Fim dos hates é possível?
A violência de gênero enfrentada por Janja e Gleisi e a urgência da regulação das plataformas digitais
As redes sociais se tornaram uma plataforma de trabalho para milhares de pessoas e, no Brasil, são as mulheres que dominam esses espaços: somos a maioria das usuárias, produtoras de conteúdo e influenciadoras digitais. No entanto, também somos as que menos ganham com as plataformas e as que mais sofrem com comentários agressivos, discursos de ódio, disseminação de informações falsas (fake news), doxxing (divulgação de dados pessoais) e manipulação de imagens. Essas violências, conhecidas como “hates“, afetam diversos grupos historicamente marginalizados, especialmente aqueles em posições públicas ou de poder, como as mulheres na política. Além disso, essas agressões, além de virem de anônimos, também são feitas por outras figuras públicas, que utilizam o ciberespaço para desmoralizar e desacreditar o papel das mulheres na esfera pública.

Esta semana, dois episódios sublinham essa questão: a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, precisou restringir sua conta no Instagram após receber diversos xingamentos e ameaças. Além disso, Gleisi Hoffmann, ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, foi alvo do deputado Gustavo Gayer (PL-GO), que sugeriu um “trisal” envolvendo a ministra, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), e o líder do PT, Lindbergh Farias (PT-RJ), por meio das redes sociais. Essas violências de gênero são estratégias deliberadas para deslegitimar, minar a credibilidade e tentar silenciar mulheres em posições de poder, buscando se naturalizar como o “humor” da rotina política.
Dessa maneira, podemos nos perguntar: como evitar essa banalização do mal, como os ‘hates‘ nas redes sociais, e criar mecanismos para combater essa violência?
Uma proposta possível é que os movimentos da sociedade civil se envolvam ativamente no debate de governança da internet e da regulação das plataformas digitais, para que esse debate não se limite a um campo acadêmico ou a uma pauta específica de apenas um grupo, como o direito. Outra medida concreta envolve o debate sobre os mecanismos de moderação de conteúdo nas redes sociais, como o impacto das mudanças recentes nas políticas das plataformas da META (controladora do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp).
A Meta alterou sua política de moderação de conteúdo, substituindo o sistema de verificação de fatos por um modelo baseado em “Notas da Comunidade”. Em outras palavras, qualquer usuário pode dar uma nota para um conteúdo, seja para aprovar ou reprovar. No entanto, essa avaliação não é feita por especialistas, mas por pessoas comuns, navegando na plataforma. Isso significa que, se um conteúdo for verdadeiro, mas alguém não concordar com ele ou tem uma opinião contrária, pode simplesmente dar uma nota negativa. Por outro lado, informações falsas podem ser avaliadas positivamente, caso alguém queira apoiar esse conteúdo. Ou seja, essa mudança permite que pessoas manipulem a “credibilidade” das informações.
Podemos dizer que estamos diante de uma espécie de “caça às bruxas moderna”, onde a difamação pública e as perseguições, além de violarem gravemente os direitos individuais e coletivos, se tornam um espetáculo para aqueles que assistem, como se estivessem acompanhando uma fogueira acesa na praça pública.
Por fim, imagine a seguinte situação hipotética: você utiliza as redes sociais como plataforma de trabalho e passa a receber comentários agressivos e ameaças. Você vai bloqueando cada um, mas não quer limitar o perfil, pois pode comprometer seu trabalho e, consequentemente, sua renda. Em determinado momento, você percebe que seus dados pessoais foram expostos e imagens manipuladas de você começam a circular na internet. Você denuncia, mas as políticas das redes sociais dizem que o que aconteceu com você não é violência, mas “liberdade de expressão”.
Raquel Isidoro é analista de políticas de gênero, diversidade e das dinâmicas de poder na ciência e tecnologia, pesquisadora no Laboratório Rastro IPPUR/UFRJ e doutoranda em Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional na UFRJ. Possui mestrado em Sociologia e graduação em Ciências Sociais pela UFF.
As redes socias não podem continuar essa terra sem lei e precisa ter regulamentação e moderação e isto não tem nada a ver com censura.