Emigração como alternativa
Aumento da jornada de trabalho de 35 para 40 horas semanais, elevação da idade para a aposentadoria… Com o novo plano de austeridade aprovado no dia 12 de maio, Portugal aprofunda sua descida ao inferno. Partindo ou permanecendo no país, seus habitantes choram o desvanecimento de seus sonhos para o futuroJosé Luís Peixoto
Até agora, em Portugal, “emigração” tinha um significado muito preciso, carregado de símbolos. Quando alguém mencionava essa palavra, referia-se principalmente a uma multidão de centenas de milhares de pessoas que saíram do país nos anos 1960 e 1970. Empurrada pela miséria da ditadura salazarista e pela guerra colonial, uma grande parte desses indivíduos atravessava as fronteiras ilegalmente e, quando chegava à França, era como se aterrasse em Marte. Com muito pouca educação, os homens trabalhavam na construção civil e as mulheres faziam limpeza em casas privadas ou eram porteiras de prédios.
Se tivesse de escolher uma data, diria que a entrada para a União Europeia, em 1986, foi o momento em que se começou a tentar apagar essa emigração da imagem do país. A ideia de que já não éramos esse Portugal foi vendida com a entrada de dinheiro de Bruxelas e com a menor dependência das remessas dos emigrantes. Esse discurso vinha de encontro ao sentimento que os portugueses que não saíram do país mantinham em relação aos seus compatriotas emigrados. Especulando no domínio da psicologia social, diria que se tratava de uma espécie de inveja/vergonha: inveja dos carros e de outros objetos brilhantes que os emigrantes exibiam nas férias de agosto; vergonha da baixa educação e daquilo que isso poderia dizer sobre si mesmos. No fundo, vergonha de si próprios: um sentimento que muitos portugueses mantêm e alimentam.
Não há dúvida de que a realidade é atualmente bastante diferente daquilo que foram os anos 1960 e 1970. Hoje, as declarações do primeiro-ministro (que há dois anos sugeriu aos professores que emigrassem para o Brasil ou para Angola), bem como todas as críticas que deflagraram, foram bem noticiadas nos jornais, nas rádios e nas televisões. Nessas redações, grande parte dessas notícias foi escrita por estagiários. Desempregados, sem equivalências, muito provavelmente estagiando pela segunda ou pela terceira vez. No jornalismo, como em várias outras áreas profissionais, a quase exclusividade dos trabalhadores com menos de 30 anos é formada por estagiários. Eles não têm remuneração, mas contam com a esperança cega de conseguir um contrato. Esquecem talvez que, se tivessem um contrato, receberiam salário. Não há falta de candidatos a estágio e, por isso, existe a impressão de que estagiar sem salário não é de todo mau. Pelo menos, tem-se resposta quando alguém pergunta o que se está fazendo.
Além disso, enquanto se estagia num jornal, não se está atendendo telefones num call center ou recebendo clientes com o uniforme de uma multinacional de comida rápida. No contexto atual, depois de estudar dezesseis anos e terminar uma licenciatura ou mesmo uma pós-graduação, fazer gratuitamente o trabalho que os profissionais mais estabelecidos não querem fazer é visto como uma possibilidade digna.
Todos os dias há números novos carregando as palavras “crise”, “austeridade”. Na semana passada, chegaram os números da emigração. Dados oficiais e indiscutíveis, certificados pelo Instituto Nacional de Estatística. Essas entidades, já se sabe, têm sempre um ligeiro atraso; por isso, apresentaram agora os números de 2011. Ficou então comprovado pela ciência da estatística aquilo que já era do conhecimento público: a emigração cresceu 85% em relação ao ano anterior. A maioria desses emigrantes tinha entre 25 e 29 anos, mas também havia um número significativo de crianças e adolescentes. O número de desempregados a emigrar aumentou 49,5% entre 2009 e 2011. Quarenta e nove vírgula cinco por cento, como naquelas promoções em que o preço é 99,5 euros para não parecer tão caro.
