Excesso de cúpulas mundiais
Nos últimos anos, novas potências surgiram e se colocaram ao lado dos centros históricos de poder, tornando ainda mais difícil a gestão dos grandes temas internacionais: comércio, meio ambiente, equilíbrios estratégicos, etc. Do G20 às conferências sobre o clima, reuniões se multiplicam, mas sem grandes resultados…Jonas Gahr Store
A política internacional depara com um estranho paradoxo. Vivemos uma era de cooperação e reciprocidade sem precedentes: diplomatas, especialistas e tomadores de decisão partilham ideias e projetos como nunca. Robert Zoellick, diretor que se retira do Banco Mundial, fala da nova ordem internacional como um conjunto de “relações mantidas por um sistema multilateral que reúne os Estados soberanos”.Não contamos com novas organizações multilaterais e temos a impressão de que elas promovem cúpulas sobre tudo e por qualquer motivo.Se compararmos os resultados obtidos com a intensidade dos esforços mobilizados, só nos resta constatar seus reduzidos resultados. Independentemente se nos lamentamos ou nos alegramos, a Rodada de Doha iniciada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) continua em impasse; apenas ínfimos progressos foram realizados na reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas1 e estamos muito longe de solucionar alguns grandes problemas contemporâneos, como a mudança climática ou o desarmamento.
Tanto esforço para tão poucos resultados, esse é o sintoma de uma “governança mundial” acometida de “reunionismo”. Para que criar tantas redes intergovernamentais difusas e mal coordenadas, enquanto seria necessário estabelecer instituições mais robustas e universais?
O “reunionismo” tem suas vantagens, certamente. Um mundo interconectado, mas descentralizado, precisa manter um bom nível de diálogo, dispor de locais de encontros e mecanismos de coordenação. Se reunir-se é bom, fazê-locom muita frequência torna-se improdutivo. Reuniões demais podem significar menos progresso, já que acabamos por considerar suficiente nossa simples participação nesses encontros.O fato de estar presente por si só nos isentaria de encontrar soluções. Essa “reunionite” nos faz trabalhar com mais esforço, mas não necessariamente da forma mais inteligente.
Como chegamos a esse ponto e como corrigir o que está feito?
Organizações não adaptadas
A organização internacional mais antiga foi criada em 1815: a Comissão Central pela Navegação no Reno. Ao longo do século XIX, só uma pequena quantidade de outras organizações foi estabelecida, a maioria com poderes muito limitados.O contraste com a situação atual é muito grande:há mais de 250 organizações intergovernamentais, assim como centenas de reuniões internacionais e conferências regulares, grande parte delas surgida nos vinte últimos anos.
Na primeira metade do século XX foram as guerras e as mudanças sistêmicas de poder que modelaram e transformaram a arquitetura política mundial. A maior parte das instituições importantes, das leis e dos regimes atuais é diretamente proveniente das negociações do fim das duas grandes guerras: as Nações Unidas, o FMI, o Banco Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos…
No curso das três últimas décadas, nosso mundo foi abalado por eventos no mínimo tão importantes quanto outras grandes rupturas ocorridas no século XX: a evolução do comércio internacional, as formas de consumo, os meios de comunicação, a desregulação econômica dos mercados e a fluidez do capital, o fim de um mundo bipolar e a emergência econômica e política de países como a China, a Índia e o Brasil.
Essas mudanças têm consequências profundas não só para os cidadãos, mas também para os governantes e o mundo dos negócios. Torna-se mais urgente uma coordenação reforçada. Essas transformações não se exprimem por rupturas tão bruscas ou visíveis como as guerras e as catástrofes − são bem mais progressivas −, e a “comunidade internacional” não reagiu tão rapidamente quanto deveria para criar ferramentas e sistemas adequados.
Antes de imaginar ferramentas sólidas e permanentes, os Estados lançaram mão, diante da urgência, de mecanismos de adaptação.A arquitetura internacional não soube se transformar para enfrentar o processo econômico e social da globalização. Dito de outra maneira, nosso mundo se define por um distanciamento cada vez mais importante entre os problemas econômicos, diplomáticos e culturais globalizados e uma ordem geopolítica fragilizada.As relações se desenvolvem, o que é um fenômeno importante e útil, pois elas permitem progressos nos setores de economia, saúde pública e resolução pacífica de conflitos. Mas não é a multiplicação de cúpulas mundiais que fornecerá a coordenação necessária para regular esse desenvolvimento.
