Islamitas e zapatistas, a revanche dos marginais
Tudo parece separar a revolta dos zapatistas mexicanos e a dos islamitas egípcios. Mas, esses conflitos foram uma resposta a dinâmicas comparáveis: populações marginalizadas e religiosas, moradoras de periferias empobrecidas pelo neoliberalismo, se engajaram num combate contra poderosas forças armadas
(Marcha de manifestantes zapatistas no México, em 1994)
À primeira vista, a rebelião zapatista no México e a revolta islamita egípcia de Djamaa Islamiya podem parecer bem diferentes. A primeira, depois de um começo sangrento, se metamorfoseou parcialmente em “happening” internacional da esquerda, enquanto a outra se desintegrou, frente à força do campo oposto, aos cadáveres mutilados e à aversão da população pelos atentados sangrentos.
Todavia, os zapatistas e o Djamaa Islamiya refletem a mesma realidade: em determinadas condições bem definidas, os excluídos se insurgem, qualquer que seja a chance de sucesso. Essas revoltas foram promovidas por grupos marginais ao seio da comunidade nacional, grupos estes que não constituíam uma ameaça militar para o poder constituído.
“Eles podem matar Chus, matar nossos líderes”, diz um homem, “mas seria melhor que matassem a miséria que continuará a produzir gente como nós”. A alguns metros dali, em frente à lareira, a mãe prepara o jantar; as crianças brincam com um cachorrinho no chão de terra batida. O homem fala pausadamente, evoca sem parar a necessidade de conquistar o “respeito” e a “dignidade”. E também se revela decididamente otimista – não para ele mesmo, mas para os filhos ou netos…
Esse que está falando é Chus, em um ambiente que resume toda a miséria da qual ele fala: um casebre sombrio no vale chuvoso, em meio à floresta que desce das alturas de Chiapas até a floresta Lacandone. Essa cena aconteceu em meados de 1995, dezoito meses após o aparecimento, no palco político mexicano, do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLAN), que tomou várias cidades na região de Chiapas central, antes de se concentrar no acidentado terreno dos vales periféricos.
A exigência central do EZLN – reforma do sistema político que garantisse a democracia – ecoou de imediato em uma sociedade que já não confiava nas instituições nem nos dirigentes que a governavam.
Se a maioria dos zapatistas pertencia à população marginalizada – os maias da região de Chiapas – e os direitos dos índios tinham destaque nas reivindicações, os objetivos declarados e a justificativa da rebelião se baseavam exclusivamente em valores de ordem nacional. Como as modestas reformas governamentais do sistema eleitoral não eram aplicadas, e considerando a simpatia pelos ativistas demonstrada pelos partidos de oposição e pela sociedade, o governo preferiu a negociação ao confronto militar.
Mas antes de ser declarado o cessar-fogo, os combates fizeram entre 1.000 e 1.500 mortos, número que demonstra enfaticamente a dedicação dos rebeldes à causa. Monsenhor Samuel Ruiz, bispo de San Cristobal de las Casas, não precisava contar os cadáveres para ter o quadro da situação. Aceito como mediador pelos dois lados, seus trinta anos de trabalho como religioso na região conferiam a ele não só uma compreensão profunda da vida de suas ovelhas indígenas, como também uma responsabilidade considerável no crescimento do ativismo revolucionário de Chiapas. Monsenhor Ruiz fez tudo o que pôde para encontrar uma solução política, mas se demitiu em 1998, para protestar contra o que classificou de táticas ditatoriais do governo.
Na mesma época em que Chus expunha seu otimismo relativo à solução final de uma rebelião sem esperança, membros do Djamaa Islamiya julgados no Cairo recebiam sua condenação à morte com gritos de alegria e fé na vitória final de sua causa. Nenhuma negociação moderou o combate dos egípcios, contrariamente ao dos zapatistas. A carnificina durou mais tempo e custou mais caro ao Egito do que ao México.
