Estados em migalhas na Europa das regiões
Em 9 de novembro, a Catalunha realiza referendo consultivo sobre seu futuro. Paradoxalmente, o desejo de independência que avança em regiões ricas da Europa pode fortalecer a máquina supranacional da União Europeia, uma vez que, defendendo identidades cada vez mais singulares opostas a solidariedadePaul Dirkx
Em 1968, o nacionalista bretão Yann Fouéré publicou L’Europe aux cent drapeaux [A Europa das cem bandeiras]. Na época, o pleito por uma construção europeia baseada em etnias – as “verdadeiras nações” – não ia muito além dos convertidos. Os tempos mudaram bastante. Em 18 de setembro, o Reino Unido sentiu passar na Escócia o vento da bala de canhão do desmembramento. Uma semana antes, diante de uma mobilização sem precedentes nas ruas de Barcelona, o movimento independentista-separatista1 catalão desafiara Madri impondo a realização de um referendo sobre a independência. Em consequência da proibição dessa votação pelo tribunal constitucional, os moradores da Catalunha serão simplesmente “consultados” sobre seu futuro em 9 de novembro. Eleições futuras, no entanto, podem desembocar em uma declaração de independência se os partidos que a reivindicam forem reconduzidos ao poder. Esses acontecimentos tornam o impensável não apenas pensável, como também realizável. Tal mudança deve-se menos à determinação dos ativistas – mais do que nunca mobilizados em locais de todo o continente – do que a fatores que fazem parte de um conjunto mais vasto.
Os movimentos separatistas por muito tempo se dividiram em relação a questões ideológicas e estratégicas, ligadas sobretudo à unificação europeia. Os quatro partidos mais midiatizados atualmente, todos no poder em sua região, ilustram essa diversidade. O Esquerra Republicana de Catalunya (ERC, Esquerda Republicana da Catalunha) segue uma linha social-democrata comparável àquela do Scottish National Party (SNP), enquanto os catalanistas do Convergència i Unió (CiU, Convergência e União) e a Nieuw-Vlaamse Alliantie (N-VA), Aliança Neoflamenga) se situam nitidamente à direita. Os três primeiros trabalham pelo renascimento de uma nação “antiga” cujo pertencimento ao reino que os inclui seria apenas um parêntese a ser fechado. A N-VA faria o mesmo se a Flandres moderna, entidade engendrada por um Estado onde os flamengos ocupam uma posição dominante há décadas, tivesse a aura de uma nação natural. Mas, por muito tempo, os separatistas flamengos não souberam se apoiar num movimento popular nem mesmo nos meios intelectuais.
Esses partidos e muitos outros, porém, entraram progressivamente em acordo para tirar proveito da construção europeia e de sua governança. Eles europeizaram seus laços de colaboração para constituir uma corrente política ativa em escala continental. O instrumento mais desenvolvido é a Aliança Livre Europeia (ALE): apoiada no Parlamento europeu pelos Verdes, ela forma com eles um grupo que passou a deter 6,66% das cadeiras após as eleições de maio de 2014. Fundada em 1981, em Bastia, e reconhecida pelo Parlamento europeu em 2004, a ALE é dirigida por François Alfonsi, ex-presidente do Partido da Nação Corsa (autonomista e contrário à violência política). Ela reúne dez partidos regionalistas, catorze autonomistas e onze separatistas que representam dezessete países-membros. “A mobilização pela Europa”, explica Alfonsi à grande delegação da ALE em Edimburgo, em 18 de setembro, “está em nossa casa. A dinâmica ofensiva é a nossa!”2 Tendo em mente o torpor de Londres (a não ser no último minuto) e a ausência de um projeto facilmente compreensível em Bruxelas, ele não está totalmente errado.
Da subsidiariedade à evaporação
A ALE, como a maior parte das organizações separatistas ou regionalistas, tem um discurso ancorado no presente que tende a lançar um véu sobre sua própria história. Portanto, há um sentido em lembrar que, durante a Segunda Guerra Mundial, uma parte importante dos movimentos bretão e flamengo optou por uma Europa nazista, enquanto os catalães e os bascos foram duramente reprimidos sob Franco. A ALE conseguiu suavizar sua heterogeneidade por meio de uma comunicação com expressões cada vez mais tecnocráticas, democráticas e progressistas. Ela tenta assim introduzir no jargão europeu fórmulas que apresentam sua causa como justa (ela defende “nações sem Estado”) e fiel a um espírito europeu (cada independência é um “alargamento interno”). Essa retórica visa legitimar um nacionalismo étnico em que a etnia se apaga diante de uma comunidade histórica, mesmo quando esta dá lugar a uma sociedade aberta a todos os habitantes instalados em seu território, uma “comunidade de destino”. Esse nacionalismo “cívico”, que permanece amplamente baseado em noções de território, de tradições e de língua, só chega a reclamar plenamente para si palavras como “república”, “povo”, “democracia” etc., por um desvio ao menos parcial dos valores do Estado-nação à francesa. Não fosse ele uma característica geral da comunicação europeia, o discurso da ALE atingiria por sua candura: “Nós nos concentramos na autodeterminação porque achamos que todos os povos têm o direito de decidir sobre seu próprio futuro. Eles têm o direito de escolher livre e democraticamente o tipo de governo e o tipo de sociedade em que pretendem viver”.