Números. Toda a gente já sabia que não há lugar em Portugal para a maioria dos recém-desempregados. Principalmente os próprios estudantes, a tirarem apontamentos para exames acerca de assuntos que, com muita probabilidade, não farão parte de seu cotidiano profissional. Se gostarem de literatura e tiverem sorte, pode ser que cheguem a arrumar livros numa cadeia de livrarias. Se gostarem de moda e tiverem sorte, pode ser que cheguem a distribuir fichas nos provadores de uma loja de roupas. Além disso, ouve-se dizer que, no Brasil, há boas oportunidades para arquitetos. Na Alemanha, precisam de enfermeiros, pagam bem e até dão aulas de alemão.
Em alguns momentos, estupidamente, tentou transformar-se essa questão num conflito geracional. Chamaram “mimados” a esses jovens, descreveram as dificuldades das gerações anteriores, quiseram comparar os obstáculos que se colocaram a uns e a outros. Os mais velhos vieram dizer que no seu tempo era pior. Os mais novos escreveram nas paredes que agora é que é pior. Não se chegou a nenhuma conclusão. Nesse debate, ficaram em silêncio os mais velhos que assistem de perto e que sofrem com as dificuldades de seus próprios filhos e netos. Também ficaram em silêncio os mais jovens, a quem custa ser um peso para os pais e avós. Nenhuma geração é estanque.
É preciso dizer alguma coisa. Em setembro de 2012, um oceano de milhares encheu as ruas das principais cidades. As multidões precisavam falar como se estivessem quase asfixiadas e respirassem palavras. Muitas vezes, com insultos: expressão máxima da frustração perante a verborreia. Diante de todos os argumentos, bem articulados, sem hesitações, apenas insultos simples: ladrões.
É preciso fazer alguma coisa: nem que seja ir para Londres, dividir um quarto com um amigo, trabalhar num bar; nem que seja ir para Luxemburgo, viver provisoriamente com os tios da namorada, trabalhar numa fábrica ou na construção civil, exatamente como os emigrantes dos anos 1960. Aliás, apesar do novo estereótipo afirmar que a atual emigração portuguesa é constituída apenas de trabalhadores altamente qualificados, a verdade é que também é feita de muitos com pouca educação e de outros que, mesmo emigrando, acabam por ter de se conformar com empregos muito abaixo de suas qualificações.
O desafio que se coloca aos jovens portugueses não é evidente. A razão principal dessa dificuldade tem a ver com o fato de serem muitos e de cada um deles acreditar em ambições próprias. Entre estes, são poucos os que sonharam com um trabalho repetitivo, pouco desafiante, mal remunerado e de total precariedade. Atualmente, em Portugal, estabilidade profissional para um jovem com menos de 30 anos significa um contrato de seis meses. Aos outros, resta o desemprego ou uma existência de recibos, sem qualquer vínculo com a entidade patronal.
Às vezes, ouço pessoas defendendo que todos suportariam melhor essa situação se nunca tivessem tido a oportunidade de ambicionar outro futuro, se não tivessem passado anos a acreditar que seriam designers ou professores de filosofia. Que raciocínio triste. Poderá chamar-se “vida” à passagem do tempo se não tiver sonho, desejo, ambição?
Enquanto portugueses, devemos ter orgulho de nossos compatriotas que procuram uma vida melhor fora de Portugal. Ao fazê-lo, demonstram coragem e uma série de qualidades que caracterizam esse povo naquilo que tem de melhor. Mas, acrescento, esse orgulho é exatamente o mesmo que devemos àqueles que tiveram de abandonar o país nos anos 1960 e 1970. Ao fazê-lo, demonstraram essas mesmas qualidades. Sei do que falo. Sou o filho orgulhoso de um pedreiro e de uma empregada doméstica dos subúrbios de Paris.
José Luís Peixoto é escritor, autor de Livro, Grasset, Paris, 2012.