Endrick é racista? Sobre letramento, Vini Jr. e o racismo no futebol
O futebol tem o potencial de ser uma poderosa força transformadora na luta contra o racismo e na construção de uma sociedade mais justa
O futebol brasileiro, historicamente uma plataforma de ascensão social para negros e pobres, enfrenta um aumento alarmante de casos de racismo, destacando a urgência de um debate profundo e ações efetivas contra a discriminação. Episódios recentes envolvendo jogadores como Vinicius Júnior e Endrick expõem a necessidade de uma cultura antirracista que vá além do simples letramento racial, promovendo a igualdade e o respeito dentro e fora dos campos. Com iniciativas legais, educacionais e mobilizações coletivas, o futebol tem o potencial de ser uma poderosa força transformadora na luta contra o racismo e na construção de uma sociedade mais justa.
O futebol brasileiro, desde suas origens, tem sido uma alternativa crucial para negros e pobres se destacarem e ascenderem socialmente. Historicamente, jogadores negros começaram a se infiltrar no esporte majoritariamente branco e elitista no início do século XX, enfrentando e superando preconceitos. Times como o Bangu e o Vasco da Gama foram pioneiros na inclusão de jogadores negros, que não apenas desafiaram a hegemonia branca, mas também mudaram a cara do futebol no Brasil.
Nos últimos anos, o aumento dos casos de racismo no futebol brasileiro trouxe à tona a necessidade de um debate mais profundo sobre o tema. Em 2014, o goleiro Aranha foi vítima de insultos racistas por parte de torcedores do Grêmio, um episódio que resultou na eliminação do clube da Copa do Brasil, uma medida rara e significativa. Contudo, Aranha relatou que suas oportunidades de emprego diminuíram após o incidente, evidenciando as consequências negativas para aqueles que denunciam o racismo.
Segundo o relatório do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em 2014, foram monitorados 25 casos de racismo no futebol brasileiro. Esse número aumentou para 64 casos em 2022 e chegou a 90 casos até o momento deste ano, evidenciando um crescimento alarmante nas denúncias de discriminação racial dentro e fora do campo.
Em debate feito no Senado em setembro de 2023, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) afirmou que o Brasil deveria adotar punições mais severas contra crimes no futebol, sejam de torcedores ou gestores, como forma de avanço. Ele destacou a diferença de tratamento em relação à Inglaterra, onde os infratores ficam presos por dois dias, não apenas na sala de delegacia. No entanto, o presidente do STJD, José Perdiz de Jesus, considera que a legislação atual já avançou, embora possa ser aprimorada. Ele vê a multa como uma punição eficaz, mas reconhece a dificuldade de fiscalização para banir torcedores. A ministra Anielle Franco apresentou um plano de ação do governo federal contra o racismo no esporte, com 19 ações, envolvendo os Ministérios do Esporte, da Igualdade Racial e da Justiça. O programa visa políticas afirmativas dentro e fora do campo, buscando reformular a estrutura social no esporte, com foco na conscientização, na educação e em parcerias com entidades esportivas.
Recentemente, casos de racismo envolvendo jogadores como Vinicius Júnior e Endrick chamaram a atenção da mídia e do público. Vinicius Júnior, estrela do Real Madrid, sofreu repetidos abusos racistas na Espanha, especialmente durante uma partida contra o Valencia em 2023. Após um desses incidentes, o governo do Rio de Janeiro sancionou a “Lei Vini Jr.”, que prevê a interrupção ou suspensão de partidas em caso de denúncias comprovadas de racismo, uma medida que homenageia o jogador e visa combater atitudes discriminatórias nos eventos esportivos.
Endrick, jovem promessa do Palmeiras, também esteve envolvido em um caso de racismo, mas de uma perspectiva diferente. Durante uma partida, ele imitou um macaco em comemoração, ato que causou controvérsia e críticas por reforçar estereótipos racistas. Esse episódio destacou a falta de cultura antirracista no futebol e a alienação dos jovens jogadores, que, devido ao racismo, muitas vezes lutam por vantagens individuais. Endrick, produto desse meio, talvez não compreenda completamente o impacto negativo de suas ações, reforçando a necessidade de educação e conscientização antirracista no esporte. Todas as pessoas deveriam poder imitar qualquer animal; o problema é o racismo, uma estrutura perversa que distorce a naturalidade. O macaco tem sido historicamente utilizado para representar negativamente os negros, retratando-os como violentos, ridículos ou selvagens. Ao reforçar a brutalidade do racismo com expressões criadas para submeter e diminuir pessoas negras, se está, de forma direta, sendo violento contra toda uma população. Isso é especialmente prejudicial porque esses elementos são frequentemente usados para ridicularizar e submeter pessoas, fazendo-as sentir-se inferiores, e, com esse elemento tático, o racismo reforça sua ideia de uma raça superior.