Essa busca pela respeitabilidade evoca aquela de alguns partidos de extrema direita. No entanto, os separatistas se distinguem, entre outros aspectos, por sua estratégia de participação nas instituições europeias, pois a União encoraja cada vez mais firmemente o nível regional em nome do princípio da subsidiariedade. Essa pedra angular da governança europeia consiste em reservar ao nível de poder inferior aquilo que o nível superior só poderia efetuar de maneira “menos eficaz” e “menos próxima do cidadão”. Ela está inscrita no Tratado de Maastricht de 1992, assim como a união econômica e monetária e o Comitê das Regiões (COR), uma assembleia com voz de consulta para qualquer questão que afete as regiões. O COR deve também cuidar para que os princípios de subsidiariedade e de proximidade sejam respeitados, e pode aproveitar a Corte de Justiça para fazer que sejam aplicados.
O movimento separatista desfruta ainda mais a tribuna que o COR lhe oferece à medida que este procura drenar o máximo de poderes em direção aos níveis infranacionais. Ele aspira a “uma União o tempo todo mais estreita e solidária entre os povos da Europa”,3 noção inequívoca que pode receber um sentido tão cívico quanto étnico. O essencial do COR acompanha o diapasão dos autonomistas e separatistas: “Queremos que a Europa […] possa plenamente tirar proveito da diversidade territorial, cultural e linguística que faz sua força e sua riqueza e que é uma garantia de identidade para seus cidadãos. […] Afirmamos a autonomia das autoridades regionais e locais e seu direito de dispor de recursos financeiros adequados [e] incentivamos o processo de descentralização”. Se o COR não facilita o trabalho dos nacionalismos infranacionais, ele pelo menos consegue elevar sua legitimidade. Com a Carta Europeia de Autonomia de 1988, ele lhes oferece um quadro jurídico que poderia um dia se mostrar precioso.
Esse quadro foi reafirmado em abril de 2014 pela Carta para a Governança em Múltiplos Níveis na Europa, redigida pelo COR sob a liderança do nacionalista flamengo democrata cristão Luc van den Brande. Sua aproximação “para além das fronteiras, procedimentos e entraves administrativos tradicionais”4 visa antes de tudo, sem os nomear, os provocadores de entraves: os Estados-nações. A Comissão validou essa aproximação pela voz de seu presidente, José Manuel Barroso: “A Europa […] é a diversidade e a riqueza de todas as suas regiões, de todas as suas cidades”.5 Para o presidente do Parlamento europeu, Martin Schulz, o COR “tem evidentemente um papel central a desempenhar nas políticas europeias”. Essa assembleia que se felicita por não ter cessado de “reforçar sua legitimidade democrática” poderia muito bem desempenhar o papel de um Senado das regiões, ideia que ganha terreno em Bruxelas.
A posição da União Europeia em relação a separatismos poderia ser assim resumida: ela proíbe a si mesma de intervir num caso que envolva assuntos internos de um Estado-membro. Como indica o tratado sobre a União Europeia, esta “respeita as funções essenciais do Estado, sobretudo aquelas que têm por objetivo assegurar sua integridade territorial”. Assim, o Estado não somente teria o monopólio na matéria, como também não poderia apelar para a UniãoEuropeia – a qual intervém de forma cada vez mais intensa em todos os “níveis de competência”, sobretudo em matéria orçamentária. O reconhecimento por Bruxelas de um território que procura uma separação prejudicaria a integridade territorial do país em questão e iria, portanto, de encontro ao tratado. Nos últimos meses, o presidente da Comissão Europeia, Barroso, declarou que uma Catalunha independente seria excluída da União Europeia. E ele julgou, em plena campanha do referendo, que uma adesão da Escócia seria “extremamente difícil, ou até impossível”. Essas ameaças, entretanto, foram tão tardias que são juridicamente contestáveis, porque não há nenhuma diferença essencial entre os Estados-nações atuais e aqueles que os separatistas estão reivindicando, a saber, os Estados que coincidiriam enfim com “verdadeiras” nações – em resumo, verdadeiros Estados-nações.
