Impunidade saudita
Os direitos humanos não são mais respeitados na Arábia Saudita do que no IrãSerge Halimi
Os direitos humanos não são mais respeitados na Arábia Saudita do que no Irã. Será então a seu statusde principal exportador de petróleo e aliado dos Estados Unidos que a monarquia wahhabideve o fato de ser milagrosamente poupada pela “comunidade internacional”? A Arábia Saudita pode intervir no Bahrein para esmagar uma manifestação democrática, executar 76 pessoas em 2011 (incluindo uma mulher acusada de “bruxaria”), ameaçar com a mesma punição um blogueiro que postou no Twitter um diálogo imaginário com o Profeta, condenar ladrões à amputação ou proclamar a aplicação da pena de morte a acusados de estupro, adultério, sodomia, homossexualidade, tráfico de drogas e apostasia, que ninguém, ou quase ninguém, além do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, parece se incomodar. Nem o Conselho de Segurança das Nações Unidas, nem o G20, do qual o país é membro, nem o FMI, cuja diretora-geral acaba de saudar o “importante papel” desempenhado por Riad na estabilização da economia global.
A monarquia saudita está obstinada em proibir as mulheres – que já não podem andar de carro sem o marido ou um motorista – de participar das Olimpíadas. Essa violação de pelo menos dois artigos da Carta Olímpica1 também não suscita grande celeuma. Se o Irã realizasse tal apartheidsexual, uma campanha internacional de protesto já teria sido lançada e bem divulgada…
O tratamento preferencial permanente de que goza a monarquia wahhabiacaba de ganhar mais um exemplo, com as declarações do primeiro-ministro da Tunísia, Hammadi Jebali. Oriundo de um movimento brutalmente reprimido por Zine al-Abidine ben Ali, Jebali elogiou seus anfitriões sauditas durante uma de suas primeiras visitas oficiais ao exterior. E Riad, que apoiou até o fim o clã Ben Ali, recusa-se a extraditá-lo, servindo de refúgio para sua fortuna ilícita. O dinheiro dos países do Golfo também incentiva as provocações dos salafistas tunisianos, financiando canais de televisão que propagam no país sua leitura medieval do Islã.
Em janeiro de 2008, o presidente francês Nicolas Sarkozy afirmou que, “sob a liderança de Sua Majestade o Rei Abdullah”, a Arábia Saudita desenvolvia uma “política civilizatória”. Quatro anos depois, o país, onde reina a corrupção, tornou-se ponta de lança do sunismo ultraconservador no mundo árabe. Inicialmente chocada com a queda dos autocratas na Tunísia e no Egito, Riad acaba de descobrir o direito dos povos a se opor aos regimes de seus rivais regionais, “radicais” ou xiitas. O reino se considera imune às tempestades populares pelo fato de salpicar uma fração da renda do petróleo em benefícios sociais, pelo desprezo que a maioria sunita devota aos 10% a 20% de xiitas no leste do país e, finalmente, pelo medo do Irã. A indulgência internacional de que goza a monarquia saudita fornece-lhe mais um escudo.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).