Nenhum acontecimento particular marcou o início da campanha do Djamaa no início dos os 1990. Mas em 1992 ficou evidente que o Cairo enfrentava uma ofensiva determinada e durável, cujas origens estavam no sul do país, o Alto Egito. Graças a redes formadas ao longo dos anos nos bairros pobres do Cairo e de outras cidades, o Djamaa conseguia estender sua luta, principalmente as ações terroristas, a uma boa parte do território. Mas o centro principal da ação continuaria sendo o Sul.
Sem lidar com as complicações políticas enfrentadas pelos dirigentes mexicanos, o autoritário governo não hesitou em atacar o Djamaa Islamiya. Medidas emergenciais draconianas, prisões em massa, pena de morte e – a partir de outubro de 1992 – corte marcial para os militantes suspeitos. Em 1996, o Cairo assumiu incontestavelmente o controle da situação. Os ataques não pararam, mas tornaram-se suficientemente raros para que os turistas começassem a voltar. Apesar de enfrentamentos esporádicos no Alto Egito, alguns dirigentes propuseram um cessar-fogo no primeiro semestre de 1996, oferta retomada um ano mais tarde, quando seis importantes líderes de Djamaa conclamaram ao fim da violência. A organização sentiu essas iniciativas como sinal de dissensão interna, sobretudo porque o governo não as aceitou. A consequência disso, em novembro de 1997, foi o massacre de cerca de sessenta turistas em Luxor.
(Manifestantes pedem a saída de Mubarak – Praça Tahir no Cairo, Egito / 2011)
Paralelos entre as rebeliões
Com esse ataque, o Djamaa chegou ao fundo do poço. A carnificina cometida em nome do Islã escandalizou a maioria dos egípcios. A divisão interna do movimento se intensificou e seus principais dirigentes fizeram aparição pública – unidos, condenando uma “violação” que seria mais negativa para o Djamaa do que para o governo. E mesmo que as autoridades tenham continuado a deter, julgar e, por vezes, executar membros da organização, não houve mais que enfrentamentos pouco expressivos. Em 1999, apesar de não ter se recuperado inteiramente do massacre de Luxor, o turismo ensaiou uma retomada.
É possível fazer vários paralelos impressionantes entre essas duas revoltas. Eles ajudam a compreender em que condições as estratégias neoliberais levam uma população normalmente pacífica a arriscar o confronto armado com forças infinitamente superiores.
Nos dois casos, o centro da rebelião se situava em uma região historicamente marginalizada em relação à vida política, econômica, social e cultural da nação. Tanto em Chiapas quanto no Alto Egito, as grandes distâncias e um terreno acidentado determinavam um modo de vida (e determinada visão de mundo) muito diferente do que prevalecia no conjunto da sociedade. Tanto em um quanto em outro local, a atitude mais comum com relação às regiões marginalizadas e seus habitantes tendia a ser negativa: no México, há muito tempo os habitantes da região de Chiapas eram vistos como limitados, lentos e um tanto esquisitos; no Egito, os habitantes do Alto Egito – os sai’dis – eram objeto de caricaturas do mesmo tipo.
Outras semelhanças dizem respeito às estruturas locais. Na região de Chiapas, os ladinos, defensores da tese de terem uma herança exclusivamente europeia, ocupavam o alto da pirâmide social, seguidos pelos mestiços (mestizos) e, na parte mais baixa da hierarquia social, os índios. No Alto Egito, predominantemente muçulmano, a hierarquia se baseava em divisões tribais. Na parte mais alta, os ashrafs, supostamente descendentes do profeta Maomé, seguidos dos árabes, cuja herança remonta às tribos vindas da Arábia. No ponto mais baixo da escala social, os fellahin (camponeses), cuja posição inferior provém da crença de serem descendentes dos habitantes pré-islâmicos, convertidos ao islamismo.1
O que aproxima particularmente Chiapas e o Alto Egito é a miséria da população. Os imensos recursos de Chiapas não trouxeram nada à maioria dos habitantes, sendo um dos estados mais pobres do México. A população, essencialmente rural, é composta de índios e camponeses mestiços. A forte taxa de natalidade acentuava as tensões provocadas pela penúria das terras aráveis. As doenças e outros problemas ligados à pobreza estavam disseminados, em especial nas Terras Altas onde a rebelião zapatista se originou.