No contexto brasileiro, o racismo é perpetuado por uma elite predominantemente não negra que estabelece e mantém um sistema organizado de opressões. Esse sistema é estruturado por meio de leis, políticas e práticas institucionais que favorecem certos grupos raciais em detrimento de outros. Dessa forma, ainda que indivíduos negros possam reproduzir comportamentos racistas, o racista, no sentido estrutural, é aquele que controla e organiza o sistema que sustenta essas opressões. A elite não negra, através do poder político, econômico e social, institucionaliza o racismo, criando barreiras que perpetuam a desigualdade e a exclusão dos negros em várias esferas da sociedade.
Endrick não possui o que chamamos de letramento racial, e muita gente não tem, a culpa não é dele. O problema da sociedade não é o oprimido, e sim o opressor. Obviamente, o acesso que ele tem a informação e qualidade de vida colocam o jogador em um patamar favorável contra o racismo.
O conceito de “letramento racial” é frequentemente mencionado no contexto da pessoa que acessou estudos antirracistas. Embora seja um tema importante, sua utilização superficial pode criar uma desconexão entre a vida real e os debates acadêmicos. O futebol e a sociedade, de maneira mais ampla, precisam discutir profundamente a cultura do antirracismo, que envolve a desconstrução de subjetividades e ações impostas pelo racismo. Com ações, mobilizações e projetos coletivos, podemos promover mudanças significativas. Mesmo sem conhecermos profundamente esse termo elegante: letramento, podemos ter ações práticas contra o racismo.
O episódio de racismo contra Vinicius Júnior gerou uma grande repercussão internacional, com manifestações de apoio ao jogador vindas de colegas de equipe, outros jogadores, clubes, figuras políticas e organizações de direitos humanos. A La Liga e a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) tomaram medidas rigorosas para lidar com o racismo nos estádios, e o incidente impulsionou discussões sobre a implementação de políticas mais eficazes contra o racismo no futebol espanhol e internacional.
Como resultado, os torcedores identificados foram banidos dos estádios, enfrentaram investigações e possíveis ações legais, com alguns sendo presos e outros multados. O Valencia foi penalizado com o fechamento parcial de seu estádio por vários jogos e recebeu uma multa significativa. As autoridades do futebol intensificaram a vigilância e as medidas de segurança para prevenir futuros incidentes racistas, prometendo ações mais rápidas e severas contra os responsáveis.
A vitória recente de Vinicius Júnior na justiça representa um marco na luta contra o racismo no futebol. Após um incidente de racismo, Vinicius compartilhou uma mensagem comemorando a decisão judicial que puniu os agressores, destacando a importância de jogadores bem-informados e engajados na luta antirracista. Ele afirmou: “Cada vitória é um passo à frente na luta contra o racismo. Espero que meu caso inspire jovens de todo o mundo a se mobilizarem e se organizarem contra essa injustiça.” O exemplo de Vinicius demonstra como jogadores podem usar sua plataforma para promover mudanças sociais significativas e encorajar uma geração de jovens a lutar contra o racismo.
O futebol brasileiro tem um potencial incrível para influenciar jovens e a sociedade em geral, muito além do entretenimento esportivo. A conscientização e o engajamento de jogadores em causas sociais, como o combate ao racismo, podem ter um impacto significativo, inspirando ações coletivas e mudanças estruturais. Com educação, legislação robusta e um compromisso coletivo, é possível transformar o futebol em uma força poderosa contra o racismo e em um exemplo de igualdade e justiça para todos.
A cultura antirracista vai além do letramento racial e busca criar um ambiente onde a diversidade é valorizada e o racismo não tem espaço para prosperar. No futebol, uma cultura antirracista significa criar um ambiente inclusivo e respeitoso para todos, independentemente de sua cor de pele. Isso inclui promover a diversidade nas equipes, garantindo oportunidades iguais para jogadores de todas as etnias, e combater ativamente qualquer forma de discriminação racial nos estádios e fora deles.
Para promover uma cultura antirracista no futebol, é importante educar jogadores, treinadores, dirigentes e torcedores sobre a importância da igualdade racial e do respeito mútuo. Além disso, é fundamental que as instituições esportivas implementem políticas e medidas concretas para garantir que o racismo seja combatido de forma eficaz e que os responsáveis sejam punidos de acordo com a gravidade de seus atos.
Ao adotar uma cultura antirracista, o futebol não apenas se torna um ambiente mais inclusivo e justo, mas também envia uma mensagem poderosa de que a discriminação racial não será tolerada em nenhum nível do esporte. A mudança real exige comprometimento e ação contínua, mas o potencial transformador do futebol brasileiro é imenso e pode contribuir significativamente para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todos.