Incômodos Políticos
A esquerda e os sindicatos realizavam antigamente um trabalho cotidiano de educação popular, de uma rede territorial, de “enquadramento” intelectual das populações operárias. Eles mobilizavam politicamente seus membros, incentivavam-nos a ir às urnas quando seu destino estava em jogoSerge Halimi
Em setembro, os Estados Unidos celebram o Dia do Trabalho. Neste ano, ele terá como particularidade o fato de que muitos operários e empregados – homens brancos, em particular – se encaminham para reuniões com o candidato republicano. Donald Trump cultiva esses apoios fustigando os tratados de livre-comércio que precipitaram a desindustrialização dos antigos bastiões manufatureiros do país (ler reportagem na página ao lado). E, com ela, o rebaixamento da qualidade de vida, o amargor e o desespero do mundo operário. “A lei e a ordem”, que Trump promete restabelecer, são as da América dos anos 1960, na qual, quando se era branco, não era preciso obter um diploma universitário para garantir um bom salário, dois carros por família – e até mesmo alguns dias de férias.
Que um bilionário nova-iorquino cujo programa fiscal é ainda mais regressivo que o de Ronald Reagan e cujas práticas (fabricação de seus produtos em Bangladesh e na China, emprego de funcionários sem documentos em seus hotéis de luxo) contradizem a maioria de suas proclamações possa se metamorfosear em porta-voz do ressentimento operário seria algo mais difícil de acontecer se o sindicalismo não tivesse sido enfraquecido. E se, nos últimos quarenta anos, os partidos progressistas ocidentais não tivessem substituído sem cessar seus militantes e funcionários oriundos do mundo do trabalho por profissionais da política e das relações públicas, altos funcionários e jornalistas envoltos em uma bolha de privilégios.
A esquerda e os sindicatos realizavam antigamente um trabalho cotidiano de educação popular, de uma rede territorial, de “enquadramento” intelectual das populações operárias. Eles mobilizavam politicamente seus membros, incentivavam-nos a ir às urnas quando seu destino estava em jogo, garantiam uma proteção social quando seu futuro econômico estava ameaçado. Eles lembravam a cada um as vantagens da solidariedade de classe, a história das conquistas operárias, os perigos da divisão, da xenofobia, do racismo. Esse trabalho não existe mais, ou bem menos.1 Tem gente que se aproveita. Por falta de continuidade política, as mobilizações são enterradas assim que colocam o pé em um dilúvio de polêmicas identitárias. E os assassinatos da Organização do Estado Islâmico precipitam um descarrilamento tamanho, a ponto de esse grupo ter se tornado o maior agente eleitoral da extrema direita no Ocidente.
Por vezes um detalhe basta para dar ideia de um quadro ideológico. No dia 13 de agosto de 2016, a morte de Georges Séguy foi anunciada em alguns segundos, ou em algumas linhas, pelas mídias francesas, que estavam então emaranhadas na guerra do burquíni. Muitos jornalistas, cujo saber histórico se resume às manchetes dos últimos meses, ignoravam talvez que o falecido tinha dirigido por quinze anos o principal sindicato francês. Logo, eles vão soar o alarme para nos intimar a defender a democracia. Ela estaria mais protegida se populações inteiras não vissem nela um ornamento a serviço dos privilégios que as esmagam.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).