A postura de Bruxelas parece então ambivalente, a menos que lembremos que a construção europeia se fez sempre contra os Estados ou, pelo menos, em detrimento deles, a fim de permitir ao poder supranacional europeu se converter em uma estrutura capaz de dominá-los.6 Ao “reequilibrar as governanças” por meio de transferências de competências para as regiões, o princípio de subsidiariedade precipita em um processo de evaporação, segundo o termo bastante pertinente dos separatistas flamengos, não somente o Estado belga, mas todos os seus homólogos, porque, ao longo do tempo, essa evaporação afeta não somente a capacidade de decisão dos Estados, mas sua própria substância. Em suma, compreende-se melhor que os agrupamentos separatistas estejam tão preocupados em cooperar com as políticas europeias. Sem subestimar seus esforços, os mais bem instalados entre eles insistiram sobretudo localmente, materializando sua posição de força nas urnas e diante das câmeras.
No entanto, a colocação sob a tutela progressiva dos Estados tem também uma forte dimensão econômica. A construção europeia foi concebida, desde o tratado de Roma de 1957, em uma perspectiva de “supressão progressiva das restrições” ao “comércio mundial” e de deslocamento correlativo das estruturas nacionais que são subjacentes aos sistemas econômicos. A crise financeira atual, frequentemente citada como favorecedora da ascensão dos autonomistas, com certeza fragilizou ainda um pouco mais as camadas populares que abandonam os partidos políticos que deveriam defender. Uma parte delas se voltou para partidos “populistas”, um balaio de gatos que inclui inúmeras formações nacionalistas. A crise, porém, tem costas largas e é preciso evitar naturalizá-la, isolando-a das políticas públicas neoliberais com as quais está relacionada. Os separatistas souberam explorar em graus diversos essa dinâmica continental para ampliar de forma duradoura seu eleitorado.
A N-VA oferece o exemplo emblemático disso. Como a ideia separatista não tem assento popular, apesar dos placares elevados dos “populistas” do rival anti-imigrantes Vlaams Belang, esse partido conservador fundado em 2001 sobre os escombros do partido nacionalista socioliberal Volksunie (União do Povo) conseguiu se aliar ao patronato autonomista de fala neerlandesa. A Bélgica, esse “paraíso do liberalismo continental” (Karl Marx) que pertencia ao pelotão de frente das potências econômicas mundiais entre 1860 e 1914, viu-se na vanguarda de todas as iniciativas que visavam acelerar a expansão do livre-comércio internacional. Seu papel na instalação das instituições financeiras globais e na construção de um Estado europeu não tem nenhuma medida em comum com seu tamanho. Um único ponto negativo: a defesa da língua e da cultura das classes populares no norte por um “movimento flamengo” cada vez mais hostil ao Estado belga, o qual tentou resolver o problema como ele se acostumara a fazer com as grandes questões da sociedade: terceirizando-o. Dessa vez, porém, nem para os partidos políticos nem para as redes de instituições (escolas, hospitais, imprensa etc.) habilitados a gerenciar uma parte da vida de cada cidadão em função da ideologia com a qual comungava. Novas instituições, chamadas “Regiões” e “Comunidades”, surgiram para isso nos anos 1970 e a elas foram outorgadas competências crescentes nos anos 1980.
Provocar repulsa
Essa federalização era desejada por novas elites econômicas flamengas decididas a dar à sua região seu lugar na economia mundial. O objetivo era fazer emergir, no quadro do Estado belga (ou não, se necessário), uma administração flamenga desembaraçada do peso dos “arcaísmos” defendidos na Valônia pela esquerda socialista – a qual se pusera a pleitear em favor do federalismo por razões inversas depois do declínio industrial dos anos 1960. A custosa federalização do país se fez numa marcha forçada em menos de 25 anos e coincidiu com a instauração das políticas de austeridade – coincidência que permitiu com frequência uma instrumentalização dos “problemas comunitários” e das “reformas do Estado” com fins de reformas socioeconômicas de inspiração neoliberal.7 Como disse um dia Hugo Schiltz, o líder desse nacionalismo flamengo que podemos qualificar de “etnoliberal”: “Federalizar é sanear” (as finanças públicas).