O Alto Egito também tem imensas riquezas agrícolas, mas batia todos os recordes de pobreza no país: em meados dos anos 90 concentrava 72% dos pobres do Egito. Os indicadores de saúde, demografia, serviço social e qualidade de vida revelavam disparidades com o resto do país. E, evidentemente, os estratos inferiores da população de Chiapas e do Alto Egito pagavam o preço mais alto.
Na luta para melhorar seu destino
Costuma-se descrever os índios de Chiapas e os fellahin do Alto Egito como grupos “tradicionais”. Mas o uso desse rótulo impõe algumas precauções. Se por “tradicional” entendermos que certas práticas ou costumes históricos conservam seu valor e continuam sendo observados, ele é pertinente. Mas se, com isso, entendermos a estagnação e a resistência à mudança, os esforços da população ao longo de décadas na tentativa de melhorar seu destino desmentem essa apreciação.
Nos anos 60, índios miseráveis de Chiapas partiram como pioneiros até o fim do mundo, com esperança de construir uma colônia, uma vida mais enriquecedora em um ambiente hostil. Durante a década de 1970, quando as Terras Altas se transformaram em terreno privilegiado dos programas governamentais visando a inclusão das comunidades indígenas no desenvolvimento nacional, os índios afluíram aos milhares, pelos empregos na construção civil e outros setores. Ao mesmo tempo, milhares deles foram para as cidades, à procura de oportunidades financeiras.
Quanto aos fellahin que viviam no Alto Egito, foi com entusiasmo que reagiram às promessas de Gamal Abdel Nasser, que não só fizeram brotar a esperança de melhoria geral e divisão mais justa das riquezas, como obtiveram resultados concretos. A reforma agrária, apesar de bem menos ampla do que a prometida, beneficiou realmente os camponeses. E nos anos 60, a abertura das universidades gratuitas fez nascer rapidamente uma vasta população de estudantes.
Como o governo se comprometeu a empregar todos os que tivessem diploma universitário, a burocracia nacional providenciou emprego público e um certo prestígio aos filhos de camponeses que não tinham qualquer esperança de poder comprar uma parcela de terra. Aos que não podiam alimentar a ambição de um curso superior, o boom do petróleo da década de 1970 oferecia outra esperança de ser bem-sucedido. As pessoas acorreram à Arábia Saudita e outros países do Golfo, decididas a reunir capital suficiente para comprar uma parcela de terra, abrir uma pequena empresa ou construir uma casa. O duplo objetivo dos fellahin, assim como dos índios de Chiapas, era segurança econômica e mobilidade social.
Infelizmente, o paralelismo entre os dois grupos vai mais longe. Ambos sofreram um desencanto crescente. A floresta Lacandone deixou de ser uma nova fronteira, devido à corrupção maciça no interior do governo. Os anos 80 viram o desmoronar econômico do México: a tempestade varreu o projeto de associar as comunidades indígenas ao esforço de desenvolvimento nacional. Investimentos federais em constante diminuição contribuíram para enfraquecer ou eliminar organizações governamentais destinadas a auxiliar os camponeses e os fazendeiros indígenas.
De modo tão brutal quanto os indígenas de Chiapas, a população necessitada do Alto Egito viu suas esperanças frustradas. O ensino gratuito superior e a contratação de funcionários públicos deixaram de ser atraentes quando a burocracia assumiu proporções tais que provocou a criação de postos de trabalho absurdos, além de anos de espera, para quem quisesse um emprego bem remunerado – e os diplomados deixaram de ter acesso direto a um emprego público.
Outro ponto comum entre os índios de Chiapas e os fellahin do Alto Egito: o impacto das estratégias econômicas adotadas pelo México e pelo Cairo. Foi durante os anos 70 que o Egito amortizou timidamente essa tendência, quando o presidente Anuar El Sadat começou a dar as costas à política de Nasser.
