Em prol da sustentabilidade
O atual modelo econômico está destruindo o futuro do Brasil e as condições de vida e sobrevivência dos nossos descendentes. No entanto, os candidatos a presidente da República estão fugindo do tema da sustentabilidade durante a campanha eleitoral. Parece que vivem em outro país ou em outro planetaLiszt Vieira|Marijane Lisboa|Roberto Guimarães
esar do agravamento da crise ambiental no Brasil e no mundo, a campanha eleitoral em curso não está dando a devida atenção para a necessidade de incorporar princípios de sustentabilidade nas políticas públicas do futuro governo.
Na visão dos candidatos e governantes, a prioridade é sempre o crescimento econômico, visto em termos quantitativos. Após décadas de dominação neoliberal, o desenvolvimentismo hoje predominante no país insiste em considerar o meio ambiente um entrave ao desenvolvimento.
Os protestos que explodiram no Brasil em junho de 2013 reivindicavam melhoria na qualidade de vida: transporte, saúde, educação, segurança, enfim, serviços públicos de melhor qualidade. Apesar disso, não se observou nenhuma mudança de paradigma, e o discurso oficial continua enfatizando o modelo consumista de crescimento.
Poluição, degradação ambiental, sobre-exploração de recursos naturais, aquecimento global e desastres naturais por eventos climáticos extremos afetam muito mais os pobres do que os ricos. Entretanto, na visão oficial, o desenvolvimento é associado exclusivamente ao aumento do consumo material, e não à melhoria na qualidade de vida. O caso do automóvel é um bom exemplo de como o aumento do consumo piorou a qualidade de vida nas grandes cidades, com engarrafamentos que, em São Paulo, já superam 300 quilômetros e com milhares de mortes provocadas pela poluição atmosférica.
O Brasil tem cerca de 20% da biodiversidade de todo o planeta. Entre 2003 e 2008, foi o país que mais criou áreas protegidas, principalmente na Amazônia. No atual governo, nenhuma foi criada. As unidades de conservação e as terras indígenas vêm sendo criticadas, principalmente pelo agronegócio, por serem protegidas e estarem fora do mercado. Existem cerca de quatrocentos projetos no Congresso Nacional propondo a “desafetação”, isto é, a retirada de áreas importantes dessas terras protegidas. Entre estes, um dos mais danosos é o que pretende tirar do Executivo a atribuição de demarcar e homologar terras indígenas, passando-a para o Congresso, onde predominam os interesses do agronegócio e das mineradoras.
O desmatamento, que vinha diminuindo, recrudesceu. Na mata atlântica, o desmatamento aumentou 9% de julho de 2012 a junho de 2013. A Amazônia, que já perdeu 14,6% de sua cobertura original, teve redução significativa de desmatamento até 2012. Em 2013, porém, observou-se um aumento do desmatamento da ordem de 28%. O Brasil está destruindo seus recursos naturais para exportação de produtos primários, sem agregação de valor. Sabe-se hoje que a floresta em pé tem mais valor do que abatida. Mesmo com agregação de valor, não se justificaria a destruição. Recursos renováveis necessitam de tempo para se renovar. E a destruição da floresta não é só destruição de madeira, mas de fauna, ecossistemas e populações que dela vivem.
Segundo o Relatório do IPCC/ONU, de março de 2014, durante o século XXI os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança alimentar com o aumento do preço dos alimentos e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas urbanas e regiões castigadas pela fome.
Por isso mesmo, em sua reunião em Berlim, em abril passado, o Grupo III do IPCC alertou o mundo que, para evitar um aumento de temperatura acima de 2 °C, será necessário reduzir imediatamente a dependência de combustíveis fósseis e iniciar uma “mudança maciça” para energias renováveis.
No Brasil, as emissões são principalmente provenientes da alteração do uso da terra, em especial a conversão de florestas para uso da agropecuária. O Relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, divulgado em setembro de 2013, prevê um aumento de 6 °C na temperatura até 2070, com grande queda na produção agrícola, sem esquecer que uma das maiores fontes das emissões se deve ao sistema de transporte motorizado.
Apesar dos níveis aparentemente mais baixos de emissão de gases-estufa – o que é objeto de controvérsia científica –, não se podem ignorar os impactos socioambientais das megaobras hidrelétricas, que destroem grandes extensões de floresta, afetam o regime dos rios e a reprodução da ictiofauna, deslocam e inviabilizam o modo de vida das populações ribeirinhas e indígenas, e provocam aumento populacional súbito das cidades próximas, sem ampliação dos equipamentos urbanos, como hospitais, escolas e saneamento básico. E tudo isso sem consulta ou repartição de benefícios com populações indígenas e comunidades locais no desenvolvimento dos projetos.
Tampouco se dá a devida consideração ao fato de que a repotencialização das hidrelétricas existentes e o combate às perdas na distribuição reduziriam significativamente a necessidade de construir megausinas, evitando seus impactos e eliminando a utilização das termelétricas, altamente poluentes. Mesmo assim, não se pode abrir mão de combater uma oferta de energia que se rege por um produtivismo econômico que dificilmente corresponde ao interesse nacional.
A situação de saneamento básico também não mostra avanços significativos. O Brasil ocupa hoje o lugar 112 entre 200 países. Se o abastecimento de água alcança 90% da população brasileira, menos da metade conta com tratamento de esgoto. O destino inadequado de lixo, principalmente em lixões, ainda é a realidade para praticamente um terço dos municípios brasileiros. E continua baixo o percentual de coleta seletiva e reciclagem de resíduos, apesar da nova lei de resíduos sólidos.
Na última década, triplicou em nosso país o consumo de agrotóxicos; hoje o Brasil responde por cerca de 20% do mercado mundial e ocupa o primeiro lugar entre os países importadores. Pesquisa recente da Anvisa revela altos índices de contaminação em 90% das amostras de produtos de consumo diário como arroz, alface, mamão, pepino, uva e pimentão. Além disso, aumenta o consumo de alimentos transgênicos, quando pesquisas independentes vêm mostrando que eles podem afetar seriamente a saúde humana e animal.
Talvez muitos ignorem que o Brasil é o terceiro país do mundo em matéria de conflitos ambientais e que em menos de um quinto dos casos as soluções encontradas favorecem as comunidades, enquanto na ampla maioria elas beneficiam os interesses econômicos das grandes empresas. Notícia recente informa que o governo vai excluir o Iphan, a Funai e a Fundação Palmares das decisões sobre licenciamento ambiental.
Em resumo, o atual modelo econômico está destruindo o futuro do Brasil e as condições de vida e sobrevivência dos nossos descendentes. No entanto, os candidatos a presidente da República estão fugindo do tema da sustentabilidade durante a campanha eleitoral. Parece que vivem em outro país ou em outro planeta.
*Liszt Vieira é doutor em Sociologia e ex-presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Marijane Lisboa é doutora em Sociologia.
Roberto Guimarães é doutor em Ciência Política.