França terceiriza sua guerra no Sahel
Diante do custo exorbitante – quase 1 bilhão de euros por ano – de sua presença militar no Sahel, a França encontra dificuldades para obter apoio de seus parceiros europeus. Depois do envio de equipamentos e de conselheiros técnicos, um punhado de países finalmente aceitou despachar pequenos contingentes de soldados. Contudo, esses gestos simbólicos exigem contrapartida
Em uma cidadezinha a cerca de 20 quilômetros de Gao, no norte do Mali, três carros blindados se posicionam entre as casinhas de terra. Os soldados se dispersam no meio dos burros e tentam vigiar as redondezas, com armas na mão. É preciso esperar cerca de 20 minutos para que os moradores do entorno se reúnam diante do oficial da operação francesa Barkhane encarregado de ouvir suas reclamações. Este se instala displicentemente em uma cadeira, com as pernas abertas. Os moradores do vilarejo não são formais.
“Você sabe o preço do quilo do peixe?”, lança o militar para tentar quebrar o gelo no meio do deserto. Mas é incompreendido por parte do professor primário, transformado em porta-voz por causa de seu domínio do francês: “Não temos isso aqui. Temos camelo, cabra, vaca”. Imperturbável, o tenente continua: “Quanto é o quilo do camelo?” Resposta: 5.000 francos CFA (R$ 51). Ele acha caro. “É o preço certo, porque no camelo também tem medicamentos”, garante o malinês.
Essa conversa de surdos é só um prelúdio de uma discussão árdua sobre as necessidades da população. Os moradores do vilarejo reclamam unanimemente a escavação de um poço. O tenente promete redigir um relatório nesse sentido, mas dá a entender que, em troca, será preciso fornecer informações sobre o inimigo. Seu interlocutor não sabe bem como ajudá-lo: a praga aqui são os bandidos e os ladrões de gado, não os jihadistas. “Isso não para”, um morador reclama à parte. “Os franceses, os estônios, os holandeses, os alemães… vêm aqui toda semana. Eles perguntam do que a gente precisa, mas nunca fazem nada.”
Essa cena pode parecer banal no cotidiano da operação Barkhane e de seus 5 mil homens e mulheres mergulhados na guerra no Sahel. Mas tem um detalhe: os militares que patrulham esse povoado não são franceses, mas estônios. Desde março de 2018, cerca de cinquenta soldados da infantaria do prestigioso batalhão Eesti Scouts foram empregados sob o comando francês. Eles protegem a base de Gao e intervêm em um perímetro de cerca de 20 quilômetros. A maioria deles foi ferida em julho de 2019 em um ataque suicida. No entanto, Tallinn, que posa como aliado inabalável de Paris, prometeu dobrar seu efetivo em Sahel: em dezembro, o Parlamento concordou em chegar a 175 homens.
Mas o que vêm fazer os estônios no meio do Mali? Para o pequeno Estado báltico, a ameaça militar se encontra, com efeito, a leste, onde a Rússia estica o braço. O comandante Argo Sibul, na chefia do grupo presente em Gao, admite que está descobrindo o terreno. “Já tínhamos enviado uma seção ao lado dos franceses na África central em 2014. Mas esse nível de cooperação é novo.” Ele vê nisso uma troca de bons modos, que se estende para além do Mali: “Nossa presença não está diretamente ligada à defesa de nosso país. Unidades trazem a segurança para cá, enquanto outros defendem nosso próprio país com a presença avançada reforçada.”
A presença avançada reforçada (Enhanced Foward Presence, eFP) é um dispositivo colocado em prática na Europa oriental pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a partir do encontro de Newport em 2014. Mesmo se os estônios evitem em geral falar sobre isso francamente, trata-se de um exemplo de diplomacia transacional: em troca do engajamento de um batalhão de trezentos franceses e de seus carros Leclerc no projeto de eFP, Tallinn participa da Barkhane. Oficialmente, prefere-se falar de “solidariedade”. Os grupos armados norte-africanos “não são uma ameaça direta para a Estônia”, admite por e-mail a subsecretária estoniana de Defesa, Kadi Silde. “Mas compreendemos a ameaça que eles representam diretamente para nossos aliados europeus e seus concidadãos. […] No mesmo espírito de solidariedade, quando a Rússia ataca nossos valores democráticos, se comporta agressivamente e viola nosso espaço aéreo, a França e outros aliados estão ao lado da Estônia, para nos proteger dessa ameaça.”
