Israel: o peso dos generais
Rotulando todo e qualquer conflito da região como um confronto global entre o Bem e o Mal, e apoiando sem reservas a política do governo israelense, os neoconservadores de Washington estabeleceram vínculos, antes inexistentes, entre crises locais e criaram o maior foco de instabilidade do planeta
O fiasco da segunda guerra do Líbano (verão de 2006) provocou uma espetacular queda de prestígio para o Exército israelense. Antes fonte de orgulho nacional, glorificado pelos feitos contra os adversários árabes, o Exército tornou-se alvo de todos os críticos. O fracasso no Líbano de soldados considerados invencíveis, perante uns poucos milhares de combatentes irregulares do Hizbollah, provocou uma rejeição popular do alto-comando. Com muita freqüência mobilizado para missões policiais nos territórios palestinos ocupados, o Exército não estava preparado para a guerra, e seu comandante-em-chefe, o general Dan Halutz, a quem fora prometido o cargo de primeiro-ministro, teve de renunciar e entregar a demissão.
Decerto, ao lado dos generais e coronéis que conduziram esse conflito improvisado, decidido após duas horas de conversas telefônicas, encontram-se dirigentes civis de alto escalão: o primeiro-ministro Ehud Olmert e o ministro da Defesa Amir Peretz. Mas estes alegaram diante da comissão de inquérito que as decisões fundamentais haviam sido tomadas pelos generais.
Durante as três primeiras décadas de existência de Israel, enquanto o poder permaneceu nas mãos do Partido Trabalhista, o alto-comando militar esteve largamente integrado a esse grupo. Após a vitória da direita nacionalista unificada por Menahem Begin, em 1977, generais próximos a essa outra esfera de influência começaram a se instalar nos altos escalões do Exército, ao lado de oficiais oriundos do grupo nacional-religioso. Muito próximas ideologicamente, as duas tendências colaboram de forma concreta para expandir a colonização dos territórios ocupados. A presença progressiva da esfera religiosa no seio do Exército não parou de crescer: daí para frente, 40% dos jovens oficiais passaram a usar quipá1.
A direita encontrou aliados no coração do Estado-Maior e comandantes regionais para a Cisjordânia e Gaza, que gozam de total liberdade em um terreno em que eles são a autoridade, principalmente no que diz respeito às colônias criadas nos territórios palestinos ocupados. Com ou sem o aval do primeiro-ministro, há vários anos, as unidades se submetem sempre, ou quase, ao ponto de vista dos colonos.
Desse modo, o Exército confisca as terras árabes por “razões de segurança” e deixa proliferar as colônias ditas “selvagens”, ou seja, construídas sem “autorização” (aos olhos do direito internacional, são todas ilegais). Certamente, a cada encontro com líderes estrangeiros, um ministro israelense anuncia que seu país vai reduzir os bloqueios nas estradas. Estes, na Cisjordânia e na região da Grande Jerusalém, tornaram a vida diária impossível, impedindo as pessoas de chegar ao trabalho, os estudantes de freqüentar a universidade, os doentes e mulheres grávidas de ser atendidos nos hospitais2. Porém, a despeito das promessas, um relatório das Nações Unidas revela que o número de bloqueios chegou a 572, ou seja, registrou um aumento de 52% em relação aos 376 bloqueios existentes em agosto de 20053.
O Exército constrói ainda e por toda parte estradas de apartheid. E a palavra é usada aqui em seu sentido literal, pois elas são reservadas aos colonos israelenses e proibidas aos palestinos. Quanto ao “muro da separação”, o Exército faz pouco das decisões, ainda que muito modestas, da Suprema Corte israelense. Enquanto esta decidia, após longuíssimas deliberações, modificar o traçado do muro ao sul da montanha de Hebron, o Exército construía um minimuro suplementar no trajeto original rejeitado pela Suprema Corte. Como explica Haggai Alon, conselheiro do ministro da Defesa para assuntos que afetam a vida cotidiana dos palestinos: “O Tsahal agiu em descompasso com a política do governo e se portou como se ele fosse o Exército dos colonos”4.
Independente de serem arquinacionalistas ou moderadamente liberais, os generais compartilham um desejo de aumentar os orçamentos que lhes são alocados. Até mesmo o general Ehud Barak, ex-primeiro ministro e atual ministro da Defesa — que havia se pronunciado, há alguns anos, em favor de um Exército “pequeno mas inteligente” —, preconiza atualmente a formação de duas brigadas suplementares de infantaria. Seu projeto visa atender a um fenômeno que inquieta o Estado-Maior: o número de jovens isentos do serviço militar obrigatório. Este é de um em cada quatro, segundo as últimas estatísticas, sendo que a metade se constitui de religiosos praticantes que preferem a escola rabínica ao Exército. Em breve, explica Barak, o Tsahal não será mais o Exército do povo, mas da metade do povo. A criação de brigadas de infantaria corresponde também a uma nova análise: as futuras guerras não serão baseadas na tecnologia, mas na presença territorial (o Iraque é um exemplo).
