ESG e direitos humanos nas sociedades empresariais
Ainda parece longo o percurso a ser seguido para que o setor empresarial reconheça a importância de sua contribuição para a efetivação dos direitos humanos para além de mera estratégica de marketing
As práticas de ESG (Enviromental, Social and Governance) pelas sociedades empresariais é um tema de grande interesse no mundo corporativo. Trata-se da busca de crescimento com adoção de regras de desenvolvimento sustentável e socialmente responsáveis, utilizando-se ainda de instrumentos de governança adequados. Atualmente, a responsabilidade corporativa tornou-se um valor fundamental na reputação das sociedades empresariais. Mas, afinal, em que consistem essas práticas?
Com efeito, o direito ao desenvolvimento, tal como definido pelo artigo 3º da Constituição Federal, possui algumas dimensões que devem ser aplicadas de forma concomitante: a dimensão econômica, que impõe práticas voltadas ao crescimento, ao progresso, à inovação, à tecnologia e à inserção global; a dimensão institucional, que diz respeito à governança, com a imposição de transparência, políticas anticorrupção, qualidade institucional e normas de integridade e inclusão; e a dimensão social, que inclui programas sociais, respeito pelas diferenças, participação de todos os atores sociais e bem-estar.
É imperativa a conscientização de que desenvolvimento, justiça social e democracia, enquanto objetivos de uma sociedade como a brasileira, com um grau acentuado de desigualdade e problemas estruturais complexos, somente podem ser alcançados com a participação de todos os setores, inclusive as empresas. Não sem razão, são diversos os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas, no âmbito da Agenda 2030.
Assim, com relação aos mecanismos de governança, especificamente, é fundamental que as sociedades empresariais adotem regras que estejam em consonância com a proteção aos direitos humanos e à democracia. Ou seja, devem ser estabelecidos mecanismos sérios para que haja tratamento isonômico entre todos, que tragam inclusão e que impeçam o assédio contra mulheres.
Recomenda-se a criação e divulgação de um código de ética e de conduta, com regras simples e diretas, compreensíveis a todos e adaptadas à realidade operacional da instituição.
Sob o ponto de vista social, há que se respeitar a diversidade e a inclusão, perspectivas que não se confundem, embora sejam intimamente relacionadas. Assim, por exemplo, recente pesquisa publicada em março de 2024 consistente na 3ª edição do estudo “Estatística de Gênero – Indicadores Sociais das mulheres no Brasil”, realizada pelo IBGE e na qual constam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) e da Pesquisa Nacional da Saúde, que tem por recorte os anos de 2018 a 2022, confirma a permanência de uma distorção historicamente presente no mercado: embora as mulheres estudem mais (o que pressupõe um preparo maior para a assunção de funções, inclusive de direção e comando), ainda possuem salários inferiores aos homens.
Neste sentido, em 2022, as mulheres ocupavam 39,3% das funções gerenciais e ganhavam 78,8% dos salários pagos aos homens. Não sem razão, o ODS nº 8.5 das Nações Unidas determina como objetivo, até 2030, que os países e suas sociedades alcancem o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor.
Assim, não basta a manutenção de quadros profissionais oriundos de grupos minoritários ou vulnerabilizados, ainda que majoritários, como é o caso das mulheres (diversidade), necessária é a sua inclusão, vale dizer, a viabilização de oportunidades equitativas de crescimento na carreira.
O ideal de desenvolvimento, portanto, não se resume a mero crescimento econômico, mas deve estar inserido em um conjunto de práticas que envolva crescimento e inovação associadas a uma administração séria e competente, com regras de participação democrática, políticas voltadas a defesa de direitos humanos, direitos sociais e dignidade da pessoa humana, além do respeito ao meio ambiente.
Exige-se, ainda, uma busca global para criação de mecanismos regulatórios para com vistas a efetiva implementação das práticas ESG. A Comunidade Europeia já traz diretivas (Corporate Sustainability Due Diligence Directive) para que se estabeleçam mecanismos de fiscalização e de monitoração da responsabilidade das empresas quanto a sustentabilidade, o que envolve a constante avaliação quanto à adoção de práticas sustentáveis e adequadas aos direitos humanos.
No que tange ao Brasil, em 11 de novembro de 2023, foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial para a elaboração de proposta da Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas por meio do Decreto nº 11.772. O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) vem coordenando o mencionado Grupo de Trabalho e já realizou, no primeiro semestre de 2024, rodada para a coleta de contribuições da sociedade civil e entes empresariais, sob o tema marcos regulatórios nacionais e internacionais sobre Direitos Humanos e Empresas.
Contudo, ainda parece longo o percurso a ser seguido para que o setor empresarial reconheça a importância de sua contribuição para a efetivação dos direitos humanos, da democracia e do desenvolvimento do país para além de mera estratégica de marketing. Na realidade, estamos a falar de mudança de mentalidade e de cultura, sempre muito mais difícil.
Podemos compreender a conclusão acima quando analisamos, a título de exemplo, o cenário que envolve o trabalho escravo no Brasil. A escravidão é considerada um delito de direito internacional cuja proibição tem status de jus cogens, isto é, norma imperativa de direito internacional, tal como decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil.
Ainda assim, o cenário que envolve a presença do trabalho escravo no Brasil preocupa. Em 21 de junho de 2024 o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região sediou importante painel que tratou do papel da Justiça do Trabalho e seu Programa de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Proteção ao Trabalho do Migrante.
Alguns dados importantes foram apresentados: em torno de 20,9 milhões de pessoas são vitimadas pelo trabalho forçado, e os fluxos migratórios no mundo também são atingidos pelo trabalho escravo. Além disso, abordou-se o aumento de denúncias de trabalho escravo recebidas pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo, ao longo dos últimos anos: 103 denúncias em 2018; 150 denúncias em 2019, sendo que entre 2015 e 2019 o MPT/SP recebeu um total de 607 denúncias de trabalho escravo, o equivalente a 10% do total registrado no país no mesmo período, conforme explicou o Juiz do Trabalho e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Guilherme Guimarães Feliciano.
Assim, o conhecimento pleno sobre os elementos e atores que compõem a cadeia produtiva das empresas é condição sine qua non para que justiça social, direitos humanos, reputação empresarial e desenvolvimento se tornem efetivamente equações virtuosas para toda a sociedade brasileira.
A responsabilidade das empresas pelo desenvolvimento não se restringe a contribuir com o progresso, na medida em que progresso desassociado de proteção aos direitos humanos, à sustentabilidade e à democracia não resulta em desenvolvimento. Difícil, mas não impossível. A bem da verdade, imprescindível e urgente.
Gabriella Fregni é advogada, sócia do escritório Fregni Advogados, doutora em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP. Flávio de Leão Bastos Pereira é advogado, consultor do escritório Fregni Advogados Doutor em Direito Político e Econômico e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coautor das obras “Governança, Compliance e Cidadania” (obra coletiva, 2019) e “Compliance em Direitos Humanos, Diversidade e Ambiental”, Vol.6 (2021), ambas pela Editora THOMSON REUTERS/RT.