A reorientação da economia por ele promovida o levou a buscar o apoio das elites rurais tradicionais. O ganho de poder dos grandes proprietários de terras no Alto Egito – que por vezes provocou a expulsão armada de camponeses das terras contestadas – pôs em perigo não somente as aspirações dos fellahin, como também seus magros ganhos.
Ao longo da década de 1980, o presidente Hosni Mubarak, no início timidamente e em seguida com mais energia, adotou a política de liberalização, em especial pela redução das subvenções à agricultura e ao consumo, e liberação dos preços.
Os pobres foram os que mais sofreram. O Alto Egito continuou sendo a região mais precária do país. Inclusive porque a partir de meados dos anos 80 a recessão atingiu as economias petrolíferas do Oriente Próximo, que restringiram o afluxo de trabalhadores imigrantes. A crise e a guerra do Golfo, de 1990-1991, provocaram a volta maciça dos imigrantes egípcios, e uma grande incerteza quanto ao futuro das migrações. Mas os camponeses viram seus piores temores confirmados em 1992, quando, ao fim de um debate acalorado desde 1985, o governo votou uma lei que – após um intervalo de cinco anos – teve o efeito de anular as disposições relativas à locação das terras. Evidentemente, o texto foi votado em nome da racionalização do setor agrícola.
Em geral chamada de “lei para expulsar os camponeses de suas terras”, ela perturbou profundamente o que os estratos rurais mais pobres consideraram “uma base importante da ordem moral e política”.2
A deriva neoliberal no México começou nos anos 80 e teve impacto semelhante sobre os índios de Chiapas. A redução da subvenção no setor agrícola e, em especial, a supressão de ajuda à produção do café prejudicaram a economia camponesa. A liberalização da política comercial, que levou a uma invasão de produtos agrícolas mais baratos, agravou a sorte dos pequenos agricultores. Ao mesmo tempo, a interrupção dos grandes programas governamentais e a privatização de importantes grupos agrícolas provocaram a perda de inúmeros empregos rurais. O golpe decisivo veio em 1992, quando a modificação do artigo 27 da Constituição pôs um ponto final à reforma agrária e autorizou a venda das terras comunais distribuídas anteriormente.
A relação entre religião, rebelião e neoliberalismo é outro ponto de convergência entre as rebeliões de Chiapas e do Alto Egito. O catolicismo, no primeiro caso, e o islamismo, no segundo, estão há séculos no cerne da cultura das duas regiões. Em ambos os casos, as crenças religiosas dominantes foram o resultado sincrético de crenças ortodoxas e populares, com influências pré-colombianas ou pré-islâmicas. A vida religiosa de cada dia, tanto em Chiapas quanto no Alto Egito, obedecia a uma fé no milagroso ou no mágico, sobretudo para as populações marginalizadas.
Tradicionalmente, as instituições religiosas das duas regiões militavam em favor da manutenção do status quo, mas a religião também servia de fermento para as rebeliões, e os líderes tinham o poder de mudar orientações até então conservadoras em ativismo revolucionário de coloração religiosa.
Entre os marginalizados de Chiapas essa mudança começou nos anos 60, com a nomeação de Monsenhor Ruiz como bispo de San Cristobal. O establishment ladino pensou estar lidando com um conservador, mas a decepção foi rápida. “Ele era um homem de boa paz”, explica um ladino, “e jantava ou tomava café nas casas mais honradas de San Cristobal… Depois, pouco a pouco ele mudou.” Essa mudança se explica pela adesão de Monsenhor Ruiz à Teologia da Libertação.3
Denunciando a divisão da sociedade de Chiapas em classes, Samuel Ruiz apadrinhou organizações campesinas independentes que trabalhavam para melhorar as condições de vida dos camponeses. Após 1970, jovens mexicanos de extrema-esquerda, refugiados em Chiapas para escapar das forças de segurança, reforçaram os esforços do religioso. Esses homens e mulheres – aos quais se juntou em 1980 uma nova geração de jovens de esquerda – mobilizaram os camponeses com objetivos próximos dos defendidos pela igreja de Monsenhor Ruiz. Sua ação mais militante levou à criação do EZLN, em 1983.