A Comissão Brodet, assim chamada por causa de seu presidente, publicou em maio de 2007 um relatório criticando os gastos assombrosos das diferentes armas da Defesa Nacional5. No entanto, em suas conclusões, ela aprova quase todas as recomendações do Estado-Maior, propondo um aumento de despesas de 13 bilhões de euros ao longo de dez anos. Ao que acrescenta 1,4 bilhão para cobrir as despesas da segunda guerra do Líbano. Enfim, lembremos do aumento da ajuda militar a Israel anunciada pelo presidente Bush no último verão — cerca de 21 bilhões de euros ao longo de dez anos destinados diretamente ao orçamento da Defesa.
Em geral dirigidas por antigos oficiais, as indústrias de armamento israelenses têm-se constituído há muito tempo em um poderoso grupo de pressão, impondo aos políticos estratégias de aliança baseadas nas vendas de armas, do Chile de Pinochet à Mianmar da ditadura militar. A onda de privatizações entretanto enfraqueceu o setor, que vive um dos momentos mais difíceis de sua história, à exceção da indústria aeronáutica, com 80% de sua produção exportada.
Uma das maneiras mais eficazes às quais recorre o establishment militar para impor seu ponto de vista ao poder civil consiste em apresentar “informações secretas”. Foi assim ao impor a ofensiva contra o Líbano no verão de 2006 ou o bombardeio de um alvo na Síria em setembro de 2007. Há quarenta anos, durante a crise de 1967, um golpe esteve bem perto de acontecer quando o Estado-Maior deu um ultimato ao primeiro-ministro da época, Levi Eshkol, para forçá-lo a empreender uma guerra “preventiva” contra o Egito de Gamal Abdel Nasser6.
Barak é um exemplo dos inúmeros generais reformados que passaram do Exército à política. O “soldado mais condecorado da história de Israel” se opôs, enquanto chefe do Estado-Maior, aos acordos iniciais de Oslo (setembro de 1993); uma vez ministro do Interior, votou contra os acordos de Oslo II (setembro de 1995), os quais previam a retirada do Exército israelense das principais cidades palestinas. Ele fala em paz com os árabes, mas expressa ao mesmo tempo o desprezo que estes lhe inspiram e declara que sua cultura se baseia “na mentira”. Israel, a seus olhos, representa uma “vila ajardinada em meio à selva”.
Barak carrega uma responsabilidade histórica pelo fracasso na cúpula de Camp David (2000) — a tal ponto que os pacifistas o classificam como um “criminoso de paz”. Sabe-se agora que as supostas “proposições” que teria feito a Yasser Arafat e que este teria rejeitado nada mais eram que um embuste7.
Barak é também o homem que deu seu aval à visita provocativa de Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, no fim de setembro de 2000, origem da Segunda Intifada. E, a respeito das negociações atuais entre Ehud Olmert e Mahmud Abbas, ele declara que são “inúteis”8.
Mas nem todo general é “mal”. Assim, o almirante reformado Ami Ayalon, um pacifista notório, criou com Sari Nusseibeh, presidente palestino da Universidade Al-Quds, o movimento pela paz Censo Nacional, que conclama israelenses e palestinos a compor dois Estados ao longo das fronteiras de 1967.
Este ano, Ayalon se candidatou à direção do Partido Trabalhista, mas foi derrotado por pouco por Barak, graças ao voto dos militantes árabes. Estes haviam sido alimentados com promessas feitas pelo general Fuad Ben-Eliezer, um judeu iraquiano que fala o árabe e se encarregara de obter para Barak a adesão de aldeias inteiras. E Barak, que se tornou milionário em alguns anos, também “comprou” inúmeros votos dos eleitores árabes9.
Às vezes, os militares deixam aos civis a responsabilidade pelas posições extremistas. Assim, Ivet Liberman, líder do partido russófono Israel Beteinu e ministro dos Assuntos Estratégicos, que ficou conhecido ao ameaçar bombardear a barragem de Assuan, no Egito, declarou recentemente: “Quando houver o próximo confronto com o Hizbollah, é preciso destruir a Síria, bombardear suas refinarias, sua infra-estrutura, seus aeroportos, o palácio presidencial, os ministérios. É preciso esmigalhar sua vontade de combater, como os Estados Unidos fizeram com a Alemanha”11. Os patriotas agaloados adoram se proteger atrás dos patriotas sem galões.
*Amnon Kapeliuk é jornalista e escritor em Jerusalém.