Entre o calendário, a experiência e o afeto
Que no dia 28 de abril, para além de datas, números e tratados, possamos celebrar e seguir lutando por uma educação para todos e com muito sentido para cada um
Em 28 de abril celebramos o Dia Mundial da Educação. Na correria do dia a dia, esta data passará por muitos como um simples colorido no calendário, um lembrete em letras miúdas na agenda ou uma breve abordagem na imprensa ou nas mídias sociais. Mas as efemérides seguem assinaladas, ano a ano, para avivar na memória coletiva os acontecimentos historicamente relevantes. As marcas que talhamos no tempo e na sociedade são trazidas pelas datas comemorativas como lembretes de nossas lutas e conquistas. Sendo assim, o que podemos compreender e refletir a partir do dia 28 de abril, de modo a aproximar esse registro do que nos afeta nas vivências educativas cotidianas?
Neste mesmo dia, há 22 anos, representantes de mais de 160 países, incluindo o Brasil, estiveram presentes no Fórum Mundial da Educação em Dakar, no Senegal. No encontro, firmaram o compromisso coletivo para a ação de alcançar e manter as metas da Declaração Mundial de Educação para Todos. A promoção de uma educação de excelência para todas as pessoas do planeta ressalta a preocupação com a alfabetização, a matemática e as habilidades essenciais à vida. Tais habilidades e a formação de sujeitos capazes de transformar a si mesmos e a sociedade foram questões contempladas no compromisso final do evento. Isso pressupõe que o afeto e a experiência entrem na pauta da aprendizagem significativa.
No sentido de uma educação de qualidade, é indispensável que a integralidade dos sujeitos que aprendem também seja visibilizada. O aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser envolvem as múltiplas dimensões humanas: é difícil aprender um conteúdo acadêmico com um corpo marcado pela fome ou cultivar relações sociais harmônicas com o emocional marcado pelo abandono. Os aspectos emocional, racional, social e físico conformam tanto a pessoa e suas aprendizagens quanto a economia, a política e a história conformam a sociedade.
A proposta de Jorge Larrosa, doutor em Pedagogia, é de que as escolas sejam, no lugar de simples produtoras de conhecimento, promotoras de experiência. Para ele, as experiências são meio de formação e transformação do sujeito e do mundo, para o mundo, para a vida. Isso significa fomentar a vivência de propostas pedagógicas que partam da realidade e do interesse dos educandos, que se utilizem de linguagens variadas para indivíduos que aprendem de maneiras diversas. O objetivo é que consigam aplicar esses conhecimentos no social, em prol de si mesmos e da coletividade.

O papel da educação, neste sentido, não se detém à transmissão de informações, as quais atualmente jorram das fontes midiáticas aos montes e estão acessíveis a um clique. A grande tecnologia nos caminhos de conhecer talvez não esteja no novo, mas no resgate do que os fluxos contínuos dessas informações estão nublando em nós: o estar presente no presente, nas relações consigo, com o outro, com o mundo, o deixar-se afetar pelos encontros.
Compreender que aprender é sentir e que sentir é dar sentido ao vivido remonta no campo educativo a importância de incorporar as emoções, os sentimentos, a inteligência emocional, o pensamento crítico, a perseverança, a proatividade, a colaboração, a comunicação e a criatividade. Essas habilidades essenciais à vida nos resgatam o que o filósofo Ailton Krenak nomeia como abstração civilizatória, ou seja, as ausências das quais o tempo em vivemos segue criando: ausência do sentido de estarmos no coletivo, da consciência de que fazemos parte de um todo, do respeito pela diversidade, do afeto e da alegria de existir, também, na ludicidade.
Que no dia 28 de abril, para além de datas, números e tratados, possamos celebrar e seguir lutando por uma educação para todos e com muito sentido para cada um. Entre os desafios reais da democratização do ensino e os impulsos utópicos que despontam no horizonte e nos incentivam a caminhar qualitativamente, possamos considerar o coletivo e o subjetivo, o saber e o ser. Na essência dos marcos históricos e das conquistas políticas estamos nós, as pessoas, ora aprendentes ora ensinantes, mas sempre sujeitos de afeto; cientistas nos laboratórios de experienciar a inteligência e a própria vida.
Patrícia Queiroz é pedagoga e consultora pedagógica do LIV. Formada pela UNIRIO, Patrícia atuou por quinze anos como educadora em escola, nos âmbitos público e privado, compreendendo esse espaço como lugar de sentir, de vivenciar relações importantes para a formação humana e de promoção de saúde integral. Especializou-se em psicopedagogia clínica, institucional e comunitária pelo Instituto Superior de Educação Pró-Saber. Atuou como terapeuta da aprendizagem em consultório particular e é diretora da Clínica Social da Associação Brasileira de Psicopedagogia do Rio de Janeiro (ABPp-RJ). É uma das idealizadoras do grupo de formação continuada em psicopedagogia Em Ação e pós-graduanda no MBA em gestão escolar, pela USP/Esalq. Acredita em uma prática educacional inclusiva, dialógica e compromissada com a coletividade e com as subjetividades.