Seu sucessor, o presidente da N-VA, Bart de Wever, fez a junção com poderosos meios de negócios por vezes abertamente separatistas8 e exasperados pela persistência do modelo social belga, um dos mais desenvolvidos do mundo. Com o apoio do partido democrata cristão flamengo CD&V, a N-VA conduziu uma dupla estratégia. De um lado, uma estratégia etnicista: usando pequenas frases vagamente racistas, causar repulsa no maior número de cidadãos francófonos em relação à sua convivência com “os flamengos”, portanto provocar neles repulsa à Bélgica e dar voz ao mito de uma Bélgica composta de duas democracias. Do outro lado, uma estratégia etnoliberal: radicalizar aquilo que o CD&V tinha colocado em prática no software neoliberal, ou seja, o axioma “Wat we zelf doen, doen we beter” (“Aquilo que nós [flamengos] fazemos por nós mesmos, fazemos melhor”). Desde 2010, captando sobretudo o eleitorado do Vlaams Belang, a N-VA tornou-se a primeira força do país, posição que ela consolidou em 2014 e fez dela o pivô do novo governo federal N-VA/CD&V/liberais formado em 11 de outubro último. Esse governo, o primeiro isento de socialistas desde 1988, foi instado a endurecer as políticas sociais e econômicas sem novas reformas institucionais. Seu arquiteto, De Wever, descreveu seu espírito nos seguintes termos: se o eleitor francófono, no término do mandato, “decidisse nos forçar a fazer uma coalizão com o Partido Socialista [valão], eu acredito que o institucional estaria lá novamente”.9
As principais formações separatistas da União Europeia parecem ter entrado em acordo para ligar a questão identitária à da incapacidade dos Estados modernos de participar da economia europeia globalizada com a determinação orçamentária desejada. Uma grande parte do establishment econômico catalão defende inseparavelmente um Estado catalão “independente” e sua capacidade de praticar reformas de maneira mais firme segundo as receitas neoliberais já experimentadas pela direita separatista de Artur Mas, no poder na Generalitat (executivo regional da Catalunha). Este último vê também na independência um meio de romper com a onerosa solidariedade nacional e de rever por baixo as contribuições fiscais das empresas. Lá, assim como em Flandres, mas também no norte da Itália e em outras regiões, “Madri”, “Valônia” etc. se tornaram sinônimo de buraco financeiro e de hipotecas sobre a saúde econômica e social do povo.
Em Edimburgo também ressoou um “I want my money back” (“Quero meu dinheiro de volta”), pouco compatível com o perfil de esquerda do SNP de Alex Salmond. Esse partido construiu sua popularidade graças à rejeição às políticas liberais de Margaret Thatcher e depois de Tony Blair. Mas, sobretudo após a obtenção da maioria absoluta no Parlamento escocês em 2011, ele se aproximou da social-democracia. Salmond, economista e fino conhecedor dos meios financeiros, conseguiu seduzir uma fração do patronato dando falsas esperanças em relação ao controle dos dividendos do petróleo e à flexibilidade fiscal que engendrariam o nascimento de um novo “tigre celta”. Ele também polariza o debate, explicando até que ponto Londres onera o bem-estar dos escoceses e até que ponto “uma grande estrela negra” impede de brilhar “uma nova luz no norte”.10
Enfim, essas regiões com PIB em geral mais elevado que a média nacional se apresentam como forças de mudança e de progresso. E isso longe de todo pensamento etnocêntrico, mas se dizendo a serviço da Europa, porque o “erro da Europa se deve aos Estados-nações”, como resume o presidente da ALE, que se arvora assim em aliado de todos os que desprezam os “egoísmos nacionais” em Bruxelas. Muitos separatistas, autonomistas e regionalistas compreenderam há bastante tempo que a Europa caminha para o federalismo em detrimento dos Estados-nações. E eles têm de fato a intenção de ajudar nisso, mostrando-se adeptos de sua doutrina.
“O regionalismo não é e nunca foi uma ameaça nem mesmo uma fonte de preocupação num Estado unitário, seguro de seu centralismo. […] Nunca a França […] será perturbada por partidos regionalistas poucopoderosos”, proclamava um estudioso de política francês na véspera da votação na Escócia.11 Nada menos certo, porque o processo em curso na escala da União Europeia leva a República francesa a se transformar segundo a lógica da subsidiariedade. Inúmeros instrumentos jurídicos (a Carta de Autonomia, os critérios de subvenção europeia etc.) obrigam os Estados-membros a uma forma ou outra de regionalização. Dos 28 Estados-membros, uns vinte são divididos em regiões (com competências muito amplas em cinco deles) e três são federalizados, claramente visando a uma melhor governança econômica. Na Grécia, as transferências de poder para as regiões em 2010 tinham nitidamente como objetivo uma redução das despesas do governo.