Para o general Riho Terras, eurodeputado (Partido Popular Europeu, PPE) que comandou as principais forças empregadas por seu país na África em 2018, trata-se também de se valorizar aos olhos dos parceiros ocidentais mais poderosos. “Mostramos nosso comprometimento para com a Aliança [atlântica]”, explica. “Fizemos isso com os norte-americanos no Iraque e com os britânicos no Afeganistão.” Para a Estônia, participar de uma operação da França ou de uma operação da Otan é a mesma coisa.

Instrutores, especialistas em informação…
Os cinquenta soldados presentes em Gao não mudam fundamentalmente o equilíbrio das forças no terreno, mas permitem ao comando francês reempregar uma parte de suas próprias tropas em missões de combate. Por sua vez, os britânicos e os dinamarqueses puseram à disposição respectivamente três helicópteros Chinook desde 2018 e dois Merlin em 2019. O Exército francês não dispõe de tais equipamentos pesados, que permitem deslocar veículos ou soldados em grande número nos momentos de combate.
Por mais preciosas que sejam essas contribuições, ainda é pouco para Paris, que se esforça para convencer os europeus a enviar reforços. “O que eu digo aos embaixadores”, conta-nos em N’Djamena o general das divisões Marc Conruyt, comandante da Barkhane, “é que, na escala de cada um de seus países e da Europa, dois helicópteros podem parecer pouco. Mas para mim é uma perda muito, muito importante. Se vocês quiserem nos ajudar, nos ajudem com isso”.
Então, a cada oportunidade, os franceses bajulam seus aliados. O menor reforço é saudado e valorizado. O general Conruyt não para de elogiar aqueles, estonianos, britânicos e dinamarqueses, que já estão presentes. “Admiro muito a maneira como os contingentes desses três países se comprometeram ao nosso lado”, garante. “Eles são realmente muito disponíveis. Querem sempre fazer mais. Se pudessem, ultrapassariam as condições de engajamento fixadas pelas autoridades para ajudar seus irmãos em armas franceses e ter um papel pleno nas operações.”
Quando observamos em detalhe, cada país impõe suas restrições, que reduzem a margem de manobra do comando francês. Londres, por exemplo, recusa que seus helicópteros pesados participem diretamente dos combates. Seus aviadores devem evitar colocar seus homens e seus materiais em perigo. Quando existe um risco de troca de tiros, são os dinamarqueses que entram em cena. Eles têm a autorização de aproximar do front… mas somente durante o dia. O crash de um de seus aparelhos no Afeganistão em 2014 mostrou que os tripulantes não dominavam suficientemente as manobras noturnas. Os franceses devem então fazer malabarismos com essas restrições. De noite são os britânicos que voam. Perto das zonas de combate, quem voa são os dinamarqueses. Se é noite e há a possibilidade de um combate, eles têm de se virar sozinhos.
O estabelecimento progressivo de um novo grupo de forças especiais, batizado de Task Force Takuba, muda um pouco esses dados: desta vez, os soldados europeus integrados às fileiras francesas irão com eles na primeira linha. Lançada pela França no encontro de Pau, em janeiro de 2020, essa iniciativa visa reforçar e coordenar a ação militar internacional no Sahel. Serão os oficiais superiores franceses de Barkhane que organizarão as operações. O conceito, que primeiro suscitou certo ceticismo, acabou seduzindo, além da Estônia, a Suécia, a República Tcheca e, por último, a Grécia. Conta-se que oficiais das forças especiais francesas teriam conseguido convencer seus homólogos de que o Sahel lhes forneceria um terreno de manobras particularmente rico. Estes teriam em seguida convencido suas autoridades de tutela. O detalhe dos efetivos ainda não foi especificado, mas evocam-se quinhentos homens e diversos helicópteros.
De N’Djamena a Gao, de Niamey a Ménaka, as forças especiais, apesar de seus esforços para permanecer discretas, são cada vez mais visíveis nas bases. Aqui, veículos que somente elas podem utilizar. Ali, distintivos e pequenos objetos nas cores do Exército sueco, do qual um punhado de oficiais veio examinar as obras do heliporto destinado a acolher seus helicópteros Black Hawk. “O verdadeiro progresso é que eles estão aceitando realizar funções muito mais expostas”, descreve, sob a proteção do anonimato, um dos conselheiros da ministra do Exército, Florence Parly. “É um salto qualitativo e quantitativo obtido no encontro de Pau. A ideia de que a segurança no Sahel é uma questão para todos os europeus progrediu.” Na realidade, a região preocupa há bastante tempo algumas capitais do Velho Continente. “Estamos aqui desde 2013”, lembra, por exemplo, o ministro da Defesa sueco, Peter Hultqvist, “no seio da Missão de Formação da União Europeia no Mali [EUTM] e da Minusma [Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas], em Tombouctou, onde temos uma unidade de informação.” Alemanha, Holanda, Espanha, Polônia, República Tcheca, Reino Unido e Itália também têm fornecido instrutores, especialistas em informação ou ainda capacidades logísticas a essas duas operações internacionais.
