Igualadas para imaginar o futuro
O documentário Igualada conta a história de Francia Márquez, primeira mulher negra vice-presidente da Colômbia, mas é também sobre Marielle, Talíria, Áurea, Sonia e tantas outras
O documentário Igualada, que vem sendo exibido em importantes festivais de cinema por todo o mundo, conta a história de Francia Márquez, primeira mulher negra vice-presidente da Colômbia, mas é também sobre Marielle, Talíria, Áurea, Sonia e tantas outras mulheres políticas que conhecemos e com quem aprendemos. Mulheres que resistem à violência política de gênero, à intimidação de grupos armados, à invasão de seus territórios pelas grandes corporações e a tantas outras barreiras e ameaças que dificultam sua chegada e permanência nos espaços de poder.
A única exigência de Francia ao diretor Juan Mejia Botero ao contar essa história foi enfatizar o trabalho colaborativo e a resistência coletiva das mulheres. Esse pedido sublinha uma verdade fundamental: candidaturas como a de Francia são geradas por forças sociais mobilizadas localmente em territórios ou com base em movimentos que lutam por justiça racial, climática, diversidade sexual e de gênero, defendendo um ethos em que a comunidade e a preservação da natureza estão no cerne da sustentabilidade da vida.
É urgente que os sistemas políticos no Brasil e em toda a América Latina se tornem mais participativos, populares, diversos e representativos. A aproximação de mais lideranças femininas e de seus territórios da política institucional é o que pode criar oportunidades para que mulheres como Francia, frequentemente diminuídas e rebaixadas pelo status quo, possam chegar cada vez mais perto de conquistar cargos eletivos e transformar a história.
A recente pesquisa +Representatividade, do Instituto Update, se debruçou sobre a diversidade nas eleições de 2022. Conduzida pelas cientistas políticas Debora Thomé e Malu Gatto, o estudo revelou que eleitoras e eleitores tendem a preferir candidaturas de mulheres, pessoas negras e indígenas. Contudo, embora exista essa conexão inicial com o eleitorado, o caminho traçado por esses grupos entre a liderança social e a representação política, da resistência ao poder, é, como ressalta Francia, tortuoso. Se há um imenso potencial humano, faltam recursos financeiros e experiência política – enquanto, do outro lado, sobra violência de gênero e raça.
Mudar esse cenário demanda muita gente comprometida e um outro tanto de aprendizados contínuos e compartilhados: soy porque somos. Nosso dever é trabalhar para ocupar esses espaços, tendo em mente que o fazer político não é formado só por discursos e pactos, mas também por escuta e diálogo. É assim que se constrói uma agenda pública capaz de atender às reais necessidades de todas as pessoas.

“Igualada” pode ser encarado como um termo depreciativo, usado, com base em classe, raça e gênero, para designar uma mulher que age como se exigisse direitos e privilégios que supostamente não lhe pertencem. Mas o filme emociona, acima de tudo, por ressignificar esse conceito. Na tela grande, fica ainda mais evidente que estamos diante de outros tempos na política. Hoje, compartilhar tecnologia e redefinir a maneira pela qual fazemos campanhas, tanto nas redes quanto nos territórios, é essencial para combater as desleais disputas econômicas e narrativas que temos enfrentado.
Este ano de 2024 será marcado por eleições em oito dos dez países mais populosos do mundo – incluindo Brasil, México e Estados Unidos. Nunca tanta gente votou ao mesmo tempo: segundo o Centro para o Progresso Americano, serão, nos próximos meses, mais de 2 bilhões de pessoas indo às urnas em pleitos gerais ou municipais. Em algum desses lugares, já vemos a extrema direita ganhar força com discursos autoritários, potencializando notícias falsas e espalhando a voz do ódio.
Em outros países, no entanto, certamente veremos como as campanhas populares nos conduzem a mudanças reais, derrubando normas políticas discriminatórias e proporcionando a inovação política pela qual tanto ansiamos. Esperançamos que esses sejam a maioria.
Carol Althaller é diretora executiva do Instituto Update.