Google, Facebook e a extrema direita
Está cada vez mais evidente a importância das redes sociais nas comunicações, mas continua havendo um mito de que essas redes são o espaço da liberdade, da livre expressão de qualquer um. Google e Facebook estão aí para dizer que não. Vejamos.
YouTube
O YouTube surgiu em 2005 e foi comprado pelo Google em 2006. Recentemente instalou um poderoso sistema de inteligência artificial que aprende com o comportamento do usuário e apresenta vídeos com recomendação para outros. Num esforço para reter o usuário na rede, o sistema de recomendação apela para novos vídeos com conteúdos cada vez mais extremos.
Visto mais que a maioria das redes de TV aberta, utilizando-se de algoritmos e difundindo fake news e conspirações, o YouTube teve um papel decisivo na vitória de Bolsonaro. Isso aconteceu por ter reunido e impulsionado não apenas os canais de extrema direita, que até então não tinham importância, eram periféricos na internet, mas também seus usuários mais radicais, que chegaram a ameaçar de morte seus “inimigos”.
Nos meses que se seguiram à mudança em seus algoritmos, explodiram as menções positivas a Bolsonaro, retirando esse então anônimo parlamentar do ostracismo, assim como ganharam grande visibilidade as mensagens que denunciavam conspirações, como a infiltração do comunismo nas escolas, as vacinas que geram doenças, o marxismo cultural, a Terra plana.
Os algoritmos do YouTube não são neutros. Eles reuniram canais marginais e construíram para eles uma audiência. A extrema direita viu sua audiência explodir no YouTube, atingindo um grande número de brasileiros.
Importantes membros da extrema direita declararam que o YouTube se transformou em sua mídia social, e pesquisadores identificaram que essa plataforma direcionou sistematicamente seus usuários para canais de extrema direita e de conspiração.1 As emoções que esses vídeos suscitam – medo, dúvida, raiva – são elementos centrais das teorias de conspiração e, em particular, do radicalismo da extrema direita.
Não há como defender a neutralidade do YouTube, pois depoimentos de usuários demonstram sua condução para sites de extrema direita. “Algumas vezes, quando estou assistindo a um vídeo sobre jogos, surge, de repente, um vídeo sobre Bolsonaro”, declara Inzaghi, um estudante de Niterói, 17 anos.
Mauricio Martins, vice-presidente do PSL em Niterói, declara que a maior parte dos afiliados foi recrutada graças ao YouTube. É importante observar que os jovens e os estudantes têm no YouTube sua principal fonte de informação.
Surgido em 2009, o WhatsApp tem hoje 1,5 bilhão de usuários no mundo. Em 2014, foi comprado pelo Facebook. No Brasil, essa plataforma tem 120 milhões de usuários e 48% o consideram fonte de notícias.
O WhatsApp é apresentado como um programa de comunicação interpessoal seguro, criptografado, que só permite o acesso do emissor e do receptor. Ninguém mais ficaria sabendo dos conteúdos das mensagens. Acontece que essa virtude do sigilo passou a ser também a arma dos manipuladores de opinião.
Com o uso da inteligência artificial foram desenvolvidos programas capazes de coletar os números de telefone de milhares de brasileiros no Facebook, segmentá-los de acordo com seus interesses específicos, gênero, cidade onde moram etc., criar automaticamente grupos que até há pouco podiam abrigar até 256 pessoas cada e enviar milhões de mensagens específicas, produzidas especialmente para cada grupo de interesses.
A manipulação política dos cidadãos pela mídia digital parece ter adquirido escala a partir dos estudos e pesquisas da consultoria Cambridge Analytica, empresa que declarou possuir algo como 5 mil informações de cada cidadão, coletadas nas redes sociais (ver no Netflix o vídeo “Privacidade hackeada”).
A Cambridge Analytica empregou seus métodos e conhecimentos nas últimas eleições brasileiras. Lançando mão das redes sociais, eles foram levando a opinião pública majoritariamente para a direita. Segundo o jornal Folha de S.Paulo de 18 de outubro de 2018, empresários que apoiaram Bolsonaro utilizaram de caixa-dois para pagar o envio, por meio de robôs, de milhões de mensagens no WhatsApp contra o PT.
Esses robôs, denominados bots, apresentam-se como usuários reais e são programados para disseminar boatos e notícias falsas, interagindo com os demais usuários e colocando seus temas em maior evidência que outros.
Estudo da FGV/Dapp identifica que 20% das discussões envolvendo política nas redes sociais são de responsabilidade dos bots. Na campanha de Jair Bolsonaro, 33% de seus apoiadores nas redes sociais eram perfis falsos que faziam circular memes escandalosos, vídeos mentirosos e áudios altamente virais.
A agência de checagem Aos Fatos identificou que, apenas no dia 7 de outubro, dia das eleições, 1,7 milhão de notícias falsas foram compartilhadas no Facebook. Essas campanhas de notícias falsas se abrigaram no WhatsApp e no Facebook Messenger.
Para observar a dimensão internacional dessas mudanças no campo das comunicações, basta dizer que a Cambridge Analytica já esteve trabalhando em campanhas eleitorais em vários países antes que se envolvesse com a eleição de Trump, o Brexit e o Brasil. Apenas como referência, na Índia, nas eleições legislativas deste ano, os dois principais partidos declaravam ter mais de 20 mil grupos de WhatsApp que chegavam a cada distrito ou vilarejo de certas regiões.
YouTube-WhatsApp
O que até agora não estava tão evidente e passa a ser um novo elemento de explicação para a ascensão da extrema direita no Brasil é a atuação articulada YouTube-WhatsApp.
Pesquisas identificaram que o YouTube estimula a difusão dos conteúdos das campanhas da extrema direita por meio de seus vídeos junto ao seu público. Mas o grande disseminador desses vídeos para o povão, muitas vezes reduzidos e editados, e com o auxílio de robôs, é o WhatsApp, mais barato e de mais ampla penetração, com seus 120 milhões de usuários no Brasil.2
Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
1 “Episode 9: The Rabbit Hole”, New York Times, ago. 2019.
2 Amanda Taub e Max Fisher, “How YouTube Misinformation Resolved a WhatsApp Mystery in Brazil”, The New York Times, 15 ago. 2019. Este artigo é a base de argumentação sobre o Youtube.