“O centralismo custa caro”
Desde o governo de Jean-Pierre Raffarin (2002-2005), a descentralização com a qual a França estava envolvida se transformou em uma regionalização nos termos da lei. A nova reforma territorial, realizada com ímpeto, reduziu o número de regiões de 22 para treze. Na ocasião, o governo convidou cada cidadão a uma reflexão de uma grande profundidade graças a um aplicativo de telefone: “‘Indique’ seu [sic] território: para se apropriar dos contornos das treze novas regiões e propor nomes para elas; ‘marque’ seu [sic] território: para desenhar o mapa de suas relações de vida; ‘teste’ seu [sic] território: para testar seus conhecimentos […] e compreender a reforma proposta pelo governo”. Para além dessa comunicação infantilizante, o primeiro objetivo está claramente colocado: dotar a França de regiões “de tamanho equivalente às outras regiões europeias”.12 O legislador, perdendo de vista os dezoito Estados-membros cuja superfície é inferior até a três dessas futuras regiões, olhou mais para a Espanha, a Itália e sobretudo a Alemanha.
Das 22 regiões atuais, seis serão deixadas intactas, entre elas a Córsega e a Bretanha. Esta aparece como uma região-piloto da reforma: Paris já assinou com ela no final de 2013 um “pacto para o futuro” (2 bilhões de euros em ajudas e empréstimos). O primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, tinha então anunciado que esse pacto seria completado pela reforma territorial. Esta tem como segundo objetivo dotar as regiões de “instrumentos para acompanhar o crescimento das empresas”, sobretudo lhes cedendo todas as competências em matéria de políticas de formação e emprego. O secretário de Estado encarregado da reforma do Estado e da simplificação, Thierry Mandon, tinha advertido os franceses: “Certas missões do Estado deverão ser transferidas ou abandonadas”.13 A regionalização poderia desembocar numa França com uma dezena de regiões-bolsões de emprego, com um diálogo social adaptado às novas realidades. Ela introduz no funcionamento do Estado francês o princípio de equivalência dos “níveis de competências”, assim como o princípio da subsidiariedade.
Haverá, portanto, um tratamento específico dos cidadãos em função de sua região, o que sinaliza a emergência de categorias distintas de franceses. É o que já mostra o “pacto para o futuro”, que é, para citar Ayrault, “um pacto para a Bretanha e para os bretões”14 – “os bretões”, e não mais os habitantes de uma região. Dito de outra forma, o Estado francês parece pronto a reabilitar, em nome de cada economia regional, certas categorias constitutivas de uma identidade étnica.15 De sua parte, os separatistas incitam Paris, assim como Bruxelas, a não se deter num caminho tão correto: “Ninguém contesta a necessidade de fazer economia, mas a ruína do Estado francês é de início a de um Estado exageradamente centralizado. E o centralismo custa caro”, explica a federação da Convergência Democrática da Catalunha, que advoga a criação de uma região da Catalunha do Norte no Roussillon para “restaurar” um país catalão transfronteiriço “competitivo”.16 A experiência mostra que uma coletividade territorial fundada numa identidade raramente se satisfaz com o status quo. A federalização belga, longa tentativa de apaziguamento desse desejo de reconhecimento no entanto minoritário,17 não impediu o país, tal como a Espanha, de se ver na borda do deslocamento. O governo de Londres, “seguro de seu centralismo”, acreditou poder pegar os nacionalistas em sua própria armadilha ao autorizar o referendo. Ele se vê hoje na condição de ter de prometer algo que se parece bastante com uma federalização (sobretudo fiscal) do país, destinada a contentar, sem a menor garantia de sucesso, as quatro “nações internas” que o compõem (Escócia, Irlanda do Norte, País de Gales e Inglaterra).
Enquanto os federalistas perseguem sua estratégia de “realizações concretas que criam de início uma solidariedade de fato”, como dizia Robert Schuman, os separatistas pró-europeus (mas não federalistas) continuam sua caminhada para a “independência de fato”, aguardando a “independência de acordo com a lei”.18 Duas estratégias do fato consumado que se reforçam mutuamente.
*Paul Dirkx é professor pesquisador da Universidade de Lorraine, França. Autor de La concurrence ethnique. La Belgique, l’Europe et le néolibéralisme[A concorrência étnica. A Bélgica, a Europa e o neoliberalismo], Éditions du Croquant, Bellecombe-en-Bauges, 2012.