Entre as flores e a possibilidade de uma decisão histórica
Não é de hoje que a insegurança jurídica sobre a cannabis vem deixando os brasileiros aflitos
Após sucessivas alterações de pauta, o Supremo Tribunal Federal pautou novamente o julgamento do caso que pode propor a descriminalização do porte pessoal de drogas para o dia 2 de agosto deste ano, mas as expectativas de um efetivo julgamento, após sucessivos adiamentos desde 2015, não são altas. Apesar do RE 635659 estar pautado como o primeiro processo da pauta do dia, a semana em que o julgamento está agendado será bastante atípica e movimentada no STF.
Primeiro porque na primeira semana de agosto, em vez das sessões de julgamento serem na quarta e quinta-feira, estão agendadas para terça e quarta-feira. Isso porque na quinta-feira está agendada sessão solene para a posse de Cristiano Zanin, ministro indicado ao STF pelo atual governo federal. Além do mais, o fato de o processo estar pautado para o segundo dia de sessão da semana há imenso risco de ocorrer o que já aconteceu há algumas semanas: julgamentos não concluídos do dia anterior tomarem a pauta do dia 2 de agosto e impedirem o julgamento que tanto esperamos.
Contudo, como é a presidenta do STF a responsável por colocar em pauta os processos para julgamento, grande parte da mídia tem compreendido as sucessivas tentativas de pautar o caso como um esforço de Rosa Weber em concluir o julgamento ainda durante seu mandato. A notícia boa é que o mandato da ministra estende-se até outubro deste ano. Assim, apesar da urgência social do julgamento do caso, há bastante tempo até que Rosa Weber deixe a cadeira da presidência e de exercer controle sobre as pautas de julgamento.
Como pano de fundo tivemos o anúncio que ocorreu no último 19 de julho quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), através da Nota Técnica no. 35/2023, apontou que não serão concedidas novas autorizações excepcionais de importação de flores de cannabis in natura. Este é um novo capítulo da guerra de narrativas travada acerca da cannabis na opinião pública. A importação e prescrição de flores in natura de cannabis é assunto controverso desde o início da regulamentação da cannabis, no ano de 2015. A RDC 17/2015, primeira regulamentação da cannabis do Brasil proibia expressamente a importação de produtos fumígenos e da cannabis em seu formato vegetal.
Ocorre que com a sucessiva atualização das normativas da Anvisa acerca da importação excepcional de produtos de cannabis, referida proibição deixou de existir, ponto que foi explorado a partir de 2020, quando as primeiras flores de cannabis in natura começaram a chegar legalmente ao Brasil, importadas por pacientes. A prescrição de cannabis in natura é prática comum em casos específicos para o tratamento de alguns pacientes que fazem uso terapêutico da planta. O uso da cannabis pela via vaporizada tem efeitos mais rápidos do que o uso pela via oral, como no caso do consumo de óleos, por exemplo. Países como Alemanha e França preveem o acesso a vaporizadores para o consumo de flores in natura dentro dos seus sistemas públicos e privados de saúde.
Daí o imenso cabimento desse produto na saúde da população brasileira. Os debates estão longe de acabar. Muitos pacientes dependem da importação desses produtos para conduzir seus tratamentos, já que as flores in natura sequer estão à venda no mercado brasileiro e são alcançadas apenas via importação. Não é de hoje que a insegurança jurídica sobre a cannabis, seja sobre o ritmo de julgamento do STF ou por alterações abruptas não resoluções e normativas, vem deixando os brasileiros aflitos.
A Suprema Corte, como instância final do Poder Judiciário, tem em suas mãos muito mais do que o poder de decidir processos em última instância: pode também, através de suas decisões, ditar as direções que o país toma. Mesmo assim, enquanto a corte segue envolta em suas questões internas, o Superior Tribunal de Justiça segue autorizando e protegendo cultivadores de cannabis para fins medicinais, com prescrição médica. O debate sobre a planta já está em ebulição há muito tempo e está cada dia mais clara a urgência de legislações específicas sobre o tema. Talvez seja isso que o STF siga aguardando, mesmo sabendo da morosidade histórica do legislativo brasileiro.
Murilo Meneguello Nicolau é advogado especialista em cannabis.