.
Por fim, o único estado em que um candidato da terceira via pode se eleger é o Rio Grande do Sul, em que o ex-governador Eduardo Leite (PSDB) lidera as pesquisas de intenção de voto contra o ex-ministro e um dos principais expoentes do bolsonarismo, Onyx Lorenzoni (PL).
Porém, vale lembrar que, mesmo nesse caso da disputa pelo governo gaúcho, Leite conquistou a vaga no 2º turno com apenas 2.500 a mais que o candidato petista Edegar Pretto. Ou seja, por muito pouco que a polarização nacional não se impôs em todos os estados da federação.
A polarização e a nacionalização nas disputas para o Senado
Por fim, mas não menos importante, podemos afirmar que os 24 dos 27 senadores eleitos em 02 de outubro se vincularam diretamente a um dos polos nacionais, sendo apenas três eleitos com neutralidade. No total, foram 16 bolsonaristas e oito lulistas eleitos.
Considerações finais
Esse mapa eleitoral demonstra que o futuro próximo da política seguirá polarizado entre o campo progressista no governo com Lula e a extrema-direita bolsonarista na oposição. O modo como cada um desses campos vai se configurar está em aberto e depende de muitas variáveis. Por exemplo, se o governo Lula terá sucesso em cumprir sua principal promessa, que é melhorar a vida das pessoas. Ou então, se haverá alguma punição para Bolsonaro, que estará sem foro privilegiado, ou se ele seguirá solto para fazer política.
Outra questão fundamental é se a direita tradicional conseguirá se reorganizar. Não será fácil, uma vez que esse campo só contará com poucos governadores eleitos, como Eduardo Leite e talvez Raquel Lyra. O problema é que ambos governarão estados em que a os polos lulista e bolsonarista seguirão fortes por muito tempo, o que certamente trará dificuldades para suas gestões.
Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (Opel) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (Nudeb).