A Teologia da Libertação, à qual o bispo aderiu, e o marxismo dos recém-chegados eram compatíveis, e durante vários anos os dois grupos trabalharam em conjunto com as organizações camponesas envolvidas. Ao longo de toda a década de 1980, as elites de Chiapas usaram o aparelho estatal local e nacional para intimidar (e muitas vezes eliminar) os militantes camponeses.
Mas as tensões entre militantes religiosos e marxistas se agravaram no interior do nascente movimento campesino, com os marxistas ganhando cada vez mais simpatizantes à ideia da luta armada. No início dos anos 90, as duas correntes se separaram. Todavia, o EZLN continuava a gozar da simpatia dos camponeses não violentos de Monsenhor Ruiz, e membros do EZLN continuavam a nutrir pelo bispo um respeito mesclado de temor.
E apesar de nenhuma figura carismática ter dominado a passagem do ativismo religioso no Alto Egito, esse ativismo se fez obedecendo a um esquema mais ou menos idêntico. Entre os trabalhadores imigrantes, o contato com a Arábia Saudita e outros países do Golfo teve um peso significativo. Durante a década de 1970, as mesquitas particulares se multiplicaram, com frequência financiadas pelos fellahin que regressavam do exterior, onde tinham conseguido ascender socialmente, o que a estrutura de poder no Alto Egito os impedia de fazer. Dessa forma, foram criados centros que geravam cada vez mais vozes de um Islã militante, socialmente consciente e que contestava a visão conservadora da religião que prevalecia entre os ashrafs e os árabes.
O Djamaa Islamiya se desenvolveu sobretudo entre os estudantes da Universidade de Assiut, no início dos anos 70. Ele mantinha relação com organizações islâmicas militantes em diferentes regiões do país. Entretanto, Mamoun Fandy, “um dos primeiros filhos de camponeses a se beneficiar das reformas nasserianas da educação” e colega de classe de vários fundadores da organização, lembra que o Djamaa Islamiya era diferente dos outros grupos islâmicos do Egito, por seu caráter explicitamente “alto-egípcio” e fellahin.4
Resistência ao neoliberalismo
O Djamaa responsabilizava o regime do Cairo pela traição dos valores islâmicos e via a solução para a situação em um Estado islâmico submetido à charia, além de ter a intenção de modificar a relação de forças no interior do Alto Egito. Na década de 1990, quando lançou sua grande ofensiva, os anos passados na mobilização de massas revelaram seus frutos. É verdade que o número de combatentes militantes era de poucos milhares, mas a simpatia nutrida pelo movimento no campo e nos bairros pobres das cidades da região permitiu que ele sobrevivesse por cinco anos.
O abandono da violência por parte do Djamaa indica que ele reconhece a necessidade de continuar perseguindo seus objetivos pela via política. Com atraso, ele aceita agora, como os zapatistas fizeram no passado, essa mesma imposição. Mas o que pode ter movido esses dois grupos, no início, a promover combate tão desigual? A resposta para essa questão está em uma mescla de fatores estruturais e culturais.
Ela está simultaneamente ligada à história da marginalização econômica, política e social dos índios de Chiapas e dos fellahin do Alto Egito, ao fato desses dois grupos sociais terem sido relegados ao estatuto de “quarto mundo” na hierarquia local, ao incremento da esperança de uma vida melhor – rapidamente decepcionada – e ao efeito catalisador das políticas liberais adotadas pelo México e pelo Egito. Sem falar da dinâmica que modificou a visão religiosa dos dois grupos e, evidentemente, a natureza dessa visão, na origem.
Uma subcultura caracterizada por uma religião popular, na qual magia e milagres fazem parte do cotidiano, favorece – mesmo entre pessoas expostas a outros pontos de vista – a emergência de quadros de pensamento compatíveis com a esperança de que, um dia, uma causa justa triunfará. Se assim for, é possível que, à medida que a globalização neoliberal se estender aos recantos mais perdidos do planeta, ela depare com grupos que persistirão em desafiar as autoridades estabelecidas, apesar da desproporção das forças presentes.