Existem realmente vantagens na judicialização das políticas públicas?
A judicialização das políticas públicas revela aspectos positivos: efetiva garantia de direitos pelo Poder Judiciário, porém também existem desvantagens que precisam ser levadas em consideração
O questionamento acima necessita de uma resposta que abranja os pontos positivos e negativos da judicialização no âmbito das políticas públicas e, ainda por cima, carece de explicações iniciais e introdutórias sobre o Direito. Não se pretende, neste artigo, apresentar o que significa e o que representa o Direito dentro da sociedade em que estamos inseridos, mas alveja-se compreender minimamente sua relação com o étimo judicialização. Para isso, é necessário destacar que o Direito não está exclusivamente atrelado ao conjunto de normas sociais a que rapidamente o associamos. Ele é também um construtor de sociabilidades, uma vez que normas não se formalizam nem se aplicam sem que haja mediações e dinâmica que possibilitem às regras sua materialização desejada. Pode-se alegar que o Direito, além de integrar a maior parte das civilizações de que se tem notícia, afinal onde há regras, há direito, é também um instrumento de estabilidade nas relações e ferramenta valiosa para a transmissão de uma sensação de segurança. O Direito, então, desempenha um papel nevrálgico na administração de conflitos sociais cotidianos.
Na esteira da dimensão alcançada pelo Direito na vida social moderna, tem se ampliado o consenso sobre o poder incorporado pelos tribunais (lugares onde se realizam as audiências, ou seja, instituições consideradas responsáveis pela mediação e administração de conflitos) e suas decisões perante a política e os atores que lhe são associados. A evidência e o destaque dispensados aos tribunais têm originado tensões entre o direito e a política. Sendo assim, parte da literatura científica tem se referido a esse fenômeno envolvendo essas tensões entre política e direito através do conceito de judicialização[1].
Pode-se entender que a judicialização de direitos sociais previstos na Constituição Federal (educação, saúde, segurança etc.) e a judicialização das políticas públicas de diferentes áreas são, muitas vezes, obra da desarticulação governamental. Afinal, percebem-se inúmeras situações em que há recorrência ao sistema de justiça para promover e consolidar a institucionalização de uma política pública, por exemplo: cidadãos que entraram na justiça para garantir acesso ao tratamento de HIV/Aids foram essenciais para responsabilização do Estado brasileiro no que tange à distribuição de medicamentos para doença de forma gratuita[2].
Levando-se em consideração que a política pública emerge de um processo de disputas em diferentes arenas decisórias [3], podemos elencar algumas desvantagens advindas de sua judicialização: elitização do acesso a direitos sociais encarados como fundamentais como saúde, educação, segurança etc. (ação movida visando à busca pela efetividade do direito à educação); lobby exercido por empresas e organizações utilizando a judicialização como instrumento para obtenção de lucro (grandes laboratórios encarregados de tecnologia em saúde se beneficiam da judicialização para potencializar seus ganhos); atuação do Poder Judiciário que não considera nem se baseia no planejamento orçamentário do Poder Executivo e do Poder Legislativo; dificuldade e insuficiência de conhecimentos dos juízes para arbitrar sobre políticas públicas que necessitam de saberes técnicos específicos; caráter individual e não coletivo das demandas e solicitações acolhidas pelas diferentes cortes e o não cumprimento de regras do pacto federativo por parte do Poder Judiciário.
Apesar das desvantagens anteriormente mencionadas, a judicialização das políticas públicas revela também aspectos positivos: efetiva garantia de direitos pelo Poder Judiciário; colocam-se sob holofotes assuntos referentes às políticas públicas na agenda da administração pública e promove-se o enrobustecimento de processos e estruturas administrativas. A formação de órgão ou setor unificando demandas judiciais, o modo de contratação e a rubrica particular para cumprimento de decisões judiciais são exemplos do fortalecimento de processos e estruturas administrativas.
Portanto, urge a necessidade de se avaliar a judicialização das políticas públicas de forma acurada, analisando seus pontos positivos e negativos. Afinal, o Direito é uma arma na mão de quem souber usá-lo [4].
João Camilo Sevilla é professor, servidor público, mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduando em Estudos Sociais e Políticos pelo IESP-UERJ.
[1] VERONESE, Alexandre. A judicialização da política na América Latina: panorama do debate teórico contemporâneo. ESCRITOS (FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA), v. 3, p. 215-265, 2009.
[2] OLIVEIRA, V. E.. Judicialização de Políticas Públicas. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2019. v. 1. 332p .
[3] ALMEIDA, L. A.; GOMES, R. C. . Processo das políticas públicas: revisão de literatura, reflexões teóricas e apontamentos para futuras pesquisas. CADERNOS EBAPE.BR (FGV), v. 16, p. 444-455, 2018.
[4] ISRAËL, Liora. L’arme du droit. Presses de Sciences Po: Contester, 2009.