Iniciada em 2013, por pedido do governo malinês, e validada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, a EUTM está ligada à Política de Segurança e de Defesa Comum (PSDC) da União Europeia. Ela depende diretamente dos ministros dos 27 países-membros e do alto representante para questões estrangeiras e política de segurança, o espanhol Josep Borrell. Os Estados-membros que desejam podem enviar especialistas militares, que têm a função de aconselhar e formar as Forças Armadas malinesas. Depois de um debate ferrenho sobre as regras de engajamento em março de 2016, os ministros aceitaram que os instrutores europeus acompanhassem as tropas locais até suas casernas em Gao e Tombouctou… mas não diretamente nos locais das operações. Os capacetes azuis da Minusma, por sua vez, se concentram na proteção das populações civis e no acompanhamento dos processos de paz.
Os franceses reconhecem a importância desses esforços e participam deles. Paris é, inclusive, o maior contribuinte financeiro da EUTM. Mas a Barkhane se distingue dessas missões internacionais, perseguindo e enfrentando o inimigo até nas zonas mais remotas – uma estratégia que tem seus limites.
O engajamento europeu se explica em parte pela escolha do ex-presidente norte-americano Donald Trump de retirar suas tropas do Iraque e do Afeganistão, seguido pela Otan, que tem dificuldade em se posicionar diante das hesitações de seu sucessor, Joe Biden. Com efeito, essa política liberava as tropas para novos engajamentos. Em dezembro de 2020, a Bélgica anunciou que um contingente de 250 soldados reforçaria a Barkhane ao longo de 2021, o que corresponde precisamente ao número de seus militares que deveria deixar o Afeganistão. Mesmo se o Parlamento ainda deva concordar com isso, o chefe do departamento de Operações e Treinamento do Estado-Maior, o almirante Wim Robberecht, confirma a iniciativa: “Nossos meios são limitados. Se diminuímos nossas tropas no Afeganistão, isso nos permite propor novas iniciativas ao governo”.
Acusações de imperialismo
Mesmo para os países que preferem investir no desenvolvimento a caçar terroristas, ir para o fogo se revela indispensável para manter um alto nível de competências técnicas e aprender o trabalho interaliado e multinacional. Isso permite também endurecer as tropas. É nesse espírito que a Dinamarca enviou os helicópteros de transporte pesado primeiro ao Afeganistão em 2014, depois ao Sahel. Eles deixaram a África no fim de 2020, em vista de um possível engajamento no Iraque. Esses curtos mandatos de um ano permitem que se acumule experiência, sem se implicar na busca por soluções políticas e estratégicas.
Normalmente, os militares franceses se mostram pouco inclinados a considerar operações multinacionais muito restritivas. Em 2013, inclusive, eles não escondiam seu orgulho de ter conduzido quase sozinhos a operação Serval. Mas o conflito se estendeu, sem verdadeira perspectiva de vitória ou saída.1 “Era a guerra de François Hollande”, analisa Élie Tenembaum, pesquisador no Instituto Francês de Relações Internacionais. “Com Emmanuel Macron, a impaciência tomou conta do Élysée. Entre 2017 e 2018 surgiu também a ideia de utilizar o Sahel como uma vitrine do que poderia ser uma Europa da defesa.”
Em junho de 2018, Paris lançou a Iniciativa Europeia de Intervenção (IEI). Acabou a necessidade de se submeter aos procedimentos, considerados muito pesados da PSDC para montar uma operação militar comum: o acordo dos Estados voluntários basta. A IEI reúne agora Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estônia, França, Finlândia, Itália, Holanda, Portugal e Reino Unido, para o qual o Brexit não modifica os engajamentos em matéria de defesa.
Internacionalizar a intervenção ao Sahel permite que a França fragilize as acusações de imperialismo, mesmo que nenhuma reunião, até nas escalas locais, aconteça sem um representante da Barkhane…
*Romain Mielcarek é jornalista, doutor em Ciências da Informação e da Comunicação e autor de Marchands d’armes. Enquête sur un business français [Vendedores de armas. Investigação sobre um negócio francês], Tallandier, Paris, 2017.
1 Ler Philippe Leymarie, “L’armée française doit-elle quitter le Sahel?” [O Exército francês deve deixar o Sahel?], Le Monde Diplomatique, fev. 2021.