Eleições vazias
Majoritária na França, a abstenção atingiu 59,5%. Na Alemanha foram 56,7% e na Eslováquia, 80,4%. Como quem vota são os mais velhos e não os jovens, pela simples renovação demográfica essa situação deve piorar em breve. Desenha-se um futuro de regimes democráticos sem eleitores
Domingo, 7 de junho de 2009, 14 h. Na sala de votação há somente três eleitores: um idoso de terno e gravata e duas senhoras de cabelos brancos bem penteados. Uma delas se confunde diante da mesa de cédulas. Nessa região da França são 24 listas. Vindo em sua ajuda, o presidente da sala esclarece que basta utilizar duas cédulas. Ela pega três. A impressão é a de estar assistindo a um ritual meio fora de moda, pelo qual alguns adeptos ainda se sacrificam: o sufrágio universal.
A instituição volta a ser incerta, como em seu início, em 1848, quando, adotada para colocar um fim à insurreição parisiense de fevereiro, seus defensores se perguntavam se os homens – então os únicos a participar – iriam votar, e se o fariam em ordem.1 Afinal, que razões eles teriam de fato para deixar seu trabalho e sua aldeia e designar representantes em um Parlamento distante? Como reagiria esse povo que acabava de pegar em armas e que iria novamente se aglomerar, agora em torno das salas de votação? A instauração do sufrágio universal aparecia, então, cheia de perigos… Porém, com mais de 80% de participação e menos confusões que se esperava, o escrutínio foi um sucesso que despertou o entusiasmo de muitos.
Mesmo após serem desmentidas, as inquietudes da época não eram absurdas, já que quase ninguém votou nas eleições legislativas parciais de junho de 1848.2 Foram necessárias muitas décadas para impor a regularidade do movimento dos eleitores, que tinham que ser movidos pelo sentimento do dever cívico e não conduzidos pelas autoridades. Mas finalmente a República instituiu um sufrágio universal tão bem fundado em uma participação relativamente elevada e constante, que esta se tornou quase óbvia. E é ela que, há um quarto de século, afunda suavemente, como testemunham as eleições europeias do dia 7 de junho de 2009.
Majoritária na França, a abstenção atingiu 59,5% dos inscritos para votar. Na Alemanha foram 56,7%; na Polônia, 75,5%; na Romênia, 72,6% e na Eslováquia, chegou a 80,4%! Na Bélgica, os eleitores compareceram em massa, mas lá o voto é obrigatório.3 Na Europa em geral, o movimento de desafeição pelo exercício de votar está numa ascendente: atingiu 38% dos eleitores europeus em 1979; 41% em 1984; 41,5% em 1989; 43,3% em 1994; 50,5% em 1999; 54,6% em 2004; 56,8% em 2009.4
Todos os escrutínios são afetados, com exceção, talvez na França, do pleito presidencial. O eleitorado torna-se intermitente.5 As pesquisas de boca de urna confirmam que quem vota são os mais velhos, não os jovens. Pela simples renovação demográfica, a abstenção deve continuar a crescer. Desenha-se um futuro de regimes democráticos sem eleitores…
Na França, em junho de 2009, votaram apenas 36% dos inscritos, se desconsiderarmos os 4% de cédulas brancas ou nulas. Como explicar esse recorde? Se os eleitores franceses não se importassem com a Europa, 70% deles não teriam votado no referendo sobre o Tratado Europeu de 2005, certo? Então como cerca de 30% do eleitorado se perdeu em quatro anos? Bem, essa evasão parece lembrar que os eleitores votam quando sentem que seu voto conta.
O sufrágio universal permaneceu durante muito tempo sendo uma instituição que mobilizou os cidadãos, porque eles acreditavam em seu valor moral e prático. Eles certamente elegiam representantes para serem levados em conta, pensando então nas grandes decisões políticas. Essa impressão, porém, hoje parece ilusória para muitos. Como poderia ser diferente num país em que o presidente, com um mandato interpretado como um cheque em branco, finge mudar o texto de um Tratado Europeu que a população rejeitou, para conseguir sua aprovação por via parlamentar? “Se vocês não querem, pouco importa, nós o imporemos de alguma forma”, poderia ter pensado Nicolas Sarkozy. E há países em que o povo foi chamado novamente às urnas porque o resultado não saiu como o esperado: “Se vocês não querem, pouco importa, irão votar novamente. Tantas vezes quantas forem necessárias”, deve ter dito algum dirigente político. E há quem se espante com os eleitores que não se deslocam para dar um voto que parece contar tão pouco…
Enfraquecimento do sentimento cívico, dizem. Mas isso é apenas uma péssima desculpa para encobrir a realidade: muitos cidadãos simplesmente não sentem mais nem a necessidade de manter as aparências, como o paroquiano que vai à missa só para que não reparem nele.
