Incertezas e temor de fraude nas eleições em Honduras
O aparente triunfo de Nasralla representa ao mesmo tempo o fim da hegemonia imposta pelo Partido Nacional com o controle das Forças Armadas e meios de comunicação e o retorno ao governo do ex-presidente Manuel Zelaya, deposto por um golpe de estado em 2008
Nunca o Tribunal Supremo Eleitoral de Honduras levou tanto tempo para proclamar o resultado da eleição presidencial no país de 5,8 milhões de eleitores. O adiamento para quinta-feira levanta a suspeita de que o grupo do atual presidente e candidato à reeleição Juan Orlando estaria manipulando a contagem que encaminha a vitória do oposicionista Salvador Nasralla, famoso apresentador de TV que pode chegar ao poder apoiado por uma coalizão de centro esquerda.
O aparente triunfo de Nasralla representa ao mesmo tempo o fim da hegemonia imposta pelo Partido Nacional com o controle das Forças Armadas e meios de comunicação e o retorno ao governo do ex-presidente Manuel Zelaya, deposto por um golpe de estado em 2008. Xiomara Castro, liderança política do Liberdade e Refundação (Libre) e esposa do ex-mandatário é a primeira designada presidencial da chapa eleita com 45% dos votos se as projeções apresentadas pelo TSE mantiverem-se ate ó final da apuração – em Honduras a eleição se decide em turno único.
“Esse adiamento deixa a todos inseguros e não há motivo para que ocorra. As atas foram escaneadas para a central do TSE e todos os votos já poderiam ter sido computados”, alega Scarlet Gudiel, que trabalhou em um dos locais de votação como fiscal do Partido Liberal, em Choluteca. Na urna supervisionada, Nasralla obteve 138 votos enquanto Juan Orlando somou 82 adesões. Segundo a observadora, o transporte dos documentos por parte dos militares e a desinformação espalhada pela mídia tradicional contribuem para conturbar ainda mais o ambiente. Durante o processo houve denúncias de que o horário da votação foi reduzido e de que atas adulteradas do TSE foram identificadas em um comitê do Partido Nacional. Após o domingo as reclamações alertam para o assédio sobre os funcionários públicos e o emprego das forças armadas para reprimir manifestações.
Os nacionalistas apresentam outra versão e contam com os votos do interior para crescer na disputa. No domingo à noite, dia da votação, Juan Orlando autoproclamou-se vencedor baseado em boca de urna de institutos de pesquisa que conferiam vantagem de 10% sobre seu principal adversário, sendo inclusive cumprimentado em mensagens dos presidentes do Equador e da Guatemala, Lenín Moreno e Jimmy Morales. A apuração de 61% das urnas e a vantagem de 80 mil votos de Nasralla contradizem a expectativa dos governistas, que continuam fortes no comando de metade das 298 prefeituras do país, incluindo as cidades de Tegucigalpa e San Pedro Sula, as mais populosas e onde os nacionalistas conquistaram a reeleição. Além disso, a possibilidade de seguir com a maioria no Congresso, formado por 128 deputados, reforça a capilaridade eleitoral do maior partido da América Central.
“Vou com o candidato a reeleição e espero nervosa como toda hondurenha que se contem todas as atas até o final. Na ilha onde moro foram feitas muitas obras e bons programas chegaram para a melhoria das casas e chance de emprego. Se ganha a oposição seremos como a Venezuela”, garante Taty Leiva.
Apesar da estrutura da sigla, de contar com o peso da máquina e com as forças de coerção, a maior parte da população não parece disposta a conceder a reeleição a uma administração frágil no enfrentamento dos problemas de concentração de renda, desemprego e pobreza, realidade de quase sete entre dez catrachos (como são conhecidos os hondurenhos). Ao contrário, nos últimos anos Honduras apresenta a cesta básica e a energia mais caras da região, ao passo que as leis trabalhistas foram fragilizadas e a idade mínima para aposentadoria aumentada.
A judicialização da política, por sua vez, veio com a liberação da candidatura de Orlando pela Suprema Corte , ainda que a Constituição não permita a recondução do presidente ao cargo. As acusações de que a campanha do presidente tenha sido financiada por narcotraficantes e o envolvimento do primeiro escalão em episódios suspeitos reforçam o coro dos que desejam o “Fuera JO”, em alusão às inicias do líder.
“A maioria do povo se expressou nas urnas para mudar esse governo corrupto, violador das leis e dos direitos humanos, mas ele está utilizando sua estruturas de poder, em especial o TSE para que o favoreça e siga no cargo, o que ocasionaria um caos com a confrontação dos dois pólos e coisas imprevisíveis podem suceder”, opina a estudante Karla Hernandez.
Marchas da vitória
Há um espaço a ser ocupado no poder de Honduras e enquanto o anúncio oficial tarda os militantes das duas maiores forças políticas ocupam as ruas para afirmar presença e festejar suas pretensas vitórias. “Lamentavelmente o TSE violenta princípios de eleições passadas onde na mesma noite se sabia o veredicto do ganhador. Consideramos isso uma estratégica. No dia da votação o horário não foi estendido para afastar os trabalhadores e controlar os resultados, assim como dominam a polícia, os exércitos. É difícil de afrontar, mas estamos prontos para a batalha se for necessário”, coloca Cesar Agurcia, deputado pelo Libre.
A forma como os blocos se organizam retrata a diferença de classe social envolvida. Na capital, 20 mil reuniram-se no centro em caminhada comemorativa aos votos da Aliança contra a Corrupção, em frente ao TSE. Para além dos correligionários, os demais candidatos reconheceram a maioria obtida por Nasralla, incluindo Luis Zelaya do Partido Liberal, sigla em decadência, mas ainda importante na correlação de forças.
Os nacionalistas preferiram aparecer em seus carros. As carreatas em diferentes municípios expressava resistência aos números preliminares favoráveis ao adversário. Preferem dar crédito à informação de que Orlando teria vencido em nove dos dezoito estados da federação e seria detentor da maioria dos votos ainda não contabilizados, motivo pelo qual a distância vem sendo reduzida a cada nova atualização parcial. Relatos dão conta de que a circulação de veículos militares aumentou, motivo pelo qual algumas escolas e empresas reduziram suas atividades.
A tensão cresceu no meio da tarde de terça-feira com a possibilidade de encontro entre as mobilizações contrárias em Tegucigalpa. O oficialismo havia convocado suas bases para reunir-se às 16h e opositores chamavam para uma concentração minutos antes. A coletiva de imprensa concedida por Nasralla às 15h dissipou o risco ao assegurar que a Aliança não havia convocado protesto para a data e ressaltar a necessidade de estabilidade para a transição que irá realizar como presidente eleito pela voto popular, conforme suas palavras.
Distante dos observadores internacionais que já deixaram Honduras elogiando o processo e do pouco comprometimento da Organização dos Estados Americanos (OEA) em apurar as situações a população permanece desconfiada sobre o que passará com o país. Um dos poucos consensos é exprimido pela enfermeira Sandra Aguirre, “não queremos mais golpes”.
Murilo Matias é jornalista