No fundo do buraco
Mais de 1.400 sequestros e 2.500 mortes só em Porto Príncipe em 2023. Aos flagelos dos terremotos, dos furacões, da cólera e do vampirismo da “ajuda internacional”, soma-se agora o da violência das gangues. A longa descida ao inferno do Haiti, que o ensaísta Serge Quadruppani pôde testemunhar durante uma estadia em 1999, continua. Ele retomou suas anotações da época para imaginar esta narrativa de ficção
A dor era cruel, o calor o atordoava, e o fedor, o esgoto, a carniça, a podridão das plantas, os odores que se acumulavam sem se fundir naquela atmosfera confinada, o fedor dava vontade de vomitar, e ele não via nada além da escuridão lá embaixo, onde os pés afundavam no lodo, e a escuridão lá no alto. Então um breve lampejo se fez acima dele, e uma voz gaguejou: – Não f...ff...funciona, não funciona aqui! Paul inclinou a cabeça para trás e respondeu: – Então se mexa, Simon, vá mais longe, encontre um lugar onde você consiga ligar... Estou machucado... – Não posso te largar... te deixar sozinho aí embaixo nesse... ne...nesse buraco, Paul. Vou tentar descer... – Não! Bêbado do jeito que você está, vai se quebrar todo também, está muito escorregadio e você não vai conseguir me levantar... Devo ter quebrado alguma coisa, minha perna, porra, está…