No dia 7 de junho de 2009, o primeiro-ministro francês, François Fillon, celebrou a vitória sem qualquer alusão ao recorde de abstenção. Os representantes das listas tampouco pareciam chateados. Uns preocupavam-se unicamente com sua derrota, outros só com sua vitória, fosse a do partido ou do indivíduo. Com o aumento contínuo da abstenção, qual será o limite para que esses políticos comecem a se inquietar – 70%, 80%, 90%? Alguns países europeus já atingiram esses picos, e nem assim deixaram de eleger seu contingente de representantes. Ninguém protestou. No extremo, poderíamos chegar a ter apenas os candidatos votando em si mesmos…
O fracasso coletivo deveria intrigar todo o mundo e deslegitimar os vencedores. Afinal, mesmo que tenham conseguido atrair um pouco mais de eleitores que seus adversários, eles devem seu sucesso à deserção das urnas. Embora do ponto de vista das porcentagens e das cadeiras ocupadas haja vencedores e vencidos, ainda é necessário se perguntar o que valem os 27,8% obtidos pela União para a Maioria Presidencial (UMP) e os 16,2% da Europa Ecologia.
A UMP esteve no centro dos comentários porque seus candidatos, apoiados por Sarkozy, chegaram na frente. No entanto, quaisquer que sejam as considerações sobre o tipo de eleição, 27,8% de votos válidos marcam um recuo na pontuação do partido, de 31,18% no primeiro turno da eleição presidencial de 2007. Mais inquietante ainda é que agora a UMP está sozinha. As outras vozes de direita dificilmente podem apoiar-se no partido.
A composição do eleitorado ajuda a piorar o quadro. Como em 2007, a UMP venceu graças ao apoio maciço do voto sênior: a demografia francesa nunca teve tanta gente idosa e jamais um partido foi a tal ponto confundido com a velhice. Segundo uma pesquisa de boca de urna, a UMP obteria 61% dos votos válidos dos eleitores com mais de 65 anos.6 E os idosos votam mais que os jovens, que têm se abstido maciçamente. Assim, a simples renovação das gerações significa que a UMP perderá seus eleitores mais rápido que os concorrentes.
Imprensa silenciosa
Na mídia, os comentários publicados são apenas um acompanhamento tagarela dos jogos políticos, no sentido de que não dizem nada além daquilo que importa dos profissionais da política. A imprensa governista admira o sucesso da UMP e de seu grande líder. A outra, dita de oposição, celebra o sucesso da Europa Ecologia. Quanto ao recorde de abstenção, foi apagado pelo silêncio das palavras e a maquiagem dos números: só se fala em porcentagens, nada de resultados absolutos.
Não basta dizer que os jornalistas políticos não dominam os métodos de análise de votação. O fato é que eles só se interessam pelos jogos da classe política, compartilhando suas visões de mundo. E sabem que a vitória e o fracasso não são somente uma questão de números, mas de interpretação. Em política “falar é fazer”7 e o importante é fazer crer na vitória ou na derrota, para que ela exista. Quantas vezes se repetiu, como um coro antigo, “o sucesso de Nicolas Sarkozy”? Para estabelecê-lo não se economizaram contradições, explicando em um mesmo movimento que a eleição tinha dado a vantagem àqueles que discutiam as questões europeias, mas que também permitia a Nicolas Sarkozy acelerar as reformas na França; ou ainda que o anti-sarkozismo tinha sido rejeitado, mas que, segundo as pesquisas, a hostilidade a Nicolas Sarkozy ocupava o primeiro lugar nas motivações de voto. Ainda não foram medidos os danos que trazem à democracia esses comentários incoerentes e partidários, disfarçados de análises sérias. A cada pleito, quantos eleitores se sentem enganados pelos intérpretes abusivos?
Fazendo política furtivamente, o comentário participa da fabricação do consentimento. Apoia-se na saturação do espaço público e tem como foco um príncipe onipresente, Sarkozy, que tem todo o tempo do mundo para as iniciativas políticas, os atos concretos e os efeitos de propaganda; que exibe sua vida privada; e que é louvado por ministros cortesãos que não sabem mais falar sem dizer seu nome. Um presidente adulado também por uma imprensa nas mãos de proprietários que são seus amigos, ou de patrões que ele nomeou; por jornalistas que não têm mais a impressão de obedecer, já que partilham das visões dos poderosos; por pesquisas que organizam a política em rivalidades pessoais e fazem falar um povo “como se deve”.
Antes do referendo de 2005, os editorialistas tinham declamado em uníssono que não havia outra possibilidade além de votar “sim”. Aliás, todo mundo ia votar “sim”, acabamos acreditando, exceto alguns incuráveis adversários da Europa e da democracia. E quando foi dito que se podia votar “não” por outras razões, os tais formadores de opinião se descontrolaram. Desde então, quem não ouviu o refrão, mesmo entre os mais hostis a Nicolas Sarkozy: “Não há mais ninguém além dele”?
*Alain Garrigou é professor de ciências políticas na universidade Paris X-Nanterre. Autor de Histoire sociale du suffrage universel en France [História social do sufrágio universal na França], Paris, Seuil, 2002.