Reunir-se custa caro, esquecemo-nos disso muito frequentemente. Dedicar tanto tempo e energia para estabelecer e manter redes intergovernamentais e realizar reuniões significa necessariamente que temos menos tempo para nos concentrar nas questões-chave e tomar decisões. Eis por que nossos numerosos encontros levam a resultados tão medíocres.
Em um sistema tão difuso e fragmentário, as principais organizações e as cúpulas mais importantes não têm mandatos claros que lhes permitam enfrentar com eficácia os grandes problemas. O G20, constantemente mencionado como o novo centro da política mundial, não tem mandato explícito nem mecanismos de tomada de decisão coletiva ou de responsabilização. Muitas dessas instituições, propensas à “reunionite”, sofrem seriamente de falta de legitimidade.
Canalizar melhor as energias
Em um mundo de Estados soberanos, a legitimidade de uma decisão política é muitas vezes julgada com base na possibilidade de os próprios países-membros poderem expressar seu ponto de vista. O G20 é um bom exemplo de fraqueza estrutural desse tipo de organismo. Mesmo que seus membros concentrem 80% do PIB mundial, eles representam apenas 60% da população e menos de 15% dos Estados do mundo. Essa falta de democracia significa que a maioria dos países não tem nenhuma razão imperiosa para aceitar essas iniciativas, a menos que estas sejam consoantes com seus interesses de curto prazo. A diversificação de fóruns favorecendo o diálogo é certamente crucial para responder às necessidades criadas, mas, ao mesmo tempo, essa agitação impede o estabelecimento de soluções comuns, que possam ser colocadas em prática em relação a um grande número de problemas importantes.
O que podemos fazer para que essas novas organizações e esses eventos melhorem a eficácia coletiva em vez de impedi-la?
Nosso sistema de troca, comércio e mobilidade, nossa prosperidade econômica e as condições de paz relativa que acompanham tal sistema seriam impossíveis sem as instituições de Bretton Woods e as agências mais importantes das Nações Unidas. Se o Conselho de Segurança da ONU quer ter um papel no futuro do nosso mundo, que se tornou policêntrico, ele precisa gerar meios de legitimar-se aos olhos do conjunto de Estados. Deve particularmente ter em conta a importância dos países emergentes e representá-los melhor.
Se o G20 continuar sendo esse pequeno grupo limitado de membros autodesignados, é pouco provável que ele se torne uma organização universal em que se tomam decisões.2Ele poderia se constituir como um local de discussão preliminar onde os personagens mundiais influentes refletiriam, debateriam e entrariam em acordo sobre eixos estratégicos e objetivos que serão depois apreciados e colocados em prática por instituições como as Nações Unidas. Essas decisões não seriam de natureza obrigatória, e poderíamos ter esperança de que essas deliberações informais (e alcançáveis) se revelassem capazes de eliminar os principais obstáculos com relação, por exemplo, à Rodada de Doha, às mudanças climáticas ou ao desarmamento.
Para conseguir isso, é essencial que o G20 reformule fundamentalmente sua estrutura para melhorar sua representatividade e, portanto, sua legitimidade. A presidência da França havia prometido, em 2011, modificar radicalmente seu funcionamento. O primeiro passo foi convidar outros países e figuras importantes para algumas reuniões: o G20 quase se tornou um G30.
Colocar em prática essas mudanças não será fácil. Houve um comprometimento dessas possibilidades desde 2007, pela violência da crise econômica. A reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas está também em crise. Nada será feito sem intensas discussões entre as grandes potências tradicionais, os “pequenos” países e os Estados emergentes. É de interesse de todos criar uma ordem internacional mais unificada.
Essas medidas por si só não eliminarão o excesso de reuniões de cúpula, mas poderiam constituir uma primeira etapa capaz de canalizar melhor a energia para elaborar políticas e discuti-las em vez de viajar o tempo todo.
Jonas Gahr Store é Ministro das Relações Exteriores da Noruega.